terça-feira, 3 de março de 2015

A anti-social: Vasco X Bangu





Esta semana pensei seriamente em trocar o nome deste blog. Ao invés de Caravana de Boleiros, seria Caravana da boleira.


Por quê ?

Não sei isso já foi percebido, mas o Caravana de boleiros é basicamente formada por mim, então inicialmente não fazia sentido o plural e a aparência de que se tratava de um grupo de pessoas que quase todo final de semana se reunia para ir a um jogo.


Na verdade, é basicamente eu sozinha quem vai para as jornadas futebolísticas.

Entretanto, pensei bem e resolvi não trocar o nome, pelos seguintes motivos:

  • O nome Caravana de Boleiros dá um certo tom de ironia ao Blog, pois trata-se da Caravana de uma só pessoa.
  • Por outro lado, considero que faz parte da Caravana todos que estão nos jogos onde vou e todos que de algum modo se conectam com minhas viagens por intermédio deste blog. Sendo assim o plural tem todo seu sentido.
  • Em um estádio de futebol nunca se está só, por menor que seja o público

Dilema resolvido. O nome permanecerá Caravana de Boleiros.

Na prática, a Caravana continua sendo composta - melhor diria, capitaneada - por uma mulher que ama demais futebol e que respeita imensamente a cultura torcedora.

Afinal "Nós poucos, nós poucos e felizes, nós, bando de irmãos" (Henrique V, W. Shakespeare)

Além disso, quem vive o futebol nunca está só, ainda mais se você está no estádio do seu clube de coração.

No sábado, à tarde, a Caravana composta por eu, partiu para São Januário localizado no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro.

Nesse espaço, inevitavelmente, se juntam a perspectiva da torcedora e da pesquisadora, dimensões que, especificamente, nesse estádio, não é nada fácil de separar.

Mas quando estou na Caravana, eu busco essa separação para ampliar meu olhar, almejando alcançar uma perspectiva que não diria ser exatamente neutra, até mesmo porque não acredito muito na existência de neutralidades.

Busco um olhar o menos embaçado possível,  que consiga de algum modo sentir o estranhamento, mesmo diante do familiar, exercício necessário até mesmo porque é uma certa ilusão achar que o fato de algo nos ser familiar nos dá total conhecimento sobre sua realidade.

Como diria Gilberto Velho:

Posso estar acostumado, como já disse, com uma certa paisagem social onde a disposição dos atores me é familiar, a hierarquia e a distribuição de poder permitem-me fixar, grosso modo, os indivíduos em categorias mais amplas. No entanto, isto não significa que eu compreenda a lógica de suas relações. O meu conhecimento pode estar seriamente comprometido pela rotina, hábitos, estereótipos. Logo posso ter um mapa mas não compreendo necessariamente os princípios e mecanismos que o organizam (Gilberto Velho, Observando o Familiar. In: NUNES, Edson de Oliveira. A Aventura Sociológica. 1978, p.41).
 
 
A Caravana de um modo geral é uma forma de exercitar esse estranhamento diante do familiar ou daquilo que consideramos como tal. Mas confesso que no caso de São Januário esse exercício se torna um pouco mais trabalhoso para mim.
 
Trabalhoso, mas não impossível.
 
Eu tentei...
 
 
 
Mulher em estádio de futebol
 
Como já mencionei algumas vezes, a relação entre mulher e futebol é permeada por obstáculos, assim como por uma série de estereótipos.
 
Seja na esfera torcedora quanto na profissional, ainda há muito que ser conquistado para que a mulher possa se firmar e se legitimar de modo mais consolidado como um ator social importante do esporte mais popular do mundo.
 
Ainda somos coadjuvantes no cenário futebolístico mundial, sendo que esse grau de coadjuvante pode piorar ou melhorar dependendo de aspectos econômicos e culturais.
 
Mesmo assim, sempre agradeço quando vou a um estádio de futebol, afinal passei anos da vida querendo, mas não podendo ir por motivos pessoais.
 
Agradeço também por não nascer em países como Irã onde as mulheres podem ser presas caso queiram assistir a algum evento esportivo praticado por homens. Foi o que aconteceu com Ghoncheh Ghavami, condenada a um ano de prisão por ter participado de um ato a favor da conquista do direito de as mulheres assistirem as competições esportivas no país. (http://www.lancenet.com.br/minuto/Torcedora-iraniana-incidente-mobiliza-FIVB_0_1241275921.html)
 
Após passar um período na penitenciária, Ghoncheh está sob liberdade condicional.
 
Inspirado em proibições desse tipo, o diretor Jafar Panahi fez o ótimo filme Offside que tematiza a forte repressão que as mulheres sofrem no Irã quando o assunto é esporte, especialmente, o futebol.
 
O filme mostra algumas meninas que se disfarçam de meninos para poderem assistir a partida entre Irã e Barein, decisiva na classificação para a Copa do Mundo de 2006. O plano é descoberto pouco antes de elas entrarem no Azadi Stadium. Detidas pela polícia, elas passam o jogo do lado de fora das arquibancadas, o que seria uma tortura para qualquer torcedor ou torcedora.
 
Cartaz do filme que em português foi traduzido por Fora do Jogo. Fonte: http://filmow.com/fora-do-jogo-t18349/
 

Certa vez fiquei fora do estádio, em um jogo do Vasco, mas pelo menos pude assistir ao jogo pela TV, em um bar.

Embora seja muito importante e necessário que reivindiquemos mais espaço no território futebolístico, pelo menos temos certos direitos garantidos, fato que torna possível, por exemplo,  a existência desta Caravana.

Fato que torna possível beber uma cervejinha em frente ao estádio de seu time, sabendo que daqui a minutos você estará lá dentro, nas arquibancadas

Um brinde a essa liberdade:


 
A sociabilidade dos bares em partidas de futebol é dominantemente masculina, como podemos ler no interessante artigo “O complô da torcida”: futebol e performance Masculina em bares" de Edson Gestaldo (Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832005000200006)
 
Por isso, é bastante interessante ir a esses bares sozinha, assim como em estádios também. Recebemos alguns olhares curiosos vindos de diversas partes, até mesmo de outras mulheres que geralmente estão acompanhas de amigos ou familiares.
 
Às vezes, me sinto uma turista.
 
Às vezes me sinto uma ET.
 
Mas nunca tive problemas, nunca fui desrespeitada, incomodada ou coisa do tipo que pode acontecer quando se vai sozinha a um bar ou restaurante comum. Em nossa sociedade machista, nem sempre é agradável andar sozinha em determinados lugares.
 
Os bares onde há homens reunidos especificamente para se assistir a uma partida de futebol, seja longe ou no entorno dos estádios, são geralmente espaços onde parece haver o desenvolvimento de rituais compreendidos como exclusivamente masculinos.
 
Em estádios de futebol a afirmação da masculinidade não passa pela necessidade de se assediar uma mulher ou estar ao lado de uma, mas passa pelo questionamento da masculinidade alheia, por relações jocosas e por vezes agressivas, tudo reduzido ao espaço considerado como "típico de homens".
 
Desse fenômeno, deriva o fato de os estádios de um modo geral serem espaços com forte manifestação homofóbica.
 
E espaços onde embora a presença feminina seja possível, nem sempre é uma presença visível no sentido de ter seu papel legitimado enquanto ser que torce.
 
Espero sinceramente que um dia isso mude e o que o futebol se torne mais democrático no que diz respeito às relações de gênero assim como no que respeito à diversidade sexual.
  
 
 
 
 
 
 
São Januário e seus arredores
 
Vou me abster de contar a história de São Januário, estádio inaugurado em 1927 e que durante muito tempo foi o maior do país.
 
Há aspectos interessantíssimos que conectam a construção de São Januário à história do profissionalismo no futebol carioca e nacional. Muitos mitos foram criados também e que são mantidos até hoje.
 
Os mitos são importantes em qualquer sociedade, saber de suas fragilidades históricas entretanto não os diminui, mas pode ao contrário iluminá-los e mostrar sua força junto ao imaginário social.
 
 
Por isso, para saber mais sobre São Januário há um ótimo livro que repousa tranquilo na minha estante: DA SILVA, Francisco Carlos Teixeira (et all). Memória social dos esportes. São Januário Arquitetura e História. RJ: Mauad, Faperj)
 

 
 
 
São Januário é um estádio localizado no bairro de São Cristóvão que já contou com suas épocas de glória, sobretudo porque já abrigou a família imperial.
 
Além de São Januário temos em São Cristóvão o estádio do clube homônimo, mas que encontra-se em situação difícil e de razoável abandono.
 
Restou ao bairro de São Cristóvão, o estádio de São Januário constantemente usado, mas que precisa de algumas reformas, especialmente, em suas dependências aquáticas.
 
 
O estádio é rodeado de ruas apertadas que se enchem de pessoas e carros em dias de jogo:
 
 
 
Para chegar em São Januário a melhor opção é o transporte público, especialmente ônibus, já que ele fica próximo a Avenida Brasil (tendo como ponto de referência a linha vermelha, à altura do bairro Caju) e a Ruas principais - como a Luiz Gonzaga - em São Cristóvão por onde circulam ônibus para diversos lugares.
 
As linhas 472 (Triagem - Leme) e 473 (São Januário x Lido) param em frente ao estádio, exceto em dias de jogo, quando muitas ruas do entorno são fechadas. Mesmo assim são linhas importantes para se chegar lá.
 
Ir de Metrô é possível, saltando na estação Estácio de Sá e pegando um ônibus integração 209-A. Em finais de semana esse ônibus costuma ter um intervalo de 30 minutos, portanto, é válido não deixar para sair muito em cima da hora.
 
Já ir de trem não é tão simples, sendo necessário saltar na estação de São Cristóvão sendo que de lá há uma distância longa a ser percorrida.
 
Carro não é uma boa ideia. O estacionamento é micro e aberto apenas para sócios. Há um estacionamento em frente ao estádio, que rapidamente fica lotado. A maioria das pessoas param seus carros ao longo das ruas, correndo os riscos inerentes a escolha.
 
Em dias de jogo, o ambiente é razoavelmente caótico, onde tudo se mistura: vendedores, policias,  torcedores e moradores, carros, motos, ônibus....
 
 
 
No sábado passado, esse caos incluiu as longas filas para compra de ingresso. Compra de ingresso, ainda é um dos calcanhares de Aquiles do futebol brasileiro: poucas bilheterias, informações desencontradas, poucos lugares para compra antes do jogo. A internet melhorou bastante a situação, mas ainda carece de diversos ajustes, porque, na maioria dos casos, a Internet garante apenas a reserva do ingresso. É necessário buscá-lo, o que em dias de jogo pode ser confuso e desgastante.
 
A entrada nos estádios também é quase sempre problemática, especialmente em São Januário com passagens estreitas e insuficientes para dar conta de um público grande.
 
Eu já passei alguns perrengues para entrar nesse estádio e creio que esse problema precisa ser solucionado, não apenas no estádio do Vasco, mas em diversos outros, já que se trata de uma questão de segurança bastante relevante e por vezes negligenciada
 






Por volta das 15h30 e 15h40 tinha mais gente do lado de fora que dentro do estádio:

 


Devido a dificuldade de compra nos ingressos e por uma alta dose de preguiça fui de sociais...

Teoricamente é a melhor parte do estádio, já que conta com cobertura, tem uma ótima visibilidade do jogo, assim com cadeiras para se sentar. Isso sem mencionar a razoável tranquilidade que é a entrada no estádio.

Fazia pelo menos uns dois anos que não frequentava esse espaço.

Sou anti-social.... ou seja prefiro as arquibancadas, descobertas e sem cadeiras

Isso não significa que eu seja contra essa área. Jamais pensaria assim. Os estádios precisam comportar os diversos modos de se torcer.

Trata-se apenas de uma opção.

E sábado confirmou mais ainda que não fui feita para as sociais. Lá perdi muitas experiências maneiras:

  • Deixei de ficar no meio da multidão e cantar.

  • Não pude pegar chuva, o que adoro fazer em estádios (desde de que não sejam temporais imensos)

  • Deixei de pegar sol com chuva, porque sábado o tempo estava louco aqui no Rio de Janeiro.

  • Não pude assistir ao jogo em pé


Fui em parte compensada pela possibilidade de ficar de frente para a torcida do Bangu e tirar esta foto





Pude também ficar próxima ao novo telão de São Januário a partir do qual se pode assistir ao jogo (sem direito a replay)




Mas nada disso compensou o fato de ter que olhar de longe o lugar onde eu gostaria de estar.




Notem, no lado esquerdo da foto, que há um vão cercado de policiais separando uma parte da torcida. Não averiguei do que se tratava, mas creio que tenha relação com as recentes rixas de origem política no interior de algumas organizadas do Vasco da Gama.

Particularmente acho uma pena a ausência das organizadas em alguns estádios. É um equívoco achar que somente esses agrupamentos provocam violência e que o simples fato de impedir a entrada de bandeiras ou camisas que remetam a sua marca, pode resolver os problemas da violência em estádios.

E também acho lamentável ver uma cisão como essa que a foto mostra, dentro de uma mesma torcida.



Só quem é torcedor entende

São tantos fenômenos interessantes que cercam o futebol, que me sinto num teatro onde observo e participo de uma série de encenações das paixões humanas.

Já é a segunda vez que passando pelas ruas ao redor do estádio de São Januário me deparo com uma cena fascinante. Um grupo de torcedores assistindo ao vídeo Palmeiras X Vasco, ocorrido no ano de 2000.

Esses torcedores assistiam com tanta atenção que parecia que o jogo era ao vivo:








 

Parecia uma espécie de ritual que demonstrava como alguns jogos são capazes de ultrapassar a dimensão de seus 90 minutos, fincando-se na memória afetiva das pessoas, mantendo-se vivos por longo tempo e sendo passados a diferentes gerações.

Creio que recorremos a esses jogos na busca por reviver as emoções por eles despertadas e na esperança de que outras emoções iguais nos aguardem no futuro.

São coisas despertadas pelo futebol e que às vezes acho que somente os torcedores entendem


 



 
 
 
 
 


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