Em 2013, o Engenhão foi interditado devido a alegação da existência de problemas na cobertura do estádio que podiam colocar em risco a segurança dos frequentadores. Essa alegação se deu por parte do Consórcio Engenhão, tendo como base o relatório técnico feito pela empresa alemã SBP (Schlaich Bergermann und Partner).
De acordo com esse relatório, a cobertura do Engenhão, devido a algumas falhas em sua projeção, precisava de reparos já que se mostrava perigosa e frágil sobretudo em caso de fortes ventanias.
Essa conclusão chegou a ser contestada pela ABECE – Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural – mas ficou mantida a decisão de fechamento do Engenhão e da necessidade de se fazer os reparos para que se pudesse voltar a receber público.
O laudo final emitido pela Comissão Especial de Avaliação do Engenhão pode ser acessado na página da Prefeitura do Rio de Janeiro ( http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4150419/4100267/Comissao.Especial.de.Avaliacao.do.Engenhao..LaudoFinal.pdf)
Não sou engenheira e, portanto, me parece descabido emitir uma opinião a respeito da pertinência do laudo da empresa Alemã. Entretanto sempre me pareceu absurda a necessidade de se interditar um estádio construído a menos de sete anos e que custou cerca de R$380 milhões aos cofres públicos.
Nas andanças que faço com a Caravana, percorro estádios com estruturas próximas a ruínas, mas tais espaços costumam ser estádios geralmente antigos, pertencentes a clubes sem poder aquisitivo que consiga mantê-los conservados.
Já o Engenhão é um estádio que há pouco tempo era sinônimo de modernidade, sendo uma das primeiras e, provavelmente, a mais representativa construção de uma época de transição dos estádios para as chamadas arenas, aqui no Brasil.
Porém, o Engenhão tornou-se ruína já na sua juventude.
O estádio é parte integrante de um futebol com cupim.
Me inspiro no poema "Paisagem com cupim" de João Cabral de Melo Neto a cujo trecho recorro para começar essa postagem:
"Tudo se gasta mas de dentro:
o cupim entra os poros, lento:
e por mil túneis, mil canais, as coisas desfia e desfaz
Por fora o manchado reboco vai-se afrouxando,
mais poroso, enquanto desfaz-se, intestina,
o que era parede, em farinha.
E se não se gasta com choques,
mas de dentro, tampouco explode.
Tudo ali sofre a morte mansa
do que não quebra, se desmancha"
O futebol brasileiro está repleto de cupins e o Engenhão é parte integrante dessa paisagem.
Até quando assim ele ficará, não se sabe
Cadeiras vazias também falam
O jogo entre Fluminense X Vasco conseguiu reunir um público de 7.338 pagantes e 8.658 presentes.
Sem dúvida é um péssimo público em se tratando de um clássico carioca, o que serviu para alimentar as incansáveis manchetes sobre as baixas médias de público desse campeonato.
O Cariocão tem sido um saco de pancadas de vários colunistas e comentaristas esportivos. Ele virou uma espécie de bode expiatório dos problemas que afligem o futebol nacional.
De fato desde que a Federação - em acordo com os clubes - adotou os pontos corridos e o turno único, o Campeonato Carioca perdeu mais ainda as poucas forças que lhe restavam.
Mas este ano está difícil de ser superado. Nele tem-se feito de tudo para tornar o Carioca um campeonato chato, previsível e, até mesmo, antipático.
O caso do clássico entre Fluminense x Vasco é mais um entre tantos outros que só servem para tirar o apetite futebolístico de qualquer um.
Inicialmente marcado para o Maracanã, o jogo foi levado para o Engenhão graças a disputa em torno do lugar onde a torcida do Vasco ficaria. O Presidente do clube Cruzmaltino bateu o pé exigindo que a torcida assistisse ao jogo no lado direito das cabines de rádio do Maracanã, local tradicionalmente por ela ocupado desde 1950.
Ocorre porém que aquele Maracanã de 1950 não existe mais, tendo sido amplamente modicado após sua última reforma para a Copa de 2014.
Além disso, esse "novo Maracanã" tem contrato travado com o Fluminense estabelecendo que sua torcida - em caso de mando de campo do tricolor - ocupará justamente o lado direito das cabines de rádio.
Essa discussão portanto é absolutamente infrutífera, sem sentido, se reduzindo a mais uma simples queda de braço política.
A solução encontrada foi realizar o clássico no Engenhão cuja capacidade está reduzida para cerca de 17 mil pessoas.
O preço dos ingressos para Fluminense X Vasco variaram de R$50 (Setor Sul e Norte) a R$80 (Leste e Oeste inferior). Vale lembrar que as alas Sul e Norte não proporcionam uma boa visão do jogo sobretudo se o torcedor nas cadeiras inferiores. Esses setores não deveriam custar R$ 50 ...
A partida envolvia dois times que tiveram atuação pífia nos seus jogos do meio de semana.
Agora vem a facada final: assim como ocorre no Maracanã, comer e beber no Engenhão exige bolsos cheios. Um simples copinho de água custa R$ 3
As cadeiras vazias do Engenhão falavam que muita coisa precisa mudar no futebol brasileiro
Os setores inferiores Leste e Oeste praticamente vazios, ambos custavam R$80 a entrada inteira |
O Engenhão, um projeto ainda em construção
Comecei esta postagem com um tom razoavelmente revoltado e provavelmente terminarei do mesmo modo.
Mas no meio do caminho é preciso respirar um pouco para que não se pinte um quadro onde apenas problemas são vistos.
Embora ainda cercado de problemas, o Engenhão - que agora pode ser chamado de Estádio Nilton Santos - é um estádio que me provoca certa admiração.
Particularmente adoro imaginar que em 2016, parte dos olhos do mundo se voltarão para um pedaço do subúrbio carioca e isso ocorrerá porque é no Estádio Olímpico que se realizarão importantes provas como o atletismo.
O estádio foi erguido no bairro do Engenho Novo, no terreno que abrigava as oficinas de restauração de trens que passaram a funcionar a partir de 1871 e lá se mantiveram até a década de 1970:
Fonte: http://blogsobreostrilhos.blogspot.com.br/2013/12/oficinas-do-engenho-de-dentro.html |
Fonte: http://blogsobreostrilhos.blogspot.com.br/2013/12/oficinas-do-engenho-de-dentro.html |
Em 1984 foi criado o Museu do Trem administrado pela Rede Ferroviária Federal
Cercando o Engenhão temos as ruínas das Oficinas de trens, uma importante parte da memória da cidade do Rio de Janeiro
A ideia de construção de um estádio Olímpico no Rio de Janeiro foi alimentada desde a década de 1990, época em que a Prefeitura começou a elaborar uma série de planos de melhorias na cidade visando o projeto de candidatura do Rio para as Olimpíadas de 2004.
Mas foi com a Candidatura para o Pan-2007 que o projeto do estádio foi levado adiante.
Não vou me estender nesse assunto, porque há um ótimo estudo realizado por Martin Curi intitulado "Espaços da Emoção: arquitetura futebolística, torcida e segurança pública" (Tese de Doutorado em Antropologia, Universidade Federal Fluminense, 2012).
Oficialmente, o nome do Engenhão é Estádio Olímpico João Havelange, mas recentemente o clube Botafogo ganhou o direito de usar o nome Estádio Nilton Santos, em homenagem a um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro.
O estádio começou a ser erguido em 2003 com previsão de entrega para 2005, mas somente em 2007 ele ficou pronto
Fonte: http://www.portal2014.org.br/blog/noventa-minutos/index.php/2011/05/31/o-engenhao-como-exemplo-a-nao-ser-seguido/ |
Fonte: http://www.portal2014.org.br/blog/noventa-minutos/index.php/2011/05/31/o-engenhao-como-exemplo-a-nao-ser-seguido/ |
Espero também que essa mudança ajude a dar novos e melhores rumos ao Engenhão, um estádio que ao longo de sua história ainda não conseguiu cativar os torcedores cariocas e que leva a fama de não atrair o público torcedor.
Bocas maldosas o apelidaram de "vazião".
Tentei buscar dados concretos que corroborassem ou não com essa fama e encontrei alguns interessantes:
Segundo Martin Curi, no ano de 2009, a média de público do Botafogo no campeonato brasileiro foi de 17.890 uma média que nesse ano superou a média nacional de 17.800 (CURI, 2012, 152)
Porém, dados mostrados no Blog do Juca indicam que no que se refere aos clássicos cariocas, o Maracanã é mais frequentado que o Engenhão:
(Fonte:http://blogdojuca.uol.com.br/2013/11/maracana-goleia-o-engenhao-ate-mesmo-em-gols/)
- O estádio é longe
- É difícil de chegar ao estádio
1. "O Engenhão é longe".
Longe em relação a qual lugar?
Longe, no Rio de Janeiro, significa antes de tudo estar fora da zona sul, lugar muitas vezes tomado como parâmetro que mede o que fica longe e perto na geografia carioca. Longe geralmente são consideradas as zonas suburbanas, como aquela em que se localiza o Engenhão.
É provável que se o estádio fosse localizado na Barra da Tijuca, a reclamação da lonjura fosse praticamente inexistente. Embora seja um bairro que esteja fora do circuito zona sul, trata-se de um lugar que ocupa lugar privilegiado no imaginário carioca.
2. "É difícil chegar ao estádio"
Ora, o estádio localiza-se em frente a uma estação de trem e à beira da Linha Amarela, uma via expressa que corta a cidade. Isso sem falar da boa oferta de ônibus do entorno cujos destinos variam de Madureira a Copacabana.
Ir de carro não é nada aconselhável, embora conte com estacionamento, trata-se de um espaço que não comporta muitos carros e cujo preço pode ser salgado.
Ir de carro, aliás, não é aconselhável para a grande maioria dos estádios não só do Brasil.
Então qual o problema do Engenhão
O que ocorre com o Engenhão é que ele ainda não conseguiu adquirir uma espécie de aura como ocorreu com Maracanã, o que ainda não possibilitou a criação de elos afetivos entre a comunidade torcedora e o estádio.
Mais uma vez recorro a Curi: "Este estádio [o Maracanã] tem história, atmosfera, 'mana'. Ele é conectado como um lugar mágico à comunidade local (...) enquanto o Maracanã se tornou um lugar, o Engenhão continua um espaço" (154)
Mais uma vez recorro a Curi: "Este estádio [o Maracanã] tem história, atmosfera, 'mana'. Ele é conectado como um lugar mágico à comunidade local (...) enquanto o Maracanã se tornou um lugar, o Engenhão continua um espaço" (154)
O Maracanã levou tempo para criar esse capital simbólico que lhe confere um lugar quase sagrado no imaginário futebolístico nacional que o faz ser chamado de templo.
Nada impede que um dia o Engenhão consiga status próximo e para que isso ocorra é importante nos despir de certos preconceitos que como tal são fundados em estereótipos e falta de informação.
Creio que as Olimpíadas de 2016 podem contribuir para reconfigurar a imagem do Engenhão e torná-lo uma praça esportiva importante e, sobretudo, usada no Rio de Janeiro.
Creio que as Olimpíadas de 2016 podem contribuir para reconfigurar a imagem do Engenhão e torná-lo uma praça esportiva importante e, sobretudo, usada no Rio de Janeiro.
O JOGO: FLUMINENSE X VASCO
Cercando o Engenhão temos ruas muito movimentadas em dias normais e que em dias de jogo podem ser trafegadas com toda tranquilidade a pé:
A arquitetura do bairro Engenho de Dentro é típica dos subúrbios cariocas, abrigando casas de família, muitas das quais que se abrem para a venda de comida, bebida, camisas de clube etc.
Ao lado das casas tipicamente suburbanas nascem condomínios residenciais, paisagem que tem se tornado típica nos bairros vizinhos e que provavelmente também são estimulados pela chegada das Olimpíadas de 2016
Vi muitas placas de "vende-se" nos arredores do Engenhão, o que pode indicar muitas explicações que variam desde a insatisfação com o local ou a tentativa de aproveitar alguma possível valorização do bairro devido ao Engenhão e às Olimpíadas:
Sempre que vou ao Engenhão como salsichão e tomo cerveja sentada no meio fio da rua, enquanto observo a chegada dos torcedores. Essa atmosfera típica de ruas do subúrbio confere ao Engenhão um ambiente receptivo que, entretanto, não exclui o caos provocado pelo trânsito e pela multidão circulante.
Já a bilheteria do Setor Sul embora mais cheia, também estava tranquila
Bem... como podem perceber comprei ingressos para o lado Leste, destinada a torcida do Vasco.
NO ESTÁDIO....
Por fora e por dentro, o Engenhão está cercado de maquinarias e de claros sinais de que se trata de um estádio que embora novo já está com cara de velho:
Esses telões já foram modernos... hoje um deles está apagado
Isso aqui já foi uma pista de atletismo..... e espero sinceramente que volte a ser
COMO UM ESTÁDIO PODE SER DESCONFORTÁVEL E A PERIGOSA EXALTAÇÃO DA AUTORIDADE DESMEDIDA
Um fenômeno interessante e preocupante se fez presente no jogo do último domingo.
Cerca de 127 torcedores foram presos devido a possível envolvimento com brigas antes e depois da partida entre Fluminense X Vasco
Me assusta ver a indiscriminada celebração que grande parte da imprensa fez dessas prisões, sendo que alguns dos torcedores foram encaminhados para o presídio de Bangu 10, acusados de formação de quadrilha.
Ainda me impressiona como no Brasil há um gosto por políticas autoritárias e abusivas.
Ainda me impressiona como no Brasil se confunde segurança e justiça com prisão.
É importante lembrar que o Brasil é um dos países em que mais se realizam prisões no mundo, mas prisões de pessoas que cometeram delitos pequenos e que somente contribuem para superlotar as penitenciárias do país.
Longe de ser favorável a violência, sou menos favorável ainda a modos pouco planejados de combatê-la, e, especialmente, da ausência de uma política que vise preveni-la.
Li recentemente o artigo "Administrar a violência nos estádios da Europa: quais racionalidades", da jurista e criminóloga francesa Anastassia Tsoukala. Esse texto foi publicado no livro Hooliganismo e Copa de 2014 (organizado por Bernardo Borges Buarque de Hollanda e Holoisa Baldy Reys).
Domingo, no Engenhão, lembrava das preocupações de Anastassia no que diz respeito aos excessos cometidos em alguns países da Europa, na ânsia de deter o hooliganismo:
A banalização de um clima de escalonamento e radicalização, portanto, acabou por afastar formalmente qualquer abordagem alternativa, potencialmente centrada sobre atores sociais além dos agentes de segurança , ou mesmo sobre os torcedores, com atores capazes de desenvolver mecanismos de autorregulação ou capazes de erigir como interlocutores valiosos aos olhos dos tomadores de decisão. Lutar somente contra os sintomas do hooliganismo, enfim, acabou por focalizar as políticas de controle sobre o único objetivo de proteger a ordem pública em detrimento da ordem democrática (2014, 29)
É bom atentar para o fato de que esta ponderação se faz em relação a países como França e Inglaterra que de fato possuem instituições voltadas para o planejamento de ações e preparo de pessoas para atuarem em estádios de futebol.
Não é o caso do Brasil.
Embora seja importante ressaltar o trabalho do GEPE, esse grupamento ainda não conta com o aparato necessário a torná-lo apto a atuar junto à multidão.
Infelizmente no Brasil, segurança em estádios confunde-se com confronto e com a notável tendência de criminalização do torcedor.
Estádios desconfortáveis são aqueles em que temos que torcer diante de um policiamento munido de cassetete pronto para ser usado caso qualquer comportamento considerado nocivo à ordem seja adotado.
Esse mesmo policiamento é válido dizer que é mal remunerado e mal preparado para atuarem junto à multidão. São portanto parte componente de um mecanismo de retroalimentação da violência.
Voltando para casa, consegui pegar um ônibus por pura sorte e ao longo do trajeto, enquanto o veículo esteve na rota de torcedores, não parou para nenhum passageiro entrar.
Estamos à beira da criminalização do ato de torcer.
E não é suficiente afirmar que isso se deve ao comportamento das torcidas organizadas, porque sequer sabemos exatamente o que são e quem compõe esses agrupamentos que existem desde a década de 70, no Brasil, e precisam ser compreendidos para além do rótulo da violência.
Sim, tenho tido certo desgosto de ir a jogos de futebol, porque são muitas as violências que são cometidas: os altos preços de ingressos, o baixo nível da qualidade das partidas, muitas vezes provocado pela discrepância financeira entre os clubes, as inúmeras proibições a entradas de faixas, bandeiras, camisas, a truculência do policiamento e sua falta de preparo.
O futebol brasileiro está mesmo com cupim:
"E se não se gasta com choques,
mas de dentro, tampouco explode.
Tudo ali sofre a morte mansa
do que não quebra, se desmancha"
A cultura torcedora precisa ser respeita e não reduzida a um conjunto de normas muitas vezes arbitrárias que muitas vezes ferem as bases de uma sociedade democrática.
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