sexta-feira, 21 de junho de 2013

ESPANHA X TAITI: MANIFESTAÇÕES; TORCER X VER


Havia certo desânimo em mim para ir ao jogo entre Espanha e Taiti.

Fiquei me sentindo estranha em ir ao jogo enquanto haveria mais uma manifestação na cidade do Rio de Janeiro.

Mas havia comprado o ingresso há muito tempo. Ingresso comprado com dinheiro arduamente conquistado, aliás. 

E para minimizar de modo mais efetivo a minha sensação de estranhamento, resolvi tomar uma atitude.

Preparei algo a partir do qual pudesse de algum modo contribuir para esse momento em que grande parte do país resolveu mobilizar-se.

Uma mobilização muito bem vinda que talvez devesse ter ocorrido há tempos atrás, especificamente no que diz respeito aos gastos desmedidos para a realização da Copa de 2014.

Podíamos ter apoiado a greve dos operários do Maracanã, assim como nos mobilizado em torno das desapropriações, do fechamento da escola Friedenreich e do velódromo do Rio e até mesmo com a interdição do Engenhão, um estádio de apenas 5 anos e onde foram gastos milhões e milhões de reais.

Porém, não é momento para lamentações desse tipo e sim de se cultivar a esperança de que haja uma maior consciência democrática no Brasil, de modo que nós - de diversas formas -contribuamos para uma sociedade mais tolerante e mais atenta aos usos do dinheiro público.

Essas mudanças podem e devem se refletir também no futebol, que tem sido conduzido de modo questionável por clubes, Federações, empresários etc.

Não acredito que deva se criar uma oposição entre futebol e política. Muito menos creio que devamos tornar o futebol o vilão dos nossos problemas.

Para mim essa opção é praticamente impossível, por diversos fatores.

Por isso, entendi que o Maracanã – mesmo que seja “o Novo Maracanã” - poderia ser um espaço ótimo para simples, mas válidas manifestações.

Me surpreendi ao ver que de fato “o novo Maracanã" assim foi usado. E nesse momento ele fez até lembrar daquele antigo Maracanã.


UFA! A RETIRADA DOS INGRESSOS E OS MEUS BOLSOS VAZIOS

Esse foi o primeiro - e creio que o único - jogo da Copa das Confederações no qual estive.

Por diversos motivos: 

1. A Copa da Confederações não é exatamente o tipo de competição que me cative.
2. Os ingressos são caros e além disso já estão esgotados para a final
3. Não pretendo e não reúno condições para viajar e ver outros jogos fora do Rio, pelo menos para ver jogos da Copa das Confederações.

Além disso, todo trabalho que tive para buscar os ingressos me desestimularam imensamente. 

Foram 5 ônibus! que tive de pegar para ir e voltar do Galeão. O galeão é meio contramão da Cidade do Rio e onde moro não contribui muito também para o encurtamento das distâncias.

Fui consolada por uma excelente aquisição: a camisa do Bonsucesso, comprada na loja que fica bem próximo ao Estádio Teixeira de Castro. 

O que fui fazer em Bonsucesso?

Descobri na internet que havia um ônibus para o Galeão: o 915 que podia ser pego em Bonsucesso. Aproveitei para comprar camisas do time rubro-anil, algo que queria desde de que fui ao jogo do Bonsuça.

Devido ao cansaço e a lonjura fui obrigada a consumir algo no aeroporto. Detesto consumir em aeroportos..... tudo é muito caro!!!

Me senti no novo Maracanã:


Sim, eu devia ter buscado esses ingressos antes....

E tentei domingo, mas as filas eram gigantescas.

Por outro lado, não me conformo com o fato de que a compra realizada pela internet, pouco facilite nossas vidas. 

Na internet tem fila.... uma fila que dá medo porque não a vemos, não sabemos se alguém está pulando a nossa vez e, além disso, dependendo da sorte, ou do azar, o sistema pode cair.

Acho a compra online fundamental, mas se pensarmos no preço que pagamos, não faz sentido ainda termos que buscar esses ingressos tendo pouquíssimos postos para retirada de ingressos. 

O resultado final foi o seguinte: Saí de casa às 13h e voltei às 19h30! Soma-se a isso: tempo gasto para a espera dos ônibus, engarrafamentos pela cidade e a distância.

Gastei horrores de passagem, somados ao suco (tomado no Galeão) e ao lanche que fiz (Fora do Galeão é claro)


CHEGANDO AO JOGO: VIGILÂNCIA, VIGILÂNCIA E VIGILÂNCIA

Diferentemente da última vez que estive no "novo Maracanã", dessa vez eu fiz uso do transporte urbano. 

Fui de metrô.

Dentro do metrô já havia forte movimentação de público, um público aliás cuja composição era diferente daquele que vi na reabertura do Maracanã.

Havia mais variedade de tipos humanos, gente entrando em diversas estações do subúrbio carioca e de outras partes da cidade





Do outro lado, a estação de trem de São Cristóvão. 

Marcação no Metrô

Porém, o que me impressionou, desde a chegada à estação São Cristóvão, foi o forte aparato policial.

Houve desde a descida da rampa do metrô, a necessidade de se mostrar os ingressos, pois somente assim podia-se tomar a direção do Novo Maracanã:








A presença de tanto policiamento às vezes pode criar uma atmosfera tensa. 

Se no jogo entre Brasil X Inglaterra havia um clima festivo, não posso dizer o mesmo em relação a Espanha e Taiti. 

E nem poderia ser diferente. Como disse, muita coisa tem acontecido no Brasil as quais não podemos ignorar.

E sem ignorá-las fui dando a volta no novo Maracanã









A cerveja foi um item disputado. Ela foi vendida até as exatas 14h.

Depois somente dentro do Novo Maracanã. Preço? R$9!!!!!!



Essa escada dá meeeeedo:


As mocinhas do Taiti foram das poucas cenas interessantes que vi do lado de fora



Mais vigilância: o desfile da cavalaria



Já dentro do estádio, os milhares de produtos oferecidos saltavam aos olhos



Enquanto isso... como um fantasma, o Museu do Índio jaz ao fundo



Dentro do Novo Maracanã:




Entrei no estádio com pelo menos 1 hora de antecedência porque queria ver o que ocorre nesses períodos em que não há futebol.

Ocorreu o que imaginava: música altíssima, propagandas passadas no telão e com som altíssimo.

Se você tiver o azar de ficar bem debaixo de um alto falante, como eu fiquei, prepare-se para ter dor de cabeça e muita irritação.

Beira o insuportável.

Fui salva pelos amigos Juliana e Elber, amigos e pais da Júlia, minha fofolete de coração. 

Graças aos lugares marcados, ficamos separados durante o jogo.... 

Um dia ainda farei uma listagem dos motivos que me faz detestar lugar marcado em estádio. 

Ficar longe dos amigos é um desses motivos


Lá de cima avistei os Stewards, enfileirados e de costas para o gramado. O jogo ainda não havia começado, mas mesmo quando começasse, esses Stewards continuariam de costas

Imagino que para essa função devem ser escolhidas pessoas que ODEIAM futebol. Caso contrário, é tortura.... Eu dificilmente conseguiria ficar assim ...





Finalmente, conheci os banheiros do "Novo Maracanã".... 

Banheiro sem aviso.. não é banheiro




Fui antes e depois do jogo e em ambas ocasiões os banheiros tinham papel, água e estavam limpos.


VER X TORCER

Havia muuuuutia gente com a camisa do Barcelona ou com a camisa da Espanha. 

Quase todos se levantaram para ver quando a Espanha entrou em campo para breve treinamento. 

Muitos fizeram coro de Casillas, Casillas... quando ele surgiu em campo



 Todos os olhos estavam voltados para a Espanha. E se o estádio encheu, certamente foi para ver a Espanha




O mesmo se pode dizer em relação à imprensa. No primeiro tempo, não havia quase nenhum jornalista atrás do gol da Espanha:




Mas no segundo tempo.... olhem abaixo o número de fotógrafos atrás do gol do Taiti.....


Quando Iniesta foi avistado, houve um delírio coletivo



Mesmo assim, a torcida passou o tempo todo vaiando os gols da Espanha e torcendo para a equipe do Taiti. 

Torcendo, torcendo é uma palavra forte demais, seria melhor dizer que houve uma manifestação de grande simpatia. Principalmente pelo goleiro....

O goleiro desmontou após o 9o gol .....


 

Mesmo depois dos 10 x 0, os Taitianos tiveram forças para agradecer ao público. Creio que para eles apesar da desastrosa campanha, participar da Copa e atuar diante de equipes como a Espanha teve seu valor. 

Claro que o ideal seria uma mínima igualdade de condições para a disputa. Entretanto, com um time composto por atletas que em sua maioria são amadores, somando-se ao fato de que o adversário era a Espanha, o resultado foi até razoável.





O INTERVALO DO JOGO

Geralmente em intervalos de jogos, as arquibancadas ficam esvaziadas. As pessoas vão dar uma volta, comprar alguma coisa, ou vão ao banheiro etc.

Embora grande parte da imprensa não esteja mostrando, o intervalo do jogo entre Espanha e Taiti foi um dos melhores momentos da partida, porque ele foi aproveitado para que se erguessem cartazes com diversos dizeres:













Essa foi a minha forma de protestar. Comprei uma camisa branca, escondi dentro da camisa do Vasco e guardei na mochila. 



As manifestações ocorreram no intervalo porque qualquer cartaz erguido virava alvo dos Stewards que os retiravam de nossas mãos. Isso ocorreu algumas vezes. A vaia foi grande.

Também houve pessoas que não esconderam seus cartazes e tiveram que jogá-lo fora já na entrada do estádio.

Não vejo porque proibir cartazes cujo conteúdo visa manifestar questões importantes para a sociedade.

Seja como for o intervalo foi fundamental para que pudéssemos nos expressar de modo mais livre e furarmos algumas proibições impostas




Um pouquinho antes do reinicio do jogo, um coro se fez:





Obs.: O que aparece escrito no vídeo é fruto da minha incompetência em lidar com  conversão de formatos de arquivo, mas em breve vou trocar. 

Fiquei positivamente surpreendida com o comportamento do público. 

Ao contrário do amistoso da seleção, vi uma público agitado, que cantava, que gritava, que não se manteve calado, enfim um público que foge ao padrão desejado pela Fifa.

Senti forte esperança de que haverá formas de resistência às tentativa de padronização do ato de torcer.


Também como um modo protesto eu e Carol fomos com a camisa do Rubro-anil do subúrbio: o Bonsucesso!

A intenção era que todos achassem que estávamos com a camisa do Barcelona. E de fato quase todos acharam que era.

Por que eu usaria a camisa do Barça se eu tenho a do Bonsuça...? um time que em 2013 faz 100 anos e que como muitos sofre com a desigualdade no mundo futebolístico. Um clube centenário que muitas vezes neste ano não conseguiu abrir seu estádio ao público.

Futebol é um lazer popular, não esqueçamos disso.

Eu poderia ter usado a camisa do Olaria, do São Cristóvão, do América, de diversos clubes do Nordeste, com enorme torcida, mas esquecidos e financeiramente arrasados






Eu poderia ter usado uma camisa do Bangu, mas ainda bem que alguém pensou nisso:



Valeu à pena ter ido ao jogo. 

Primeiro porque não deve-se alimentar qualquer forma de oposição entre futebol e política ou pior: uma oposição entre os que frequentam os jogos da Copa e aqueles que manifestam nas ruas.

Mesmo assim é compreensível a revolta com a Copa:




Porém além de todas essas manifestações precisamos ir além

Precisamos incorporar visões e posturas mais democráticas e efetivas em nosso pequeno cotidiano e que são sim formas politicamente engajadas:

1. Não oferecermos pequenas propinas para fugirmos de uma multa, por exemplo
2. Não jogarmos lixo nas ruas e depois reclamarmos que a cidade é muito suja
3. Não sermos tão coniventes com diversos exemplos diários de abusos
4. Não tirarmos proveito das várias formas de corrupção
5. Sermos mais tolerantes com as diferenças, o que inclui sermos menos racistas e homofóbicos
6. Nos preocuparmos um pouco mais com os nomes daqueles em quem depositamos nossos votos
7. Sermos profissionais mais responsáveis e preocupados com o devido cumprimento de nossas funções
8. Valorizarmos a democracia e o respeito ao outro


Claro que essa lista pode ser maior ainda.... 

Mas por enquanto está bom....



Até a próxima.

Aguardamos ansiosamente o retorno do Brasileirão e o retorno do Carioca da Série B cujas semifinais foram interrompidas.




terça-feira, 18 de junho de 2013

O futebol não é mais forte que a justa insatisfação das pessoa...

(Fonte: http://www.jb.com.br/pais/noticias/2013/06/17/manifestantes-invadem-cobertura-do-congresso-nacional-em-brasilia/)
Blatter, o presidente da FIFA, disse que “O futebol é mais forte que a insatisfação das pessoas”. (http://www.estadao.com.br/noticias/esportes,o-futebol-e-mais-forte-que-a-insatisfacao-das-pessoas-diz-presidente-da-fifa,1043432,0.htm)
Não. 

Se assim o fosse, por que a Fifa demonstrou tanta insatisfação ao longo dos preparativos para a Copa de 2014 e por que fez tantas exigências a respeito dos estádios, por exemplo?

Afinal se o futebol é mais forte que a insatisfação das pessoas, deveria ser mais forte que qualquer insatisfação da própria FIFA, com prazos, estrutura do evento etc.

Blatter provavelmente deve estar se referindo ao “futebol da Fifa” e seus megaeventos, que de fato podem nos fascinar, mas que se inserem em questionáveis formas de gerência esportiva e de articulações políticas.
“O futebol da Fifa” de fato tem ambição de ser mais forte que tudo que o cerca.

A insatisfação que Blatter generaliza e confere certo tom minimizador é na verdade um sentimento que também se relaciona aos gastos abusivos feitos para a realização da Copa de 2014.

É de se ressaltar que a Copa de 2014 não é o único exemplo de superfaturamento. Há inúmeros outros que se relacionam a construção de hospitais, escolas e estradas.

Mas é muito interessante perceber que a Copa de 2014 – e a das Confederações – têm sido um dos importantes catalizadores das manifestações populares que temos visto.

A começar pela proposta “vem pra rua” que é refrão da música de autoria de Simoninha e cantada pelo Falcão do Rappa em um dos comerciais feitos para a Copa.

O “vem pra rua” foi apropriada como convocatória para a ocupação das ruas de diversas cidades do país para reivindicações que ultrapassam e muito a redução das tarifas de ônibus.

Outro importante fator mobilizador foi a cobertura da Copa das Confederações realizada por parte da imprensa, cobertura celebratória, ufanista e que tentou fazer de cada jogo uma ilha de perfeição, tentativa iniciada pela questionável partida entre os amigos do Ronaldo X amigos do Bebeto.

Então veio o aumento das tarifas dos meios de transporte que têm um impacto imediato em nossos bolsos. Meios de transporte que vivem lotados, que não oferecem conforto e segurança (como os estádios da Fifa oferecem...) e que são concessões públicas que vão parar nas mãos de empresários que apenas visam o lucro, às custas da necessidade imediata de locomoção diária.

Esse aumento foi a gota d’água para fazer com que aquela ilha de perfeição - montada pelo discurso de parte da imprensa – ressaltasse por contraste todos os problemas que vivemos como a violência urbana, a inflação, a desigualdade social, a intolerância e tantas outras mazelas da sociedade.

E as pessoas foram para rua, aproveitando, aliás, toda visibilidade proporcionada pelos megaeventos.
Pediu-se aos manifestantes que tivessem um comportamento “civilizado”, o mesmo que se pede aos torcedores que vão aos jogos da Copa das Confederações.

E quando esse comportamento “civilizado” não se deu do modo imaginado, houve uma tentativa de criminalização do ato de manifestar, o que se fez notar nas inúmeras agressões promovidas pela polícia.
Assim como ocorre em muitas partidas de futebol, a polícia deu diversas demonstrações da falta de preparo em lidar com as multidões. E o resultado foi o que se viu - e não se viu nas Tvs: pessoas feridas e agredidas de maneira despropositada.

A má repercussão desses atos mobilizou ainda mais as pessoas e promoveu uma mudança de atitude do policiamento que se fez notar nas passeatas de ontem.

Certamente atitudes mais revoltosas fazem parte desses eventos, afinal não estamos diante de mais um espetáculo e sim de mobilizações fomentadas por revolta e cansaço.

Temos que tomar um cuidado ao categorizarmos como vandalismo tudo aquilo que foge aos padrões de bom comportamento. É de se compreender algumas atitudes consideradas violentas e que foram pontualmente direcionadas para os espaços representativos do poder instituído.

Se por fogo na entrada da Assembleia Legislativa pode ser considerada um ato de violência é de se considerar como de extrema violência diversos processos de desapropriação ocorridos e que visavam a construção de BRTS, Metrô, Transcarioca, Parque Olímpico etc

Do mesmo modo poderíamos considerar como vandalismo a radical transformação do Maracanã assim o futuro fim do Celio de Barros e da escola Friedenreich.

Nada é tão simples. E na verdade é difícil analisar este momento.

O que é possível dizer é que diante do que vemos o futebol não é mais forte que a justa insatisfação das pessoas.
E nem poderia.

Até mesmo porque, no Brasil, o futebol não tem tido tanta força assim, ao contrário, ele anda muito enfraquecido.

Enfraquecido pela cruel lógica mercadológica que criou uma distância gigante entre os próprios clubes chamados de “grandes” e um abismo quase intransponível entre os “grandes” e os “pequenos”.

Seria muito bom que algumas formas de protestos fossem parar dentro dos estádios nos jogos da Copa das Confederações.
Por diversos motivos:
     Por que estádios são locais ótimos para manifestações públicas, haja vista a vaia que Blatter teve que ouvir.
    E, sobretudo, para não imaginarmos que todos os indivíduos que frequentam os jogos da Copa são inimigos ou alienados, simplesmente.
    Pensar desse modo é reduzir a complexidade dos fenômenos e adotar um radicalismo pouco produtivo.
    É preciso ir além.
Nesse aspecto é importante estarmos vigilantes para que essas manifestações não ganhem um tom autoritário e fascista, ganhando rumos pouco proveitosos para todos nós.

O mais importante é notar que o hábito de manifestar pode ser um importante legado dos megaeventos aqui realizados

terça-feira, 4 de junho de 2013

O "NOVO MARACANÃ"



No Brasil é comum que as opiniões se dividam entre a exaltação ou a condenação dos fenômenos.

Isso é perceptível no caso do Maracanã. Há de um lado os que exaltam a reforma do estádio e do outro os que a detestam.

Gostaria muito de redigir um texto que não caísse nas armadilhas do mundo polarizado e pudesse enxergar o fenômeno chamado “o novo Maracanã” com olhos atentos, mas que ao mesmo tempo conjugasse a perspectiva de alguém cuja relação com o Maracanã foi intensamente vivida e que muitas vezes ultrapassou a esfera futebolística.

Muito tem se falado do Maracanã e geralmente se tem dito que “o Maracanã não existe mais”, pois aquele estádio que recebeu Brasil X Inglaterra, domingo passado,  é um outro estádio, absolutamente diferente daquele que há mais de dois anos estava fechado para o público

Embora tenha toda aparência de uma opinião radical, concordo que aquele Maracanã com o qual nos acostumamos, não existe mais. No lugar dele surgiu um outro estádio que pouco nos faz lembrar do Maraca dos velhos tempos.

A frase “o Maracanã não existe mais” não deve ser compreendida como mero fruto de uma opinião romântica e saudosista incapaz de compreender a necessidade de mudanças e adequações ao tempo.

Essa expressão também se fundamenta no fato de que a reforma pela qual passou o estádio Mario Filho, foi bastante incisiva.

Não é a primeira reforma pela qual o Maracanã passou, mas certamente foi aquela que mais mexeu com suas estruturas, de tal forma que se tornou difícil dizer: estou no Maracanã.

 
Por fora o "novo Maracanã" ainda faz lembrar o antigo, mas somente por fora.

Dentro, o Maracanã é outro, absolutamente diferente do que já foi algum dia. E essa diferença pode provocar surpresas e sensações diversas.

Não ser mais o mesmo não é um problema em si. Muitas vezes é ótimo quando isso ocorre.

Mas no caso do "novo Maracanã", é de se pensar sobre os significados de tantas mudanças, e suas implicações para nós torcedores. 

Mas como dizia minha vó, saco vazio não se aguenta em pé.

Por isso antes de dar início a Caravana, eu e Carol fizemos um lanche


PRÉ-JOGO



 

Essa é a rua Torres Homem, em Vila Isabel.

Nessa rua já aportamos no Bar do Costa. Desta vez experimentamos outros sabores.

Embora tenha ficado doente o feriado todo, guardei minhas poucas energias para domingo.
 



bolinho de vagem


sardinha frita

bolinho de feijão recheado


caldinho de feijão

Mocotó, depois Carol sentiu os efeitos...




Ainda tontas, fomos na direção do "novo Maracanã ", seguindo a 28 de Setembro....

É o Dunga?
 



DOMINGO EU VOU AO MARACANÃ....?

Tenho a impressão de que poderíamos chamar o Maracanã de um objeto aurático, no sentido próximo ao usado por Walter Benjamin. Mas essa aura levou tempo para ser construída, não nasceu com ele.
 
Se hoje debatemos os acertos e os erros de sua reforma, no final da década de 1940 debatia-se a necessidade de sua construção, o tamanho e sua localização.

De um lado estavam os favoráveis a construção de um estádio em Jacarepaguá e do outro, os favoráveis a construção de um monumental estádio no terreno do Derby Club, proposta que saiu vencedora e que contou com amplo apoio do jornalista Mário Filho:

DERBY CLUB
Fonte: http://oriodeantigamente.blogspot.com.br/2011/01/derby-club.html


 Em 20 de janeiro de 1948 a pedra fundamental do estádio foi lançada, mas somente em julho as obras de fato se iniciam:

Acima podemos ver os arquitetos Miguel Feldman e Antônio D. Carneiro
diante da maquete do Maracanã, em 16/6/1949  
foto  -  coleção de Branca Feldman  (Fonte:http://www.polocriativo.com.br/blogcriativo/em-tempos-de-inauguracao-de-um-novo-maracana-vale-passear-pela-sua-antiga-arquitetura/)


Certamente em torno do Maracanã foi depositada uma série de representações de cunho nacionalista, porque o Maracanã e sua grandiosidade foi um importante veículo de propaganda de um projeto modernizador do Brasil.

Esses aspectos sobre a construção do Maracanã são muito bem descritos e analisados no excelente livro O Rio corre para o Maracanã da Gisella de Araújo Moura.

É uma leitura deliciosa e praticamente obrigatória para quem gosta de futebol.

E para quem gosta de futebol, a história do Maracanã é fascinante. Absolutamente fascinante.

Trata-se de um estádio que sobreviveu a "tragédia de 1950" provocada pela derrota do Brasil para o Uruguai.

Essa derrota, inesperada, poderia ter estigmatizado o estádio e feito dele um monumento de mau agouro.

Mas o que vimos foi o Maracanã agigantar-se com o tempo e afirmar-se como um importante símbolo da cidade e dos torcedores.

Em 1969, o Maracanã recebeu 183.341 pagantes (imaginem os não pagantes) para assistir Brasil X Paraguai, em jogo válido pelas eliminatórias da Copa de 1970.

É o maior público oficial do estádio (em 1950, o público oficial foi de 173.850 pessoas, e 200 mil pela estimativa da época)

Um recorde que pelo menos no Brasil dificilmente será superado:


 
     Esse público dificilmente será ultrapassado porque ao longo dos anos o Maracanã diminuiu consideravelmente, até chegarmos a capacidade atual de 79 mil pessoas.(http://www.maracanario2014.com.br/o-projeto/)

  Em suas reformas, o Maracanã ganhou cadeiras, perdeu a geral, o que provocou estranhamentos e debates. Para o Pan de 2007 o Maracanã ficou assim:
 
 
 
Mas como já disse, nenhuma reforma foi tão transformadora - e cara - como esta última
 
Por isso, a música que tanto nos embalou nas tardes de domingo talvez tenha que se adaptar ou então ser mantida como um cântico de memória ou mesmo de protesto:
 
Domingo, eu vou ao Maracanã
Vou torcer pro time que sou fã,
Vou levar foguetes e bandeira
Não vai ser de brincadeira,
Ele vai ser campeão

Não quero cadeira numerada,
Vou ficar na arquibancada
Prá sentir mais emoção

Porque meu time bota pra ferver,
E o nome dele são vocês que vão dizer
Porque meu time bota pra ferver,
E o nome dele são vocês que vão dizer

(Ô, ô, ô )
Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô

 
Só tem cadeira numerada. E agora?
 
 

O "novo Maracanã"

 

Quando entrei no setor das arquibancada senti um misto de sentimentos: achei lindo o que vi, mas ao mesmo tempo fiquei abalada por não reconhecer o Maracanã:

 


Seria falso afirmar que o estádio está feio. Está bonito e com aparência de "moderno". Me senti dentro daqueles estádios que costumamos ver pela TV.


Notem o sol batendo na arquibancada. Nem mesmo a cobertura foi capaz de segurar. E por falar em verão, como ficaremos com essa cobertura quando o calor estiver beirando os 40 graus?


Mas daí derivou-se um problema: tenho a impressão de que o Maracanã tornou-se um estádio como outro qualquer que segue os padrões de modernidade exigidos pela FIFA.

Nada mais que isso.

Pelo menos por enquanto.

Com esses pensamentos na cabeça saí á procura do "meu" lugar.

 O lugar era marcado - infelizmente porque particularmente detesto lugar marcado em estádio. 

Como dá para perceber na foto abaixo, o ingresso é emitido com todas as indicações relativas à localização:



Não foi difícil me localizar. O estádio é bem sinalizado e em caso de dúvida tinha sempre uma mão para indicar o caminho:
 
 





  Os telões tinham ótima resolução. Em alguns momentos eles são ligados e passam trechos do jogo. No intervalo esses telões passam anúncios de produtos que patrocinam o evento.   Aliás nos intervalos toca-se música, faz-se brincadeiras com o público, pede-se que as pessoas levantem, sentem, etc. Tudo isso é razoavelmente irritante.   


Não será muito fácil assistir aos jogos em pé, pois a distância entre as arquibancadas é pequena.  Sentado o torcedor terá uma boa visibilidade. Fiquei distante, mas assisti ao jogo perfeitamente.





 
Poderia ser melhor caso as cadeiras estivem limpas:

Sim, isso é uma cadeira. As cadeiras do estádio se dobram assim que levantamos.


 Comemoração após o gol do Brasil


Após o jogo o estádio sendo esvaziado:



 
 Após o jogo fui até o setor que fica próximo ao campo:



Comprar comida ou bebida durante o jogo foi uma tarefa muito difícil. Muitas filas, poucos vendedores nas arquibancadas e o pior de tudo: o preço
 
 
Embora não esteja indicado na placa, uma garrafa de água custava 4 reais. Preços abusivos são prática comum em aeroportos e estádios de futebol. No novo Maracanã não foi diferente:



 

A torcida

O jogo entre Brasil X Inglaterra foi tomado como o grande teste do "novo Maracanã".
 
Me recuso a concordar com esse pensamento a menos que estejamos falando de um teste restritamente relacionado a Copa das Confederações e a Copa do Mundo.
 
O tempo inteiro fiquei imaginando o que acontecerá quando o novo Maracanã receber os clássicos cariocas. Fiquei imaginando a disposição das torcidas e especialmente onde ficariam as chamadas organizadas.
 
Embora existam muitas vozes contrárias às organizadas não se deve menosprezar o papel por elas desempenhado na promoção do espetáculo das torcidas. Suas bandeiras, suas disputas simbólicas, suas músicas, ditam o ritmo dos estádios.
 
Onde esses torcedores ficarão?
 
Não sei dizer.
 
Certamente os torcedores encontrarão formas de se apropriar do estádio a seu modo. Pelo menos eu espero que isso ocorra. Embora grande parte da imprensa esteja festejando a possibilidade de estarmos seguindo o caminho da reformulação dos estádios ingleses, esquece-se dos perigos que cercam esse fenômeno.
 
Confesso, por exemplo, que fiquei muito preocupada com o que chamaria de "embranquecimento" da torcida, por mim percebida na composição do público do "novo Maracanã". "Embranquecimento" próximo ao que se pode observar nos comerciais de TV ou em alguns shoppings e outros espaços de lazer elitizados do Rio de Janeiro.
 
Não é necessário dizer a íntima relação desse fenômeno com a histórica desigualdade social ainda existente no Brasil.
 
Se o velho Maracanã estava longe de corroborar com a hipótese de que o futebol é necessariamente um espaço democrático, o "novo Maracanã" fez questão de deixar esse aspecto mais do que evidente.
 
Felizmente pude ir ao jogo, mas sei de diversas pessoas que gostariam de ir mas não teriam as mesmas condições.

Por outro lado, se a média de preço cobrada no domingo se mantiver em outros jogos, serão raras as vezes em que voltarei ao novo Maracanã.
 
Entretanto por mais seleta que seja a torcida sempre há um espaço para os doidos de plantão. Encontrei alguns.
 
Enquanto a maioria dos torcedores ingleses ficaram juntinhos nas arquibancadas inferiores, um inglês resolveu ficar no meio da torcida brasileira. E ele fez questão de comemorar os dois gols da Inglaterra
 

 

Havia uma razoável quantidade de torcedores ingleses que fizeram barulho sobretudo cantando God save the Queen:



Ingleses entusiasmados do lado de fora:


E brasileiros que chamavam atenção:



 



Em torno do estádio a atmosfera era bacana:



Andamos livremente por ruas em que cotidianamente passa apenas carro






O metrô foi um meio de transporte muito utilizado e não podia ser diferente, diversas ruas ao redor do Maracanã estavam fechadas para os carros, o que por sua vez facilitou imensamente a vida do torcedor no que diz respeito à circulação em torno do estádio. Esse fechamento das ruas certamente contribui para que a entrada e saída do público tenha ocorrido sem maiores problemas.



 

 Como será o amanhã ?

 Disse que achava que o Maracanã era um objeto aurático. Disse e repito, mas somente no que diz respeito ao Maracanã.

O "novo Maracanã" por enquanto é um estádio como qualquer um desses que são denominados de modernos.

Não posso negar que há aspectos muito positivos na reformulação do estádio, o principal deles diz respeito à segurança. O escoamento do público melhorou imensamente, pois o número de saídas é maior, fazendo lembrar um pouco o sistema de escoamento do Engenhão, com amplas rampas.

Há de se convir que a saída do Maracanã era precária já que nos espremíamos pelo corredor até acessarmos a saída. Particularmente morria de medo de ser esmagada, de ocorrer algum tumulto, de ocorrer algum incêndio, etc. Seria fatal.

 Com a reforma, a segurança na entrada e saída dos torcedores aumentou consideravelmente e caso haja algum incidente, creio que com rapidez poderá haver um escoamento da multidão.
Embora ainda com obras, o entorno do Maracanã, à primeira vista, ficará também mais amplo permitindo uma circulação mais segura e cômoda para os torcedores.

Entretanto, há de se lembrar que o Maracanã era tombado. E que muitas modificações foram realizadas para atender algumas exigências de um megaevento, exigências muitas vezes supervalorizadas e obedecidas de modo dócil e sem questionamentos maiores.

Sendo assim não me seduzo a exaltar o "novo Maracanã" e me permito lamentar a profunda transformação pela qual passou aquele Maracanã com o qual estávamos acostumados. Aquele Maracanã que na verdade oficialmente se chama Estádio Mário Filho.
 

 A abertura do "novo Maracanã"  evidenciou um projeto de estádio - ou arena como preferem - pouco convincente, já que calcado em um processo de reformulação do perfil dos frequentadores dos estádios, uma reformulação que pressupõe a exclusão de uma parcela significativa de torcedores.
 
 
Mas a verdade é que o "novo Maracanã" está sob o signo do "por enquanto", já que não podemos prever seu futuro exato e até mesmo porque sua reforma ainda não está acabada:

 
Obras, obras, obras.....

 
Por enquanto posso dizer que me sinto saudosa de um Maracanã que se foi e carrego comigo a esperança, mas também o temor desse Maracanã que surge.