sexta-feira, 29 de abril de 2016

Estádio Bastos Padilha: do Fla-Flu da Lagoa ao Flamengo e Corinthians do Futebol Feminino


O futebol feminino me proporcionou uma agradabilíssima experiência futebolística. Não somente assisti a um ótimo Flamengo e Corinthians como também tive a oportunidade de pela primeira vez visitar o estádio Bastos Padilha. Popularmente conhecido como estádio da Gávea, sua inauguração data de 4 de setembro de 1938, ano em que o Flamengo consolida sua popularidade ampliada com a contratação dos ídolos nacionais Leônidas da Silva, Fausto e Domingos na Guia.

Enquanto permanecia sentada nas arquibancadas do estádio Bastos Padilha eu lembrava do “Fla-Flu da Lagoa” e pensava também que o futebol – assim como a vida -  é algo absolutamente dinâmico. Afinal, lá estava eu zanzando no clube que tem sua imagem fortemente vinculada a ideia de povo, mas cuja sede e estádio se localizam em uma das áreas mais caras do Rio de Janeiro.

O Rio de Janeiro é uma cidade com características curiosas. Sua geografia, por exemplo, permite que diferentes classes possam trafegar no mesmo espaço físico, sobretudo devido a presença de comunidades localizadas em bairros considerados “nobres”. Esse tráfego, entretanto, longe de gerar proximidade, evidencia a distância que separa os ricos dos pobres. Distancia explicitada, por exemplo, na divisão social do trabalho de locais como Gávea que é colada com a Lagoa e muito próxima do Leblon. Andar nesses locais pode nos fazer sentir como se estivéssemos em uma novela de Manoel Carlos, atuando como coadjuvantes.

Nessa “cidade partida” talvez o futebol – em especial, o Flamengo - seja um dos únicos elementos que perpasse mundos tão díspares. E no dia 12 de abril, nos gramados do estádio Bastos Padilha, localizado em um dos metros quadrados mais caros do mundo, o Flamengo jogou contra o Corinthians na versão feminina do mais popular clássico do país.

Bastos Padilha, o estádio do Fla Flu da Lagoa

José Bastos Padilha foi um dos mais importantes presidentes da história do Clube de Regatas do Flamengo e não sem motivos, o estádio da Gávea oficialmente tem seu nome. Bastos Padilha era empresário do ramo da litografia e começou a carreira elaborando pequenas propagandas de estabelecimentos comerciais, impressos em pequenos cartazes e distribuídos aos clientes. O negócio prosperou e, em 1933, quando assume o Flamengo, Padilha já era um bem estabelecido empresário que mantinha ótimas relações com nomes influentes da alta sociedade, incluindo importantes políticos. Um de seus principais amigos era Mário Filho, também seu cunhado, jornalista que estabelece carreira no jornal O Globo na década de 1930 e que com ajuda financeira de Arnaldo Guinle, Roberto Marinho e Bastos Padilha, compra parte do Jornal do Sports, em 1936.

Padilha esteve à frente do clube em momento fundamental do futebol brasileiro quando da transição do amadorismo para o profissionalismo. É durante sua gestão que a identidade do clube passa por transformações na direção de um projeto que exaltava seu caráter popular assim como intensificava a imagem do clube com representante popular de uma nação. Em 1936, Padilha contrata o habilidoso trio de jogadores negros Fausto, Domingos da Guia e o polêmico Leônidas da Silva que, em 1938, ficaria mundialmente conhecido, graças as suas ótimas atuações na Copa do Mundo daquele ano.

Como parte do projeto de elevação do clube estava a construção de um estádio próprio, já que desde 1932 o Flamengo havia ficado sem campo para mandar as partidas do campeonato carioca. De 1915 a 1932, o Flamengo costumava mandar seus jogos no campo do Paysandu, sediado no bairro das Laranjeiras. O clube Paysandu foi campeão carioca em 1912 e encerrou suas atividades no futebol dois anos depois dessa conquista. A família Guinle que era proprietária do terreno resolve então alugá-lo ao Flamengo que constrói um pequeno estádio no local.  Porém, com o fim do contrato de locação e sem dinheiro para comprar o terreno, o clube se vê forçado a procurar outro lugar para jogar.







Porém, um ano antes, o Flamengo por decisão do decreto municipal de número 3.686, havia ganhado o direito de cessão e aforamento de um terreno que margeava a Lagoa Rodrigo de Freitas. Na época, é válido que se diga que essa área era pouco valorizada, carecendo de maiores investimentos em urbanização. Da sede localizada no bairro do Flamengo, o clube gradativamente vai construindo sua nova casa no bairro da Gávea. Em 1936, as arquibancadas começam a ser erguidas e no dia 04 de setembro de 1938, o estádio foi inaugurado com um Flamengo x Vasco que venceu a partida por 2 a 0.

A inauguração do estádio da Gávea foi recebida com burburinho pelo Jornal dos Sports que com certo estardalhaço comemorou o surgimento de um a nova praça esportiva envolvendo-a com uma atmosfera de promessas de um futuro grandioso. Bastos Padilha não era mais presidente do clube, mas seu nome estava plenamente vinculado ao estádio da Gávea que para ele representava uma ótima conquista não somente para o clube como para o próprio esporte nacional:

Digo ainda e com maior convicção– acentua Bastos – que uma vez completa a obra idealizada, o Brasil terá recebido insuperável campo para Olimpíadas, na qual poderiam ser praticados todos os esportes (JS, 04/07/1938)



Dia da inauguração do estádio da Gávea, Jornal dos Sports, 04/07/1938



Jornal dos Sports, 04/07/1938

Jornal dos Sports, 06/07/1938

Revista Careta 10/09/1938



O tempo mostrou que as projeções de Bastos Padilha não se concretizaram. O estádio permaneceu acanhado em termos de tamanho e tornou-se palco quase que exclusivo das atuações do Flamengo em campeonatos regionais. A partir de 1950, o Maracanã passa a ser o local privilegiado do futebol carioca, em especial do Flamengo que continuou atuando na Gávea em jogos de menor apelo público. Em 1997, o estádio da Gávea deixa de receber jogos profissionais.
O Bastos Padilha protagonizou um histórico clássico imortalizado por Mário Filho como o “Fla-Flu da Lagoa”. A partida que decidiria o campeonato carioca de 1941 estava empatada em 2 a 2, a seis minutos do fim. Após estar perdendo por 2 a 0, o time do Flamengo conseguira igualar o placar, mas ainda precisava de mais um gol, pois caso contrário o título ficaria com o clube das Laranjeiras. Os jogadores do Fluminense então resolveram chutar as bolas na direção da Lagoa Rodrigo de Freitas, em uma desesperada forma de fazer cera.
Entretanto, procurando nos jornais da época, inclusive o Jornal dos Sports e a análise do jogo feita pelo próprio Mário Filho, não é possível encontrar menção alguma às bolas chutadas na direção da Lagoa


Crônica de Mário Filho, Jornal dos Sports, 25/11/1941


Grande parte das polêmicas acadêmicas em torno das obras de Mário Filho se referem à desconfiança quanto a fidedignidade de seus relatos. Por outro lado, tenho a impressão de que sua obra se mantém viva justamente devido a tendência de Mário Filho privilegiar o como contar uma história.  Quando leio Mario Filho, sobretudo aquele Mário que escreve livros como Histórias do Flamengo e O negro no futebol, lembro do que Eric Auerbach falou sobre Homero: "Enquanto ouvimos ou lemos a sua estória, é nos absolutamente indiferente saber que tudo não passa de uma lenda, que é tudo "mentira". A exprobação frequentemente levantada contra Homero de que ele seria um mentiroso nada tira de sua eficiência; ele não tem necessidade de fazer alarde da verdade histórica de seu relato, a sua realidade é bastante forte; emaranha-nos, apanha-nos em sua rede, e isto lhe basta" (A cicatriz de Ulisses. In: Mimesis, p.10).
Em outras palavras, na condição de leitores costumamos ser cativados por histórias bem contadas. E Mário Filho era um ótimo narrador. Os historiadores que me perdoem, mas crônicas como a "Fla-Flu da Lagoa", publicada na revista Manchete Esportiva em 1956, explicam porque Mário Filho foi tão influente em seu tempo:
Noutro campo a história desse Fla-Flu seria diferente. Bola fora volta logo, na Lagoa demorava. E o Flamengo jogou na água guarnições inteiras de remo para apanhar a bola na Lagoa. Parecia que essas guarnições disputavam um campeonato de remo. Apanhavam a bola, mandavam-na de novo para o campo e ficavam n’água, os remos suspensos, os músculos retesados, prontos para quarenta remadas por minuto. Que outra bola havia de vir, e rápida. Enquanto o Fluminense pudesse jogar bolas na Lagoa, não faria outra coisa (...) O Fluminense acabou percebendo que, quanto mais bola jogasse na Lagoa, mais o jogo se demorava a acabar. Aqueles seis minutos poderia durar horas e então ninguém do Fluminense, nem do Flamengo aguentaria. (1994, p.88-89).
O Fla-Flu da Lagoa, ao que parece, é uma imaginativa invenção do jornalista.  Uma invenção com certo de nível de verossimilhança, afinal há de se considerar que o campo do Flamengo naquela época era muito próximo das águas da Lagoa Rodrigo de Freitas.

Fonte: O campo do Flamengo sendo margeado pelas águas da Lagoa. https://flamengoalternativo.wordpress.com/2016/03/02/dossie-gavea-passado-presente-e-futuro-do-estadio-rubro-negro/


Hoje em dia, a versão de Mário Filho seria inviável. Além de o estádio não receber mais Fla-Flus em nível profissional, a Lagoa Rodrigo de Freitas deixou de margear o campo do clube, após passar por novas etapas de aterramento para dar passagem a construção de ruas, intensificadas pelo processo de higienização urbana e de expansão mobiliária que marcou a região na década de 1960. Além do aterramento, houve diversas remoções de favelas na zona sul do Rio. A Favela do Pinto, que ficava ao lado do clube do Flamengo, foi substituída por um conjunto de prédios denominados de Selva de Pedra em alusão a novela homônima que fazia sucesso na TV na época.



Fonte: http://salacristinageo.blogspot.com.br/2013/11/cidade-de-deus-cdd-historia-do-bairro.html?view=snapshot




                                                    Foto Leda Costa. A Selva de Pedra vizinha estádio Bastos Padilha


Hoje não há mais possibilidades de bolas na lagoa, sejam elas inventadas ou não. Entre o campo e as águas há a Avenida Borges de Medeiros e a sede do clube que pode ser vista ao fundo.



Os tempos são outros. Do Fla-Flu de 1941 até os dia de hoje muita coisa mudou, algumas para o bem e outras nem tanto. Mas uma mudança há de se destacar e comemorar, pois se no ano do Fla-Flu da Lagoa, o futebol feminino foi proibido no Brasil, em 2016 lá estava o estádio Bastos Padilha abrigando o clássico Flamengo e Corinthians pela 4a rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino.


Flamengo x Corinthians, campeonato feminino de futebol 2016

Em muitos jogos do campeonato feminino de futebol não existe a obrigatoriedade de venda de ingresso, o que permite que eles ocorram em estádios que não costumam abrir para o grande público, como é o caso do Bastos Padilha. 

Sendo assim, se você gosta de futebol e tem algum tempinho sobrando,  assistir a um jogo das meninas não somente é importante para dar força para essa modalidade, como pode ser uma oportunidade de assistir a um bom futebol em um estádio com história para contar. Em uma tarde de outono, esse é um programa esportivo muito bem vindo. 



O problema é que o outono no Rio de Janeiro pode ter temperaturas bem altas, como foi o caso da tarde de Flamengo X Corinthians. E essa é a parte ruim do Campeonato Feminino: o horário de alguns jogos. O Estádio da Gávea não tem iluminação artificial, por isso, as partidas precisam ser realizadas em horários que considero pouquíssimo adequados tanto para quem pratica quanto para os que assistem. Corinthians e Flamengo, por exemplo, começou às 15h de baixo de um sol escaldante. O Flamengo também costuma mandar seus jogos no estádio Antunes, que pertence ao CFZ (Centro de Futebol Zico), onde há as partidas podem ser iniciadas mais tarde. Porém, sua localização não é nada animadora. Caso não se tenha carro - como é meu caso - o acesso é um tanto difícil.


Mas vamos deixar as reclamações um pouco de lado porque o campeonato feminino este ano tem motivos para comemorar. Clubes importantes do país montaram equipes femininas como Vasco, Flamengo, Corinthians e outros já tradicionais como o Iranduba do Amazonas que tem obtido ótimas médias de público em seus jogos realizados na Arena da Amazônia. Médias maiores que muitos jogos do Campeonato Carioca e infinitamente maiores que as do campeonato masculino de futebol Amazonense. Indatuba x Corinthians realizado em março levou quase 9 mil pessoas às arquibancadas. Indatuba X Flamengo, realizado dia 20 de abril, teve um público de 7 mil pessoas. 


O Flamengo x Corinthians foi assistido por poucas pessoas na Gávea, entre as quais parentes de jogadoras, ex- e futuras jogadoras, assim como pessoas que estavam no clube e resolveram dar uma passada no campo. E quem esteve nas arquibancadas pode assistir a um bom espetáculo futebolístico de dois times com algumas jogadoras que pretendem atuar pela seleção Brasileira nas Olimpíadas de 2016. 















































Da seleção, o Flamengo tinha Maurine e Bia e o Corinthians Letícia e Rafaela Travalão, todas já convocadas pelo técnico Vadão. Elas integram os times graças ao processo de draft adotado pela CBF, desde 2015, com a finalidade de distribuir as jogadoras da seleção brasileira permanente entre os clubes classificados para a segunda fase do campeonato brasileiro.  Além dessas jogadoras o Flamengo também tem atletas experientes como Maycon e Tania Maranhão medalhistas olímpicas em 2004 e 2008. 


O jogo entre as equipes teve uma característica fundamental: não foi morrinhento. As duas equipes estavam de fato interessadas em ganhar o jogo, mesmo debaixo de um intenso calor. O time paulista, entretanto, aos 21 minutos, ficou sem a jogadora Mayara, expulsa depois de tentar dar um soco em uma adversária. Uma jogadora a menos pode significar uma grande desvantagem e foi o que aconteceu com o Corinthians que chegou a estar perdendo o jogo por 3 a 0 até os 37 minutos do 2o tempo. Foi então que o time de São Paulo fez dois gols em 4 minutos e quase conseguiu empatar
.

Final de partida: Flamengo 3 x Corinthians 2. 


O Corinthians em parceria com o Grêmio Audax Osasco, voltou a disputar um torneio feminino após sete anos de ausência, tendo Aline Peregrino como supervisora técnica. Em 2008, o clube paulista chegou a contratar a jogadora Cristiane que havia sido destaque pela seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de Seul. O clube quis montar um clube que fosse campeão do Paulista, o que não aconteceu. Em 2009, o time feminino, já sem Cristiane, chegou a disputar o campeonato Paulista, mas foi desfeito no mesmo ano.  Espero que o Corinthians não desista do projeto de manter uma equipe feminina por causa do insucesso no campeonato brasileiro. 

Essa instabilidade é um dos problemas do futebol feminino no Brasil, mas creio que há esperanças de melhoras futuras, sobretudo, se  clube tradicionais não desistirem de projetos que envolvam o futebol feminino. Creio que essa modalidade não tem mais o que provar quanto a sua importância e a potencialidade de gerar recursos. Certamente que obstáculos existem, em se tratando de um país como o Brasil em que existe uma espécie de monocultura esportiva. Muitos obstáculos enfrentados pelas meninas do futebol são derivados do fato de que em nosso país as atenções se concentram no futebol masculino e um tipo específico de futebol: o espetacularizado, formado pelos clubes mais populares e ricos. 


Mas, ouvir o "vai Corintia!" e o "Vai pra cima deles mengo!" na direção das meninas, sobretudo em um estádio como o Bastos Padilha, é algo que alimenta a esperança de dias melhores para o futebol feminino. 







                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            
Por fim, um repouso antes de voltar para casa




Quase um mês depois desse jogo, o Flamengo se classificou para as semifinais do Campeonato Brasileiro Feminino e creio que o Bastos Padilha seria um estádio ótimo para receber as partidas decisivas do clube da Gávea. 

quinta-feira, 3 de março de 2016

Os Castores da Guilherme e a faixa proibida. Bangu X Madureira



Sábado, dia 27 de fevereiro, aconteceu um tradicional jogo do campeonato carioca, Bangu X Madureira, que poderíamos chamar de um clássico suburbano. Os dois clubes se enfrentam desde a década de 1930, sendo que nesse período houve alguns desencontros, pois ora um ora outro caiu para a segunda divisão daquele torneio local. Mesmo assim, foram 119 jogos, número nada desprezível e cujo domínio de vitórias é do Bangu, 65 contra 29.

Embora seja uma partida tradicional, é a primeira vez que a assisto. Nunca havia visto esse duelo, nem mesmo pela televisão. Aliás não sei dizer se algum dia o clássico suburbano já foi mostrado na telinha. O importante no momento, porém, é compartilhar a estreia da Caravana nas arquibancadas de Bangu X Madureira.

A partida foi realizada no estádio Proletário Guilherme da Silveira – também conhecido como Moça Bonita -, em Bangu, ambiente ao qual estou bastante acostumada a frequentar e, justamente, por isso me senti um tanto incomodada com o tipo de tratamento dado aos torcedores, sobretudo, no que se refere à tentativa de se proibir a exposição de uma faixa de protesto nas arquibancadas.

Imediatamente lembrei do acontecido durante o jogo Corinthians X São Paulo, quando algumas faixas de protesto estendidas por parte da torcida do Corinthians foram retiradas a pedido do juiz do jogo. Há um ótimo texto "A despolitização do futebol" de Sergio Settani Giglio, Victor de Leonardo Figols e Marco Antunes de Lima que analisam esse acontecimento.

Tentarei dialogar com esse texto, comentando o que presenciei no Proletário, onde fatos parecidos ocorreram.


Rumo a Bangu, temporal e calorão numa mesma tarde

Quando desci do trem na estação Guilherme da Silveira, em Bangu, o mundo caía. Nas últimas semanas têm sido assim, no Rio de Janeiro, um calorão imenso que apenas é interrompido por algum daqueles temporais que duram menos de uma hora, mas que causam grandes estragos. Foi necessário esperar um pouco até que a chuva se aquietasse e os raios e trovões soassem menos ameaçadores, pelo menos para mim.


Eu já estava atrasada para o jogo, pois o trem teve seu fluxo interrompido, diversas vezes, ao longo do caminho. Mesmo embarcando às 14h40, na estação terminal Central do Brasil, cheguei a Bangu, somente às 15h50. Uma viagem que dura em média 45 minutos foi feita em mais de uma hora. Infelizmente andar nesse meio de transporte, no Rio de Janeiro, requer paciência e, até mesmo, certa dose de resignação, pois os problemas são constantes, sobretudo, se for semana. E principalmente quando chove muito.


Foto Leda Costa

Entrei no estádio, o jogo já havia começado e parte da torcida já cantarolava as canções de apoio ao time. Eu até que tentei ficar nas sociais onde a área é coberta, mas ao chegar na entrada dessa parte do estádio notei que um funcionário do clube monitorava o acesso a esse setor. É primeira vez que vi esse tipo de controle em Moça Bonita.

Perguntei ao funcionário, se as sociais estavam fechadas, então ele disse: “você é sócia?”, ao que respondi: “não”. Ele me informou que somente quem era sócio podia entrar naquela parte do estádio. 

Entendo esses processos de setorização, mas creio que devam ser organizados devidamente e não do modo como observei que foi feito em Bangu. Lá o critério de entrada, no referido setor, foi fundamentado no que prefiro chamar de “olhômetro” somado à velha camaradagem. Não era necessário mostrar nenhum tipo de identificação como, por exemplo, a carteira de sócio, bastava ser conhecido do funcionário ou contar com a simpatia dele.

Achei isso bastante decepcionante e uma atitude que beirava o autoritarismo, afinal as regras não estavam nada claras.


Me dirigi então para as arquibancadas descobertas, o que eu normalmente faria no segundo tempo da partida, mas que tive de antecipar. Lá tentei esquecer a chuva que caía, observando o jogo e movimento ao meu redor.

Foto Leda Costa


Aos poucos, torcedores chegavam ostentando o belo uniforme alvi-rubro do Bangu um dos únicos no país no qual vem estampado a imagem da mascote do clube. A mascote é um castor, idealizado na década de 1980, em homenagem a Castor de Andrade que por mais de 20 anos esteve à frente do clube, embora, não oficialmente. O bicheiro que também gostava de samba presidiu a Mocidade Independente de Padre Miguel e a própria Liesa (Liga Independente das escolas de samba do Rio de Janeiro), por ele fundada em 1984.

Foi basicamente do bolso de Castor que bons times do Bangu foram montados, como por exemplo, aquele que ficou em segundo lugar no campeonato brasileiro de 1985. Há, aliás, uma interessante reportagem intitulada “Castor acima do bem e do mal”, publicada na revista Placar e escrita pelo falecido jornalista Tim Lopes, que em março de 1985 acompanhou o bicheiro durante os jogos do Bangu contra o Grêmio Esportivo Brasil, nas semifinais do brasileiro daquele ano. O perfil que se delineia a partir das observações e informações dessa reportagem, mostra alguém que acompanhava de perto o cotidiano do Bangu e que mesmo não exercendo o cargo de presidente, dava a palavra final em diversas decisões. Devoto de Nossa Senhora aparecida era comum que ele liderasse uma oração entre os jogadores no vestiário, após o final das partidas. Assim como Eurico Miranda faz em São Januário, Castor costumava assistir de uma cabine especial, os jogos do Bangu no Proletário.

Como descreve Tim Lopes, Castor de Andrade parecia estar “acima do bem e do mal” vivendo à margem da lei, gozando de muitos privilégios e agenciando seu poderio financeiro a partir de uma prática criminosa que é o jogo do bicho. Mesmo que o dinheiro viesse de uma atividade ilegal, Castor era figura popular e que tinha acesso a diversas esferas da sociedade, posando ao lado de celebridades e políticos da época. Porém, ninguém o admirava mais que os torcedores do Bangu que no Maracanã em 1985 estendiam bandeiras em sua homenagem


Revista Placar, 02/08/1985, p.15

Como mostra a imagem, na década de 1980 já havia torcedores que se denominavam Castores de modo informal e um tanto situacional. Mas, em 2011, novos castores nasceram. A Castores da Guilherme desde esse ano se reúne atrás do gol, do lado direito das sociais, no estádio Proletário. É uma torcida de alento, inspirada nos moldes argentinos e que é formada, em sua maioria, por jovens moradores do bairro. Segundo consta em sua fan page, a torcida nasceu de uma derrota o que é marca significativa para sua identidade coletiva, pois que pregam o apoio incondicional ao Bangu:
Tudo começou em 2011, numa derrota de 2 x 1 pro Friburguense na semi-final da Copa Rio. Um grupo de amigos resolveu ir ao jogo e viram o comportamento estranho de boa parte da torcida Banguense, que só vaiava ou ficava quieta durante o jogo, vendo que isso só empurrava mais o Gigante da Zona Oeste para o buraco, esse grupo de amigos resolveu dar um basta nisso e veio com a missão de resgatar o amor dos Banguenses (https://www.facebook.com/CastoresdaGuilherme/info/?tab=page_info)

  
Os Castores da Guilherme protagonizaram um importante momento durante o jogo Bangu X Madureira cuja repercussão foi praticamente negligenciada pela imprensa. Faço referência a faixa estendida pela torcida e imediatamente vetada pelos seguranças do clube. O veto, entretanto, não obteve sucesso, graças a diversos torcedores que em conjunto e com diálogo insistiram em mantê-la erguida nas arquibancadas, mesmo que a contragosto de funcionários do Bangu.


A faixa proibida

No intervalo do primeiro para o segundo tempo e com o fim da chuva, a torcida começou a prender seus trapos e barras nas arquibancadas do Proletário.  Além desse material também foi colocada uma faixa que dizia “Por um Bangu forte, democrático e transparente. Reage Bangu".  

Reage Bangu é um movimento que visa promover a união de torcedores ou simpatizantes do clube, para arrecadar dinheiro e pessoas que viabilizem a elaboração de um projeto que dê ao Bangu a possibilidade de tornar-se novamente competitivo. Sendo assim, a faixa vinculava-se claramente a esse movimento cujas premissas foram abraçadas pela Castores da Guilherme.


Foto Leda Costa


Inicialmente, ela foi presa ao alambrado, porém pouco tempo depois de sua exposição, dois funcionários do Bangu acompanhados da Polícia Militar conversaram com um rapaz e o conduziram para dentro do gramado. Lá o rapaz começou a retirada da faixa com a ajuda de outros colegas de torcida.




Foto Leda Costa

Foto Leda Costa
  
Parecia que a torcida se conformaria com a proibição e guardaria a faixa. Mas fez-se o contrário. Abriram-na, novamente, e em grupo a conduziram-na para outro lugar da arquibancada, numa parte mais central em frente as sociais.

Enquanto seguravam a faixa, contavam em coro: “Ei Varella vai tomar no c….”.  Fazia-se referência a Jorge Francisco Varela presidente do Bangu desde 2007 e que costuma ser alvo de contestação de diversos torcedores que cobram mais transparência nas movimentações financeiras, assim como maiores investimentos no clube e melhorias no estádio.[1] Não tardou muito e novamente funcionários do Bangu se aproximaram para tentar proibir a faixa, o que não foi aceito pelos torcedores que reagiram afirmando que ela ficaria.

Houve empurra-empurra e forte discussão entre alguns torcedores e os funcionários que, por sua vez, afirmavam que a faixa seria retirada, pois a manifestação não estava acontecendo de modo pacífico já que fazia uso de palavrões e, sobretudo, porque fazia algo inaceitável (segundo os funcionários): “mandar um homem tomar no c….”. 

Um dos torcedores, então, argumentou que se fosse o caso, todos ali presentes deveriam ser colocados para fora, afinal aquele xingamento costuma ser repetido com frequência por grande parte dos frequentadores dos estádios. De fato, o torcedor tem razão. Sabemos que é comum o uso de palavrões vindos das arquibancadas, lançados em direções diversas, alguns com forte conteúdo sexista e homofóbico e que nem por isso cogita-se na possibilidade de pedir para que a torcida pare com esse tipo de gesto. Portanto, o argumento usado não cabe para balizar uma ordem de retirada da referida faixa, até mesmo porque nela não havia nenhum tipo de conteúdo ofensivo.





O bate-boca continuou e um dos funcionários disse que chamaria a polícia militar, ouvindo então a seguinte resposta “pode chamar, aliás, chama o GEPE (Grupamento Especial de Policiamento em Estádios) porque só sairemos daqui com um ofício que legalmente nos obrigue a tirar a faixa”. A polícia militar chegou e após alguns minutos de conversa decidiu ir embora.

A faixa permaneceu estendida até o fim do jogo.



Nesse longo tempo de negociação a torcida ainda pode comemorar um gol do Bangu que diversas pessoas sequer viram já que estavam tentando fazer valer o direito de protestar. Aliás, aqui é importante dizer que a faixa não continha nenhum tipo de incitação ao ódio ou conteúdo preconceituoso. Sendo assim, a torcida estava em acordo com o que rege o Estatuto do Torcedor no Art. 13 - Inciso IV que proíbe 

"portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo" (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.671.htm)

Não era o caso, em Bangu. 


A despolitização do futebol

Ao comentarem o fato ocorrido no jogo Corinthians x São Paulo, os autores Sergio , Victor e Marco mostraram a falta de união entre torcedores e jogadores, no que se refere à busca por um futebol melhor organizado. No caso de Corinthians x São Paulo,  essa distância se emblematizava no gesto do zagueiro Felipe que a pedido do árbitro Luiz Flávio de Oliveira, foi até próximo os torcedores e solicitou que as faixas de protesto fossem retiradas, atitude essa tomada de modo passivo e sem questionamento algum
  
Na partida Bangu x Madureira, não houve interferência do árbitro e muito menos de algum jogador que tentasse colocar fim à manifestação. A ordem de proibição veio, ao que parece, da diretoria do Bangu, o principal alvo do protesto dos torcedores, pelo menos daqueles que em torno da faixa e que se reuniram para mantê-la exposta.

Sergio, Victor e Marco terminam seu texto afirmando que "Seria interessante que, de alguma forma, torcedores e jogadores se unissem para modificar a estrutura desse nosso futebol ou continuaremos a ter ações isoladas e que pouco alteraria, de fato, essa estrutura"


Essa união me parece mais distante quando se trata dos chamados clubes de pequeno investimento como é o caso do Bangu. Muitos desses clubes são geridos de modo precário, sobrevivendo com bastante dificuldade, sendo constantemente usados nas articulações políticas, como ocorre no processo de eleição de diversas Federações pelo país afora. Sendo assim, os clubes “pequenos” estão quase sempre ao lado do status quo, pois em troca de um pouco de dinheiro concedem apoio a manutenção de gestões que em nada contribuem para melhorias no futebol.   

O caso do Bangu parece ser mais grave, afinal é válido lembrar que seu presidente Jorge Varela é primo de Rubens Lopes, presidente da FERJ e que aliás, já presidiu o próprio Bangu de 2001 a 2002. Ou seja, a aliança com o poder estabelecido se instala dentro do próprio clube. Uma das reivindicações que constava na faixa era a de um “Bangu mais democrático” e a tentativa de proibição dessa expressão da torcida, dá mostras de que democracia não tem sido o forte do clube.

Precisamos ouvir os torcedores que são parte fundamental do futebol, o que significa ir em busca das motivações de protestos como o visto em São Paulo e o – pouco - visto em Bangu. É importante notar os torcedores para além daquelas manifestações que não contrariam um comportamento ideal esperado, o que praticamente se resumiria na demonstração de emoções domesticadas de amor ao time, de alegria por uma vitória ou tristeza por uma derrota.

Talvez por isso a equipe de jornalistas de uma emissora de TV fechada que no início do jogo havia filmado a Castores da Guilherme cantando festivamente, pouco se interessou por saber que burburinho era aquele que acontecia em torno de uma faixa. Chamada com insistência por alguns torcedores, a equipe se aproximou com certa má vontade, afirmando que apenas filmaria caso palavrões não fossem gritados. 

Na matéria que foi ao ar no dia seguinte ao jogo, falou-se da festa nas arquibancadas, deu-se um tom pitoresco ao fato de se torcer para o Bangu, mencionou-se a chuva, mas nenhuma palavra dita em relação à faixa que até foi filmada, mas como se fosse um simples pano de fundo, sem a devida menção à tentativa de censura por parte do clube. Muito menos buscou-se saber o que motivou os torcedores a protestar

Mas como disse o historiador Carlos Molinari "O Time é fraco, mas a faixa é forte" e ao final do jogo foi carregada até a entrada do estádio por alguns torcedores da Castores. 



Para aqueles que leram e sabem a origem da mascote do Bangu, a quem a torcida faz referência, pode pensar que no mínimo é irônico ver esse agrupamento de jovens defender o direito de se expressar livremente. Castor de Andrade não andava na mesma calçada da democracia e comandava o Bangu com mão pesada.

Mas os Castores de sábado eram outros e deram mostras de que as arquibancadas de futebol são espaços legítimos de manifestações justas e que visem um futebol melhor. 










[1] O movimento Reage Bangu, que é mencionado na faixa, foi criado para elaborar "um conjunto de IDEIAS e PROPOSTAS que sejam minimamente capazes de UNIR PESSOAS em torno do OBJETIVO de RESGATAR OS MELHORES MOMENTOS e as MAIS NOBRES TRADIÇÕES DO BANGU ATLÉTICO CLUBE." (http://www.reagebangu.com.br/blog/). Mas há outras manifestações contrárias à atual gestão do clube, entre as quais como é o caso da torcida Castores da Gullherme que em diversos jogos costuma gritar contra o presidente Jorge Varela. 


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Estádio Parque Alfredo Viera com jogo. Wenderers x Danúbio. Colaboração de Marina Matos


Esta breve postagem ajuda a preencher algumas lacunas da viagem da Caravana a Montevidéu. Fui a 4 estádios e dois deles sem jogo. Mas ainda bem que o mundo está cheio de gente doida por futebol e uma delas - além de mim - também foi a Montevidéu.
Ela visitou mais estádios que eu, provavelmente porque viajou para o Uruguai bem informada e, certamente, porque possui mais destreza para se deslocar pela cidade sem se perder o tempo todo, como ocorre comigo.

Falo especificamente da minha colega Marina Matos que além de ser uma mulher que ama demais futebol, também é pesquisadora desse esporte, integrante do GEFuT, da UFMG.

Em breve também vou postar a visita que Marina fez a outros estádios no Uruguai. Por enquanto fiquemos com seu relato  sobre Wanderers x Danúbio, jogo que aconteceu no estádio Alfredo Viera, aquele mesmo que a Caravana visitou, mas que vazio.


Estádio Parque Alfredo Victor Viera
Capacidade: 8 mil pessoas


Finalmente, depois de passar por uns 3 estádios, chegava a hora do primeiro jogo do dia: Montevideo Wanderers x Danúbio.
Um sol de fritar miolos que me rendeu um daqueles bronzeados inteligentes em formato de camisa de manga três quartos.
A essa altura do tour pelos estádios eu já havia decorado a fórmula de algumas canções que se repetem na maioria das torcidas uruguaias e argentinas (embora não ouse cantá-las). Mas fui surpreendida por um “Mamá yo quiero ganhar ♪♫” - uma versão para “canchas” da marchinha Mamãe Eu Quero.
Enquanto o jogo da equipe profissional do Wonderers rolava em campo, atrás da arquibancada alguns pequenos “hinchas” Bohemios viviam outras experiências com a bola rolando. Curiosamente (ou nem tanto...), somente meninos. No mesmo estádio, durante a mesma partida, as Leonas Bohemias vendiam canecas e bottons para arrecadar dinheiro para o próximo campeonato feminino. Fragmentos de construção de gênero que se repetem aqui e ali.
Enfim, mais uma experiência legal de um zero a zero insosso dentro de campo temperado com provocações nas arquibancadas.


Estádio Alfredo Viera. Foto Marina Matos

Estádio Alfredo Viera. Foto Marina Matos

Estádio Alfredo Viera. Foto Marina Matos

Estádio Alfredo Viera. Foto Marina Matos

Estádio Alfredo Viera. Foto Marina Matos

Estádio Alfredo Viera. Foto Marina Matos

Estádio Alfredo Viera. Foto Marina Matos

Estádio Alfredo Viera. Foto Marina Matos

Estádio Alfredo Viera. Foto Marina Matos

Estádio Alfredo Viera. Foto Marina Matos

Estádio Alfredo Viera. Foto Marina Matos

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Os donos do Estádio: Parque Alfredo Víctor Viera, Montevideo Wanderers


No meu penúltimo dia visita a Montevidéu fui em busca de estádios. Era uma quinta-feira e, portanto, sabia dos sérios riscos que corria de apenas observar os estádios por fora, sem sequer entrar em suas dependências.


Mesmo assim valia à pena tentar. 


Jamais imaginaria que as portas dos estádios e dos clubes se abririam cordialmente para mim e até com certa facilidade, bastando um toque de campainha ou um simples "buenas tardes".


Se eu tivesse melhor senso de localização e me perdesse menos, teria visitado mais estádios. Porém, fico feliz com o que consegui porque não foi pouco. Aliás, foi um baita upgrade no meu currículo futebolístico, afinal estive em dois estádios incríveis, sendo que em um deles consegui a total consagração que é pisar o gramado.

Começo pelo estádio onde apenas circulei pelas arquibancadas e arredores de um clube charmosíssimo, oficialmente fundado em 1902 e que foi o primeiro a levantar uma taça de campeão no Estádio Centenário, em 1931.

E por sinal essa foi sua última conquista. 

Estou falando do Montevideo  Wanderers Fútbol Club ou Los Bohemios, como também são conhecidos.


Montevideo  Wanderers Fútbol Club

113 anos de história futebolística é uma marca incrível. Mas a história do Wanderers se relaciona a tempos mais remotos ainda, já que seu nascimento tem conexão direta com o Albion, o clube mais antigo do Uruguai, fundado em 1 de junho de 1891. 

Alguns jogadores do Albion, liderados pelos irmãos Juan e Enrique Sardeson, insatisfeitos como o clube, resolveram fundar outro. 

Os Saderson integraram o time que representou o Uruguai contra a Argentina, naquele que é considerado, por alguns, como o primeiro enfrentamento entre seleções na América Latina. O Uruguai foi composto quase que completamente por jogadores do Albion, o que mostra sua importância na história do futebol uruguaio

Em pé Enrique Sardeson e sentado Juan Sardeson. Dia 16 de maio de 1902. 

Meses depois desse jogo, dia 15 de agosto de 1902, os Sarderson fundaram o Montevideo Wanderers Fútbol Club cujo nome é inspirado no Wolverhampton Wanderers time que os irmãos conheceram quando visitaram a Inglaterra. 

Fonte:http://www.historicalkits.co.uk/Wolverhampton_Wanderers/Wolverhampton_Wanderers.htm

As cores dos uniformes do Wolverhampton Wanderers não serviram de inspiração para o clube de Montevidéu que desde 1903 adotou as listras pretas verticais sob fundo branco, em homenagem ao Club Atlético Estudiantes, da vizinha Argentina, também conhecido como Estudiantes de Caseros


                                           Estudiantes de Caseros. Fonte: http://mividaporestudiantes.blogspot.com.br/2009/10/resena-historica.html


              
Fonte: http://umgrandeescudeiro.blogspot.com.br/2012/10/argentina-primera-b-metropolitana-201213.html

Com as cores preto e branco, o Wanderers traçou sua história no futebol uruguaio que teve como um de seus principais momentos a conquista do Campeonato de 1931.


Wanderers 1931, campeonato uruguaio, ainda no regime amador. Fonte: http://www.ovaciondigital.com.uy/futbol/bohemio-sensacional.html


Importantes nomes passaram pelo Wanderers entre os quais destaca-se Obdulio Varela, o capitão da seleção Uruguaia, em 1950, e Enzo Francescolli jogador que eu, particularmente, adorava ver jogar pela Celeste. Francescolli foi revelado pelo Wanderers e esse foi o único clube uruguaio no qual atuou:


Fonte: http://imortaisdofutebol.com/2012/05/12/craque-imortal-francescoli/

Em 2014, o Wanderers esteve perto de conquistar o campeonato uruguaio, ao vencer o Apertura e disputar a final com o Danúbio. Mas... os boêmios perderam. 

Uma pena.



Parque Alfredo Víctor Viera

Minha viagem não teve um planejamento necessário para que eu pudesse ter um melhor aproveitamento da vida futebolística do Uruguai. 

Poderia ter feito um estudo mais profundo sobre os estádios no Uruguai, mapeá-los de modo a poder visitá-los em um maior número possível. 

Mas não fiz isso por uma série de motivos que nem vale a pena mencionar aqui.

Porém, independentemente de qualquer planejamento, desde cedo sabia que um desses estádios seria o do Wanderers, localizado no bairro do Prado.

Munida de um mapa e de um péssimo portunhol peguei um ônibus que me deixasse no bairro Prado e após algum tempo consegui chegar lá. O Prado é um pouco afastado do centro da cidade, mas de fácil acesso, não faltando ônibus que passe por lá. 

A prioridade era encontrar o estádio do Wanderers, o que consegui após uma caminhada de 10 minutos, depois de saltar do segundo ônibus que havia pego, já que no primeiro eu perdi o ponto.

O bairro é basicamente residencial e muito arborizado, onde se localiza o Jardim Botânico assim como o Rosedal onde há cerca de 12 mil roseiras. 

Não vi nenhum desses lugares.

Caminhei pelas ruas um tanto vazias perguntando a quem encontrasse, onde ficava o estádio do Wanderers. Não é fácil andar por onde não se conhece, mas sempre encontramos um conforto:







Até que cheguei onde queria 





Então, fui percorrendo o estádio, do lado de fora, e me deparei com as arquibancadas que à primeira vista pareciam ser de madeira. O estádio tem um aspecto frágil, antigo e me pareceu difícil imaginar que ali jogos ainda fossem realizados. 

E são. Muitos jogos do Wanderers pelo Campeonato Uruguaio ocorrem em seu estádio que tem capacidade para 7000 torcedores. Capacidade pequena, mas a torcida do time não é grande e, provavelmente, não conseguiria ocupar o estádio inteiro.







À primeira vista, as arquibancadas pareciam de madeira, como estruturas montadas para serem provisórias. Puro engano. O estádio do Wanderers foi aberto ao público, em 1933, e embora não possa afirmar se na época ele já possuía essa mesma estrutura de hoje, suas arquibancadas são de cimento, o que me parece ser um tipo de material cujo uso indica pretensão de durabilidade.

E o estádio está lá, resistindo ao tempo e as dificuldades do futebol uruguaio que há alguns anos não poupa nem mesmo os poderosos Nacional e Peñarol da crise. 

Imagina times como o Wanderers, tradicionais no que se refere ao fato de ter 113 anos, mas que há mais de sete décadas não conquista um título de campeão uruguaio da primeira divisão. Não deve ser fácil.

Mesmo assim o clube se mantém, na medida do possível 

E tive a impressão de que os torcedores ajudam a preservar o Wanderers de pé. 






















Essa homenagem é para Maxi Olivera, capitão do Wanderers, camisa 13.







Vagabundos é como a torcida do Wanderers costuma ser conhecida, em alusão à tradução do nome do clube. Não tive a oportunidade de conhecê-los em um jogo, mas espero que um dia consiga essa proeza.

Mesmo estando ausentes e mesmo do lado de fora do estádio,  a presença dos vagabundos é bastante marcante. Isso me deu a certeza de que aquele estádio de aparência frágil e antiga, tinha vida futebolística forte. 

O Parque Alfredo Viera me pareceu um lugar do qual a torcida se havia apoderado, deixando claras suas marcas do lado de fora, o que achei particularmente fascinante. 

É certo que muitos podem achar que é descuido, deixar à vista de todos, diversas marcas que vão desde belos grafites, saudações a jogadores, xingamentos aos adversários e o escudo do clube.

Eu interpretei tudo isso como sinal de que o estádio Alfredo Viera pertencia aos torcedores do Wanderers que como gatos demarcaram seu território. 





O ESTÁDIO POR DENTRO

Toda vez que avistava uma brecha eu olhava e tentava ver como era o estádio por dentro. Tentava tirar foto e ver se havia algum modo de entrar, meio que sorrateiramente.

Pensei então na possibilidade de bater a porta do estádio e pedir a gentileza de me deixarem entrar, rapidamente, somente para conhecer as dependências. Imaginei que o fato de ser estrangeira me ajudaria nessa missão.


Andei, andei, andei e não encontrava viva alma por perto. Fiquei preocupada de o clube estar vazio. Foi então que vi um interfone meio escondido ao lado de um grande portão de madeira.

Respirei fundo e apertei o botão.

Ouvi uma voz e não pude entender exatamente o que me dizia, mas imediatamente respondi, em Português mesmo, que eu queria muito visitar o estádio.

Só ouvi o barulho do portão se abrindo.....




Entrei e fui recebida por simpático moço chamado Alejandro que parecia desempenhar funções diversas no clube, entre as quais abrir o portão.

Me apresentei como brasileira apaixonada por futebol e que queria muito conhecer o Wanderers. Cordialmente Alejandro me deixou à vontade para percorrer as arquibancadas do estádio. 

Os jogadores haviam acabado de treinar e alguns pegavam suas roupas penduradas em um varal que se esticava próximo a uma das arquibancadas. Outros já estavam prontos para ir embora.

Dois cachorros latiam sem parar, provavelmente estranhando minha presença. Lati um pouco pra eles também e fui desbravar o Parque Alfredo Victor Viera.



Do estádio pouco soube de sua história. Não encontrei fotos da inauguração, nem mesmo no site oficial do clube Wanderers. Mas encontrei algo inusitado: um código de conduta disponibilizado pelo clube que contém uma série de regras a serem cumpridas pelos frequentadores do estádio.

Achei curioso porque o estádio me pareceu tão pouco formal, a começar pelo fato de me deixar entrar sem sequer pedir identificação. Além disso, não encontrei documento parecido para o Centenário e nem o Gran Parque Central, do Nacional.

O código é para dias de jogo e pelo que pude perceber trata-se, sobretudo, de uma preocupação com possíveis punições vinda da AUF em caso de incidentes. 

O documento pode ser acessado no site do Wanderers (http://mwfc.com.uy/wp-content/uploads/codigo_conducta.pdf) mas adianto algumas de suas recomendações,  que me chamaram atenção, especificamente, as que se referem aos objetos proibidos:


e) Lienzos, pancartas, banderas, símbolos o leyendas que inciten a la violencia, a la xenofobia o con expresiones injuriosas, políticas, religiosas, o que por su tamaño obstaculicen la visibilidad del espectáculo del público asistente, o dificulten el control de la seguridad del espectáculo de fútbol profesional.

f) Astas o mástiles de banderas de madera, metal, o plástico, paraguas con puntas metálicas y punzantes. 

g) Bebidas alcohólicas, drogas o cualquier otra sustancia psicotrópica, estupefaciente, estimulantes, o similares.

 h) Punteros láser o similares.

 i) Rollos de papel, papel picado, o similares

(http://mwfc.com.uy/wp-content/uploads/codigo_conducta.pdf)

O item e) me parece interessante já que mostra preocupação com manifestações preconceituosas, um problema com o qual todos devemos nos preocupar, afinal estou cansada de ouvir por aí que nos estádios tudo é permitido. Pensar assim é pressupor que o futebol está à parte da sociedade, o que seria um imenso equívoco. 

Por outro lado me preocupa itens como o i) em que se proíbe o uso de objetos que considero parte importante da festividade torcedora e que não consigo imaginá-los como passíveis de por em risco a segurança alheia. Para mim trata-se de um excesso de controle do torcer.


Mas voltando ao estádio ...



















Essa placa mostra a importância dos sócios para o clube que, como já disse, tem torcida pequena, Em 2015, houve um reforço na campanha para aumentar o número de associados do clube, nela o torcedor que conseguisse atrair novos sócios ganharia prêmios variados de acordo com o seu desempenho


Fonte: http://www.elgraficochile.cl/la-novedosa-campana-de-club-uruguayo-para-captar-socios/prontus_elgrafico/2015-09-03/174737.html


Achei ótima a ideia de ceder o nome do estádio a quem conseguisse levar mais sócios para o Wanderers. Se eu fosse torcedora faria o possível para conseguir essa marca e alguns já conseguiram

Fonte: https://mwfc.com.uy/











Um símbolo do clube




E eu debaixo das arquibancadas...



Fim de visita. 

Agora é esperar a oportunidade de voltar em dia de jogo.