segunda-feira, 15 de junho de 2015

No dia de Santo Antonio, teve São Cristóvão em campo: Portuguesa x São Cristóvão




Sábado, dia 13 de junho, acordei e agradeci a Santo Antônio por tudo, principalmente pelo meu casamento.

Sim, meu casamento fez aniversário, justamente no dia de Santo Antonio. E olha que não fiz promessa alguma.

Como, então, comemorar uma longa união?

Dando presentes, indo a lugares especiais, fazendo um passeio ou uma viagem, jantando fora, bebericando, etc etc

Fizemos tudo isso. Graças ao futebol.

Fomos a Ilha do Governador, assistir a Portuguesa X São Cristóvão, um clássico entre dois tradicionais clubes cariocas em um lugar que considero muito especial: o estádio Luso Brasileiro

Isso me parece um baita presente.

Chegar a Ilha do Governador demanda uma logística especial, o que inclui algo que poderíamos chamar de passeio – ou mesmo uma viagem - pela cidade do Rio.

Ao final do dia, tivemos um ótimo jantar no charmoso Ponta Pé Beach.

Enfim, só mesmo o futebol pode nos proporcionar coisas desse tipo.

Obrigada, futebol. 

Já estive no estádio da Portuguesa, algumas vezes, uma das quais para ver futebol americano em sua versão masculina e outra em sua versão feminina. Também já relatei em posts passados um pouco da história da Portuguesa e de seu estádio.

Chegou a hora de me concentrar no São Cristóvão que simplesmente, em outubro deste ano, completará 117 anos. 

É uma grande honra ter assistido a um jogo de uma instituição tão tradicional e que continua atuando e se mantendo vivo mesmo com todas as dificuldades que cercam os  clubes que estão fora do circuito privilegiado do futebol brasileiro.

Depois de  dois anos na série C, o São Cristóvão voltou a disputar a série B e nela permanecerá, o que é uma boa notícia, já que possibilita que no próximo ano a série A continue mais próxima.

Desde o primeiro campeonato do Rio de Janeiro, realizado em 1906, (ASSAF/MARTINS/2010), apenas oito clubes foram campões: Fluminense, Flamengo, Vasco, Botafogo, América (7), Bangu (2), Paissandu (1) e São Cristóvão (1). 

Como dá para perceber o território futebolístico é feito para poucos.

E um desses poucos é o São Cristóvão.

O São Cristóvão, desde quando começou a participar do campeonato carioca, em 1910, nunca deixou de disputá-lo, independentemente da divisão (QUADROS, 2004, 11).

Para muitas pessoas isso pode parecer pouco, mas em se considerando que o mundo do futebol é muito excludente, há de se valorizar a trajetória do São Cristóvão, clube que é parte importante da história do futebol brasileiro.

Há de se celebrar sua força de resistência e superação em tempos difíceis. Há também de se torcer também para que dias melhores cheguem. 

No dia 13 de junho de 2015, eu particularmente comemorei aniversário de casamento, dia de Santo Antônio e o dia em que meu muralzinho de futebol ficou mais completo:




SÃO CRISTÓVÃO, O CLUBE, O ESTÁDIO 

Olhando o bairro de São Cristóvão hoje em dia é difícil imaginá-lo como lugar onde pudesse nascer clubes de remo, mas no final do século XIX, São Cristóvão era bem diferente.

Para se ter uma ideia até o final do século XIX, o mar da baía de Guanabara chegava até a Igreja Matriz do bairro:

Foto Augusto Malta Malta, Igreja Matriz de São Cristóvão. (Fonte: https://frags.wiki/index.php?title=Igreja_de_S%C3%A3o_Crist%C3%B3v%C3%A3o)


Bem diferente de como a vimos hoje:
Fonte: https://frags.wiki/index.php?title=Igreja_de_S%C3%A3o_Crist%C3%B3v%C3%A3o
É importante, também, lembrar que antes do futebol, o remo era o esporte mais popular do Rio, o que justifica, por exemplo, o fato de, excetuando-se o Fluminense – todos os quatro principais clubes do Rio terem nascido como clubes de Regatas.


Não foi diferente com o São Cristóvão cuja genealogia tentarei esquematizar no mapa abaixo tendo como base as informações contidas no livro Chuva de Glorias. A Trajetória do São Cristóvão de futebol e Regatas, de Raymundo Quadros,



Finalmente: 


Fonte: http://escudosdomundointeiro.blogspot.com.br/2011/02/sao-cristovao-de-futebol-e-regatas-rio.html


Esse escudo tem um detalhe muito interessante: a cor rosa que lhe contorna.

Poucos sabem de onde vem essa cor. Eu mesma não sabia.

Essa cor faz referência ao Grupo de Regatas Cajuense - que está lá no mapa da genealogia do São Cristóvão - que adotou o rosa em homenagem a Marie Françoise Therese Martin – que futuramente se tornaria Santa Tereza do Menino Jesus. 


              Santa Tereza do Menino Jesus, conhecida também como a Santa das Rosas. Fonte:http://www.cruzterrasanta.com.br/historia/santa-terezinha

Therèse, ou melhor, Tereza, foi uma jovem que já aos 14 anos conseguiu autorização do Papa Leão XIII para ingressar na ordem das Carmelitas descalças, do Carmelo de Lisieux, na França, adotando o nome de Thérèse de I’Enfant Jesus (Tereza do Menino Jesus).


Tereza do Menino Jesus era muito popular na Europa tendo alguns de seus manuscritos publicados ainda em vida e lidos por milhares de pessoas no século XIX.

Tereza tinha como costume jogar pétalas de rosa ao ver passar o Santíssimo Sacramento no ostensório, e também jogar rosas sobre o grande crucifixo localizado no jardim do Carmelo. Pouco antes de morrer, aos 24 anos, em 1897, Tereza teria dito que faria chover, uma chuva de rosas sobre o mundo (http://www.cruzterrasanta.com.br/historia/santa-terezinha)

Sua morte provocou uma comoção na Europa cujos ecos chegaram ao Brasil. Em homenagem a Tereza, o Grupo de Regatas Cajuense adotou o rosa em suas cores.

 
Fonte: http://escudosdomundointeiro.blogspot.com.br/2011/02/sao-cristovao-de-futebol-e-regatas-rio.html


 A trajetória do escudo do São Cristóvão é a seguinte:

Fonte: http://cacellain.com.br/blog/?p=53081



 O ESTÁDIO E O TÍTULO DE 1926


Poucos clubes têm estádios. Embora fechado para o público, o São Cristóvão possui um. 

O Figueira de Melo (nome da rua no qual está localizado) pode ser considerado um patrimônio histórico da cidade do Rio de Janeiro, sendo parte componente de sua paisagem urbanística desde 1916, ano de sua inauguração. 

Hoje o estádio pode ser avistado de cima da linha vermelha de onde podemos ver as cadeiras do Maracanã e a frase "Aqui nasceu o fenômeno", em referência ao fato de o jogado Ronaldo ter atuado nas categorias de base do clube:


Fonte: http://reliquiasdofutebol.blogspot.com.br/2014/08/2012.html

Estive lá recentemente para entrevistar a Gerente de Futebol, Silvani Maria (em breve publicarei essa entrevista), e pude entrar no estádio durante um treino das equipes infantis do Vasco da Gama. 



A linha vermelha, ao fundo.


A frase é em referência a Ronaldo, o fenômeno que surgiu nas categorias de base do clube

Entrada da sede de Figueira de Melo



No mural do clube, a foto da visita de Ronaldo



O estádio hoje lembra pouco o que ele já foi um dia, especialmente antes do desabamento das arquibancadas de madeira ocorrido em 1943.


Fonte: http://cacellain.com.br/blog/?p=68035


Fonte: http://cacellain.com.br/blog/?p=68035


 A inauguração que ocorreu em jogo contra o Santos, de São Paulo, foi assim noticiada por Careta, uma das principais Revistas do país:


Careta, p. 20, 29/04/1916


Careta, p. 20, 29/04/1916



Em 1943 um acidente nas arquibancadas de madeira interditou o estádio que reabriu em 1946, em partida comemorativa realizada contra o Vasco da Gama:




Jornal dos Sports30 de junho de 1946


Após o acidente as charmosas arquibancadas de madeira foram derrubadas e outras de cimento construídas.


O TÍTULO DE 1926


Entre a inauguração do estádio Figueira de Melo, em 1916, e sua reinauguração em 1946, o São Cristóvão foi  campeão carioca de 1926, feito que é detalhado no livro  São Cristóvão: Memórias Da Conquista (80 Anos Do Título) de Gustavo Côrtes e Raymundo Quadros.

O último jogo de uma campanha de 18 jogos, com apenas duas derrotas e dois empates, foi realizado contra o Flamengo, no campo da Rua Payssandu. O São Cristóvão venceu o Rubro negro por 5 X 1.

O título foi noticiado pelo Correio da Manhã, um dos mais principais jornais da época. 


Correio da Manhã23 de novembro de 1926



Notem que a notícia é dada de modo tímido, mas se trata de um tipo de manchete muito comum num período em que o futebol estava longe de ser tratado como o é hoje em dia.

Como já foi dito, São Cristóvão, junto com América e Payssandu, é um dos únicos campeões cariocas da história desse campeonato que estão fora do quadrado Vasco, Flamengo, Fluminense e Botafogo.

Após a conquista, a trajetória São Cristóvão foi de subidas e descidas em nível estadual e de pouca participação em campeonatos de nível nacional. 


O retorno à segunda divisão do campeonato carioca foi importante para o clube já que significa uma maior atenção da imprensa - mesmo que pouca - assim como encurta o caminho para a série A.

O time fez uma campanha razoável na série B, o suficiente para se manter nessa divisão. Impossibilitado de usar o estádio, o clube mandou a maioria de seus jogos no estádio do Olaria, na rua Bariri. 

Alguns jogos de seu mando foram realizados no estádio da Portuguesa, mesmo estádio onde a Caravana esteve no sábado dia 13, sendo que desta vez o mando era da equipe da Ilha do Governador.

É bacana lembrar que na Ilha do Governador fica a sede Náutica do Clube São Cristóvão, fato que eu desconhecia por pura ignorância. Fiquei sabendo por intermédio da Silvani, durante a entrevista que ela me concedeu.

Para quem quiser saber mais sobre essa sede tem uma produção do Laércio Becker intitulada São Cristóvão de Futebol e Regatas. Fotografias tiradas por Laércio Becker disponível para download no endereço: 
http://www.webartigos.com/_resources/files/_modules/article/article_83276_201312021313321fdb.pdf

O JOGO, A TORCIDA


Pela primeira vez fui ao estádio da Portuguesa de transporte público. O conjunto de bairros denominado Ilha do Governador, já indica se tratar de um lugar que tem poucas formas de acesso: carros, ônibus e barca.

Aparentemente as barcas soam como o transporte perfeito, mas dependendo do local para onde se vá (a Ilha é formada por 14 bairros ao longo de mais de 30 km2), talvez não seja o melhor meio. 

Esse é o caso do estádio Luso brasileiro.

Pode-se ir de carro ou de ônibus sabendo que haverá somente a estrada do Galeão como modo de se entrar na Ilha, chegando nessa estrada seja via Avenida Brasil ou Linha Vermelha.

Em dias de semana, o trânsito costuma ser infernal, ainda mais com as diversas obras que estão sendo feitas no Rio de Janeiro.

Em finais de semana, a oferta de barcas cai, a quantidade de ônibus também diminui, mas pelo menos as vias de acesso estão mais livres. 

A Portuguesa se localiza na região central da Ilha do Governador, mais especificamente no bairro chamado homônimo, Portuguesa, o que torna seu acesso muito facilitado, já que praticamente todas as linhas de ônibus que cortam a ilha, passam pelo bairro Portuguesa. 

O jogo estava marcado para às 15h. 

De Vila Isabel fomos para o centro da cidade, onde pegamos um ônibus para a Ilha (há vários para diversas partes da ilha). Atravessamos parte da Avenida Brasil, levando cerca de uma hora para completar todo o trajeto.

Chegando próximo ao clube, paramos para descansar. Há um quiosquinho bem agradável para socializar ante e depois do jogo bem em frente ao clube:




Ai a torcida se concentra, os mais antigos e os mais novos















Dentro do estádio...







A agitada e criativa torcida da Portuguesa teve fôlego para cantar o jogo inteiro músicas de incentivo ao time, ao estilo das torcidas de alento do Rio e São Paulo.




A torcida Brava Raça me fez lembrar a torcida Setor 2 do Juventus da Mooca, em São Paulo, sobre a qual já comentei aqui.

Essa associação se tornou mais forte na minha cabeça devido a relação com a localidade que aparece constantemente nos cânticos da torcida, assim como a referência a colônia portuguesa.

Além disso a referência ao "ódio ao futebol moderno" fortaleceu ainda mais a lembrança da Setor 2:



Além deles, tinha outros tipos de torcedor, porque os estádios tem - ou deveria ter - espaço para todos os gostos e estilos de torcer




Os mais diversos tipos mesmo, até aqueles que cochilam 



Ou que aproveitam para ler




Gente de todas as idades, em pé, sentados.... irritados ou calmos



E gente como eu, de olho no jogo, mas tentando captar com a câmera imagens e a mesmo tempo observar o jogo, o mais próximo que for possível.





 A portuguesa venceu o jogo por 2 a 1 e garantiu a liderança de seu grupo. O time que foi campeão da Taça Santos Drummond, seguiu para a fase final da Taça Corcovado. 

A Portuguesa tem um bom time, combativo e que joga para vencer os jogos, o que se faz notar em sua ótima campanha. 


O São Cristóvão embora tenha perdido o jogo, manteve-se na Série B e ano que vem esperamos vê-lo disputando vaga para a Série A que não disputa desde 1995.

No lado de dentro do clube, preparativos para a festa junina.





Do lado de fora, de volta ao quiosque e mais futebol




Mas tínhamos que correr na direção do jantar comemorativo de casamento. 

E deu tudo certo ao final:




UM BREVE PROTESTO

Antes de terminar, ainda cabe um protesto.

Notem o que vai acontecer ao final do jogo Portuguesa x São Cristóvão:








Voltando a um dos meus assuntos preferidos, antes de terminar preciso deixar uma nota de protesto contra uma tendência que se faz notar, especialmente, nas chamadas arenas, e que infelizmente se alastra para outros estádios.  Estou me referindo ao hábito de se tocar músicas nas caixas de som, no intervalo e logo após o fim do jogo. 

O som alta abafa quase que completamente o som que vem da torcida. 

O som da torcida não deve ser substituído por músicas porque podemos ouvir músicas no rádio, no celular e inclusive escolhendo-a de acordo com nosso gosto pessoal.

Estádios de futebol são espaços onde a torcida pode fazer ecoar seus cânticos em louvor de seus times. Trata-se de local único, portanto.



Referências

ASSAF, Roberto. MARTINS, Clovis. História dos campeonatos carioca de futebol. 1906/2010. Rio de Janeiro: Maquinária, 2010.

MELLO, Victor Andrade de. Mulheres em movimento: a presença feminina nos primórdios do esporte na cidade do Rio de Janeiro (até 1910). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, nº 54, p. 127-152 - 2007 (disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01882007000200008&script=sci_arttext)

QUADROS, Raymundo, Chuva de glórias. A trajetória do São Cristóvao de futebol e Regatas. Campinas/SP: Pontes Livros, 2004.

REZENDE, José/QUADROS, Raymundo. Vai dar zebra. Edição do autor.














sexta-feira, 12 de junho de 2015

CONSUMIDORES DE FUTEBOL OU CONSUMIDOS PELOS FUTEBOL?. SÃO GONÇALO X GOYTACAZ EM BANGU




Em plena tarde de terça-feira de uma semana quente no Rio de Janeiro, a Caravana rumou para Bangu.
Uns podem achar vagabundice.
Outros acham loucura.
Mas creiam, foi pesquisa, trabalho e obviamente uma ponta de fanatismo futebolístico.
Além disso, tratou-se de uma ótima oportunidade de assistir a dois times de fora do município carioca, sem precisar enfrentar longas viagens. Afinal, o jogo  Gonçalense e Goytacaz foi realizado no estádio Moça Bonita, em Bangu.

Foi uma  Caravana muito produtiva em termos acadêmicos e humanos. Consegui encontrar gente tão doida quanto eu por futebol. Entrevistei o Rennan Rebello do curso de Geografia da UERJ - São Gonçalo, e que está fazendo uma monografia que tem como tema central o estádio do Gonçalense.
Rennan há algum tempo filma todos os jogos desse time, acompanhando nos mais remotos lugares do Rio de Janeiro, já tendo visitado estádios aos quais a Caravana sonha em chegar um dia.
Aprendi um pouquinho do muito que ele sabe sobre futebol, já que  vivencia esse universo de modo bastante intenso, especialmente tudo que diz respeito ao Gonçalense.
Rennan se autodenominou "consumidor de futebol" categoria analítica que estende a outros que como ele ama consumir futebol em sua totalidade, seja de primeira, segunda, do Brasil ou de fora.
Quando o jogo acabou, voltei para a casa me perguntando se eu era uma "consumidora de futebol".
Inicialmente penso que sim.
Mas daí surgiu uma outra pergunta: será que eu também não seria "consumida pela futebol"?
Não apenas eu, mas tantas outras pessoas que quando caminham têm o futebol um horizonte constante.
Somos consumidores ou consumidos pelo futebol?

O PSG DA ROÇA. GONÇALENSE, PERIFERIA,  TRADIÇÃO E MODERNIDADE 

O clube Gonçalense é um bebê, sobretudo se comparado ao seu adversário Goytacaz que está perto de completar 113 anos, no próximo mês de agosto.
Fundado em 2013, o Gonçalense conseguiu uma rápida ascensão, pois já em sua estreia na terceira divisão do campeonato Carioca, conquistou a taça de campeão subindo para a segundona, onde tem feito uma ótima campanha na Taça Corcovado.
O clube tem como presidente Joacir Thomaz de Oliveira, empresário do ramo da construção, que também já presidiu o São Gonçalo Futebol Clube, outro clube da região. 
Em 2013, Joacir comprou o Tanguá Esporte e Cultura, fundado em 2006, e que havia participado do Campeonato da série C nos anos de 2008 e 2012.

O clube foi rebatizado passando a se chamar Gonçalense Futebol Clube, conhecido como o tricolor metropolitano
Por adotar as mesmas cores do PSG da França, o Gonlaçense costuma ser chamado de PSG da roça, o que às vezes é usado de modo pejorativo pelos rivais, mas que muitas vezes é incorporado como símbolo identitário pelos torcedores

Os planos do presidente Joacir são grandes, o que inclui a construção de um estádio localizado em Jardim Catarina, o maior e um dos mais carentes bairros de São Gonçalo.  O estádio já tem nome: Cantídio Oliveira de Thomaz, apelidado de Catarinão.


As obras foram iniciadas em 2013 e no momento estão paradas, enquanto algumas questões burocráticas são resolvidas junto ao Município, mas segundo me disse o próprio Joacir, assim que essas questões forem resolvidas, a construção do estádio voltará a todo vapor. 

Sim.  Tive uma breve conversa com o presidente do Gonçalense que assistiu ao jogo das arquibancadas de Moça Bonita. Fui apresentada a ele por Rennan, e durante a rápida conversa soube de sua longa relação com o futebol, que se ficou mais forte quando seu filho se tornou jogador profissional

Hoje seu filho é Thiago Pinto Thomaz que hoje é o vice-presidente do Gonçalense. 

Segundo Joacir, a fundação do Gonçalense objetiva dar a São Gonçalo um clube capaz de representar o município, contribuindo, também, para o desenvolvimento do futebol local, ao proporcionar mais um espaço para a revelação, formação e atuação de jogadores nascidos na região. 

O Gonçalense segue o mesmo caminho trilhado por diversos clubes na história do futebol mundial, muitos dos quais nascidos para representar uma localidade, seja uma fábrica, um bairro, uma cidade etc. 

Sobretudo, a partir do discurso de seu presidente, nota-se que os projetos em torno do Gonçalense partem da concepção de um clube pensado enquanto uma entidade fortemente relacionada a  identidade de uma comunidade. 

Essa comunidade é São Gonçalo, que tem 1.031.903 de habitantes segundo dados do IBGE de 2014. Sem contar as capitais, São Gonçalo ocupa a terceira posição entre os 25 municípios mais populosos do país, ficando atrás apenas de Garulhos (SP) e Campinas (SP).

(Fonte: 
http://saladeimprensa.ibge.gov.br/pt/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=2704)


A adesão clubística é algo complexo e demanda tempo, estando longe de ser um fenômeno que possamos compreender como "natural". Trata-se de um processo, por vezes, longo e que se relaciona a investimentos concretos e simbólicos que não necessariamente terão como resultado final a construção de um público torcedor.


A construção desse público, partindo da relação entre o clube e o município de São Gonçalo, me parece parte importante do projeto Gonçalense, o que se faz notar na frase "orgulho de ser Gonçalense", adjetivo que denomina tanto o indivíduo que nasce em São Gonçalo, quanto ao próprio clube.

Esta frase estampa o ônibus que leva a equipe:




IDENTIDADE E PERIFERIA  

De acordo com dados do IBGE de 2013, São Gonçalo é um dos municípios com maior índice de pobreza no Estado do Rio de Janeiro, o que, segundo o presidente Joacir, é fator que reforça a justificativa da necessidade de um clube de futebol que represente uma região carente e que no imaginário da cidade relaciona-se frequentemente à violência e pobreza.

Como já disse, as pretensões do Gonçalense são altas, tendo como ponto forte o estádio Cantídio assim como o projeto de construção da Arena Catavento, para 40 mil pessoas.

Enquanto o estádio está sendo erguido, a Arena ainda é um projeto, que embora esteja longe de ser concretizado configura como uma promessa futura que movimenta expectativas em torno do clube:



Estádio Catarinão, em construção e que já recebe jogos dos juniores do Gonçalense (Fonte: http://www.futebolgoncalense.com/2015/03/na-serie-b-de-juniores-goncalense.html)


Esse é o projeto da Arena Catavento que tem previsão de inauguração para 2017. 

Tanto o estádio quanto a Arena serão erguidos, em Jardim Catarina, o maior e um dos mais pobres bairros de São Gonçalo, município que já chegou a ser chamado de a "Manchester fluminense" por  Luiz Palmier médico e figura histórica do Município. 

Essa alcunha nasceu do fato de São Gonçalo ser um importante polo industrial no início da década de 1940, sofrendo, entretanto, um forte declínio na década de 1970. (1)


Especificamente no que se refere a Jardim Catarina que é o maior loteamento da América Latina, compostos por cerca de 46 hectares (2)


Os loteamentos começaram na década de 1950:




Fonte: http://amajac.org/historia.htm

A urbanização e o crescimento desordenados contribuíram para a configuração de um bairro carente, cuja infraestrutura ainda é precária, com pouca oferta de serviços básicos como, por exemplo, a coleta de lixo ou atendimento médico (3) 


Jardim Catarina costuma também ser associada às páginas policiais de jornais que destacam os casos de violência ligados ao bairro. Denise Cordeiro, em sua tese de Doutorado, Juventude nas sombras: Escola, trabalho e moradia Em territórios de precariedades, demonstrou que não necessariamente essas notícias refletem os índices oficiais de criminalidade, mas que conseguem provocar ações policiais efetivas e muitas vezes abruptas no cotidiano do bairro

São muitos os estereótipos negativos em torno dos moradores do bairro, em especial os jovens. Sair um pouco desse ciclo negativo de representação pode ser fator relevante na conquista de torcedores do Gonçalense, assim como provavelmente será fator relevante na configuração da sua identidade e de suas alteridades.

O clube, o estádio e a arena, podem inserir São Gonçalo e Jardim Catarina no mapa visível do Rio de Janeiro, o que terá seus bônus e seus ônus como foi o caso do Engenhão e do Itaquerão. Pode ser fator de orgulho ou de antipatia e resistência. Pode gerar lucros e prejuízos aos diversos atores envolvidos no processo. Isso somente o tempo poderá dizer (4)

Seja como for, a construção de um estádio, e sobretudo de uma arena - que hoje em dia é um dos ícones de modernidade - em uma periferia localizada dentro de outra periferia é fenômeno que pode render ótimas análises e pesquisas relativas não apenas ao futebol, mas a diversas dimensões da dinâmica urbana e social.

E alguns estádios e clubes têm de fato sua história colada ao dos bairros como é o caso do Bangu, Madureira, Olaria e, especialmente, o Juventus da Mooca, em São Paulo, que vimos em postagem anterior. 

É interessante analisar os significados atrelados a essas praças esportivas, assim como os modos pelos quais esses espaços serão apropriados pelos frequentadores dos estádios, moradores ou não de São Gonçalo. Este é mote que aliás move a dissertação de Rennan. 

Os estádios são arquiteturas importantes na trama urbana, podendo ser concebidos como "lugares de memória" no sentido de Pierre Nora, sendo espaços de lazer e sociabilidade a partir dos quais é possível trafegar pela história não apenas do futebol, mas dos bairros e cidades. 

O Gonçalense, seus futuros estádios e Arena têm um longo caminho a percorrer, iniciando na periferia em busca da modernidade, mas de olho na tradição.


O JOGO, AS TORCIDAS E O ESTÁDIO

Lá fui eu rumo a Bangu, estádio que felizmente já estive algumas vezes, sendo a última delas aqui descrita em um dos posts da Caravana.



minha foto

Moça Bonita continua charmosa e, dessa vez, recebeu dois times que vieram de longe para jogar uma partida em que ambas as equipes tinham chance de classificação para a fase final da Taça Corcovado. 

E eu estava com sorte nesse dia, porque assim que cheguei próximo ao estádio pude presenciar a torcida do Gonçalense descer dos ônibus alugados pela diretoria do clube. o que me deu a oportunidade de anotar algumas observações. 


A torcida foi escoltada por policias armados (o que particularmente acho absurdo), até a entrada no estádio. O policiamento foi grande, provavelmente um dos maiores que já presenciei em jogos que estão fora do circuito principal do futebol.














O policiamento estava fora e dentro do estádio e parecia preocupada com as manifestações da torcida não somente do Gonçalense, mas principalmente do Goytacaz. 

Ao que pude perceber a torcida do Goytacaz tem fama de problemática, vista como perigosa e violenta.

É possível que essa fama - como toda fama - tenha lá seu fundamento, mas é importante notar e salientar que ela por si só fundamenta o modo ríspido pelo qual muitos agrupamentos de torcedores são tratados pelo policiamento.

O que pude perceber foi algum excesso por parte do policiamento que fazia com que cada gesto, que compreendo como cabível em uma partida de futebol, fosse imediatamente rechaçado. 








Vários estudiosos em segurança (5) já têm demonstrado a constante ameaça aos direitos civis devido a atitudes, muitas vezes., arbitrárias do policiamento. 

Constantemente presencio torcedores sendo destratados, não exatamente porque tenham feito atitudes violentas, mas devido a imagem negativa que lhes gira em torno.

Foi o que aconteceu na terça, em Bangu. 


Então será que aquela torcida ali era tão perigosa assim....?


Fui do outro lado da arquibancada e lá encontrei torcedores que vieram de Campos em plena tarde de terça para acompanhar o azulão da rua do Gás

Seriam Bandidos?

Vagabundos?

Nada disso.

Se tivéssemos circulado pela orla de Ipanema e Copacabana, naquela mesma terça ensolarada, nos depararíamos com uma praia cheia de gente.

Mas creio que poucos se perguntariam se aquela pessoas eram desocupadas, bandidas ou qualquer denominação negativa.

Por que se pensa isso quando se está num estádio?

A resposta pra essa pergunta é longa... voltemos para Moça Bonita

Realmente eu estava em dia de sorte. Encontrei uma figuraça que honra as tradições futebolísticas de amor ao clube.

Ele se chama Sebastião Crespo Junior, filho do ex-jogador Sebastião Crespo, quarto zagueiro do Goytacaz, que conquistou o campeonato fluminense em 1940.

O rosto pai assim como o escudo do Goytacaz estão tatuados em seu corpo:







Como se diz por aí.. tem que respeitar!
 


UM POUCO DO JOGO


Vi parte do jogo já que precisava conciliar a partida com a oportunidade de entrevistar o Rennan, assim como precisava vagar um pouco pelas arquibancadas onde estavam os torcedores do Goyta.

A bandeira do Goytacaz na arquibancada. Foto minha.


Fiquei razoavelmente surpresa com a fraca atuação do Goytacaz que entrou em campo com 14 pontos, ocupando o segundo lugar do Grupo A, estando à frente do Gonçalense. Mas o time de Campos pouco se apresentou no ataque e na defesa mostrou-se desatento.




Já o Gonçalense com certa tranquilidade dominou a partida e venceu por 2 x 0, resultado que o manteve vivo na disputa por uma vaga na fase final da Taça Corcovado.





O entardecer em Moça Bonita .... Fim de jogo




no canto inferior direito, a torcida do Gonçalense cumprimentando os jogadores


Visivelmente desapontados, os torcedores do Goyta saem do estádio.




E eu também, parti em direção da saída





Do lado de fora, a praça Guilherme Silveira estava cheia de gente que aproveitada o fim da tarde para soltar pipa






OS CONSUMIDORES E OS CONSUMIDOS PELO FUTEBOL

 
É a segunda vez que assisto a um jogo do Gonçalense, o primeiro foi contra o tradicional São Cristóvão, na rua Bariri.

O que me impressiona nos jogos é atuação da torcida que se mostra numerosa, sobretudo se considerarmos que São Gonçalo não é aqui do lado. Além de numerosa é uma torcida agitada e festiva com cânticos inspirados nas torcidas de alento.

O vídeo abaixo, gravei na Bariri




Chama a atenção um clube tão novo, já possuir um agrupamento de torcedores que incentivam o time ao longo das partidas, incentivo que, muitas vezes, faz o ouvido dos adversários arderem.




Foto minha. Estádio do Olaria, São Cristóvão x Gonçalense

Os grupamentos torcedores desde a década de 60 são veículos de expressão coletiva, em especial, a juventude, não sem motivos temos diversas denominações de torcidas compostas pela palavra Jovem (6). É o que também se pode perceber na torcida do Gonçalense cujo nome é Torcida Jovem Gonçalense.


Foto minha. Estádio do Olaria, São Cristóvão x Gonçalense

Mais uma vez é interessante destacar a palavra Gonçalense, ao mesmo tempo adjetivo que indica local de nascimento e pertencimento, e também usado para indicar o nome do clube.

Foto minha. Estádio do Olaria, São Cristóvão x Gonçalense

O futebol é um esporte de massa, não, necessariamente, porque consiga juntar mais de 100 mil pessoas num mesmo espaço. Shows de rock também conseguem essa façanha.

Futebol é um esporte de massa porque ele é capaz de atrair um público grande ávido por consumi-lo em suas diferentes versões, profissional, espetacularizada, amadora, de várzea etc, etc. público este que pode transitar entre diferentes futebóis, para usar a expressão de Arlei Damo (7).  

Eu sinceramente não sei se outra modalidade esportiva consegue esse mesmo feito. 




ENTREVISTA COM RENNAN REBELLO,
PESQUISADOR E "PRODUTO DO FUTEBOL"

Fiz uma breve edição e dividi a entrevista em duas partes. A primeira destaca a pesquisa do Rennan, assim como alguns aspectos da sua história com o Gonçalense. 

Notem que ao fundo há barulho, torcida que xinga, treinador e jogadores que também gritam.... e há a narração de um incrível gol perdido








A segunda parte a conversa gira em torno do estádio, da torcida do Gonçalense e de brinde tem o primeiro gol do Gonçalense, parcialmente narrado e visualmente perdido




Até a próxima....



Notas (1) Sobre este aspecto ver: FERNANDES Marcelo Belarmino. São Gonçalo operário: cenários e personagens das lutas sociais no Município de São Gonçalo no segundo pós-guerra, 1945-1951. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2009/// MENDONÇA, Adalton da Motta. Transformações sócio-econômicas no eixo Niterói - Manilha em São Gonçalo/RJ. Tese de Doutorado. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, 2007.


(2) ANTUNES, Cordeiro, Denise Maria. Juventude nas sombras: escola, trabalho e moradia em territórios de precariedades. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, 2008.


(3) Idem, p. 65


(4) Sobre os impactos de um estádio nas regiões urbanas é válido ler a tese do meu amigo alemão:

CURI, Martin Christoph Espaços da Emoção: Arquitetura Futebolística, Torcida E Segurança Pública. Doutorado. Programa de pós-graduação em Antropologia Social, Universidade Federal Fluminense, 2012. 


(5) Indico a ótima coletânea de artigos intitulada Hooliganismo e Copa de 2014, organizada por Bernardo Buarque de Hollanda e pela professora Heloisa Baldy dos Reis.

(6) Se o assunto é torcida é importante recorrer a Luiz Henrique de Toledo, particularmente usei o texto "A invenção do torcedor" .  E se o assunto é torcidas jovens do Rio a referência é Rosana da Câmara e seu livro Os perigos da paixão.
(7) DAMO, Arlei Sander. Do dom à profissão.