sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

No meio da estrada. Los Larios e o estádio-condomínio


Finalmente consegui assistir a um jogo em Los Larios. E devo agradecer imensamente a meu querido Everton que foi meuorientando na Graduação e hoje é amigo querido de pesquisa e do futebol. Graças a ele pude contar com uma carona que me levasse até Xerém. Desde que comecei a visitar estádios, nunca havia reunido condições de chegar a Los Larios. Quando digo condições faço referência a disponibilidade de tempo e,sobretudo, a possibilidade de contar com um transporte que me levasse com segurança até o estádio cuja acessibilidade não é das melhores.

Após a construção do arco metropolitano a ida a Los Larios ficou bem simplificada para quem pode dispor de moto ou carro. Chegar lá de transporte público não é nada fácil. É necessário saltar na Praça da Mantiqueira, em Xerém, e pegar o único ônibus que passa em frente a Los Larios. Esse ônibus circula em intervalos de uma em uma hora. Confesso que nunca tive coragem de enfrentar esse tipo de viagem. Obviamente sei que muitas pessoas fazem esse percurso diariamente, mas elas conhecem o local e eu não.

A única linha de ônibus que passa em Los Larios

Los Larios foi inaugurado em 2009 com capacidade para cerca de 6 mil torcedores e, em março de 2015, bateu recorde de público ao receber 5088 pessoas no jogo Flamengo 3 x Tigres 1. Porém, esse número é uma exceção explicada pelo fato de se tratar de um jogo do Flamengo, realizado às 16h (o detalhe do horário é importante),

Segundo algumas reportagens sobre essa partida, houve longo engarrafamento devido ao número de carros estacionados na estreita pista que dá acesso ao estádio.

Em 2016, 335  pessoas pagaram para ver Botafogo x Juazeirense (BA), em Los Larios, um dos menores públicos da história do Alvinegro carioca. O jogo foi realizado às 21h30min e esse fator me parece fundamental para explicar que tão pouca gente tenha se aventurado a ver aquela partida.

 Mesmo para quem tem veículo próprio, deve-se considerar que a estrada do Rio Douro, onde se localiza o estádio, é escura e oferece riscos a quem nela trafega.


Em frente ao estádio Los Larios. Estrada do Rio Douro. Xerém, Duque de Caxias. Foto Leda Costa

Quando penso em estádio, me vem à cabeça o quanto é importante que se possa chegar nele de transporte público. Esse tipo de transporte evita engarrafamentos e torna mais democrático o acesso ao local. Estádios precisam ser frequentados, pois somente assim conseguem ganhar significados que os tornem algo além do que uma arquitetura qualquer.

É válido lembrar que Los Larios também é o CT do clube Tigres do Brasil e diga-se de passagem um CT que aparentemente oferece boa estrutura de trenamento.


Entrada de Los Larios. Foto Leda Costa


Vista do interior. Foto Leda Costa

Foto Leda Costa

Lanchonete. Foto Leda Costa

. Foto Leda Costa

 Foto Leda Costa



Porém a impressão que tive em Los Larios é a de que estava dentro de um daqueles condomínios típicos da Barra da Tijuca. Com tudo limpo, arrumadinho e uma ostentosa entrada. Dentro desse condomínio há um estádio - não sei se esse é o nome ideal - que recebe os jogos do Tigres do Brasil.

O nome do estádio é em referência a família Larios, com destaque para Miguel Larios dono da Poland Química e que, em 2004, fundou o Esporte Clube Poland Brasil que, em 2005, virou Tigres do Brasil. 

A troca de nome é explicada no site do Tigres: "Construiu-se uma MARCA com potencial para ser trabalhada em todo o mundo: o TIGRES é um ícone identificável mundialmente e que agrega valores de força, garra e competitividade, necessários ao futebol." 

Há toda uma lógica claramente empresarial que cerca a fundação do Tigres (com episódios meio escusos) que ao que parece nasceu visando o mercado de jogadores e não necessariamente um clube concebido em seu sentido tradicional. Confesso que esse tipo de proposta me incomoda muito, acredito que Vasco, Flamengo, Bonsucesso, Olaria, Portuguesa, São Cristóvão e tantos outros clubes do Rio e do Brasil são muito mais que um simples negócio. 





Uma das coisas que me fez sentir que Los Larios não era somente um campo, foi a presença da torcida da Portuguesa da Ilha do Governador. 


Foto Leda Costa
Foto Leda Costa


Foto Leda Costa

Uma das faixas diz: Hoje temos 90 minutos de vida. Foto Leda Costa


Além da presença da torcida, preciso reconhecer que a arquitetura de Los Larios também permite certas experiências importantes aos estádios como, por exemplo, subir em alambrado. Algo que espero um dia ter forças e destreza motora para fazer.




Foto Leda Costa

Foto Leda Costa

 Com menos um em campo a Portuguesa ganhou o jogo que foi válido pela primeira fase do louco campeonato carioca 2017. Ao final, antes de entrar no carro, ouvi um "tia tira foto da gente!".

Odeio ser chamada de tia, mas atendi ao pedido.


Foto Leda Costa




Até a próxima





sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Esperando El Loco


Loco Abreu está no meio do tumulto de jornalistas. Foto Leda Costa


Há muito tempo não via Moça Bonita tão movimentada e atraindo tamanha atenção da imprensa. Havia jornalistas dos mais importantes veículos de comunicação que por horas - e debaixo de um calor incrível - aguardaram Loco Abreu entrar no gramado do estádio do Bangu, um clube que é um patrimônio do futebol brasileiro. 

Existem jogadores que conseguem, em determinados contextos, provocar esse tipo de furor. Loco Abreu é um deles. Em grande medida sua conflituosa relação com a imprensa, no Brasil, é fator fundamental para a configuração de uma imagem rebelde que costuma cativar torcedores por mostrar pouca subserviência em relação a algumas expectativas midiáticas. 

Porém, remar contra a maré da imprensa parece que gera mais interesse. Loco ainda é notícia. Sem me deter em classificações tais como herói, ídolo, celebridade, Loco é antes de tudo um personagem sofisticadamente construído por um conjunto de elementos que incluem seus feitos em campo e uma série de outros agentes da maquinaria do espetáculo que se transformou o futebol. 

Meu amigo Juan Silvera, em breve, defenderá uma dissertação sobre a passagem do Loco pelo Botafogo, enfocando seu processo de construção enquanto ídolo da torcida alvinegra.  O uruguaio marcou sua trajetória no clube carioca com a decisiva participação no título Estadual de 2010 com direito a uma cobrança de pênalti ousada, para fazer jus ao apelido Loco que lhe deu fama por onde passou.

Bernardo Buarque de Holanda já demonstrou o percurso por intermédio do qual o torcedor foi uma figura concebida como um ser irracional, o que fez com que o torcer se tornasse um gesto visto com certa inferioridade se comparado a outras modalidades de espectador.  

Embora ainda persistam certos estereótipos negativos derivados do "mito do torcedor irracional", os excessos da paixão, a loucura e tudo aquilo que transcende o limite do comedimento tem sido cada vez mais apropriado como marca identitária importante usada para singularizar o perfil de alguns agrupamentos torcedores.

A figura de El Loco Abreu cai como uma luva para os dias de hoje.  Muitas músicas que embalam, sobretudo, as chamadas torcidas de alento, têm como mote principal a celebração da loucura e das manifestações de emoções extremas. 

A torcida de alento Castores da Guilherme, do Bangu, diz:

"Somos a banda louca do Proletário/que segue o alvirubro sem, pedir nada/ mesmo sem o resultado/vamos cantando/Bangu apesar de tudo sigo te amando e te apoiando."

O que não falta nas arquibancadas do Brasil e de fora é uma "banda louca". Há nesses grupamentos ares que vem lá do Romantismo, da Contracultura, de parte do Modernismo no Brasil e outros tantos movimentos artísticos, ou não, que exaltaram a semântica da irracionalidade e, por extensão, da autenticidade. 

Loco Abreu é o tipo de jogador que se adéqua muito bem a esse imaginário.

 Se a qualidade técnica nem sempre é o seu forte, Loco mostra postura passional nos times que joga, deixando claro seu apego às vitórias com atuações em que demonstra entrega ao jogo. E além disso, Loco costuma fazer gols importantes, o que sem dúvida é fator decisivo para a boa relação que costuma manter com os torcedores. Gols importantes como aquele que ajudou a classificar o Uruguai para a Copa de 2010. As chuteiras desse jogo estão no Museu Centenário, no Uruguai, o que dá mostras da importância de Loco na história recente do futebol celeste.



Museu do Futebol. Estádio Centenário, Uruguai. Foto: Leda Costa. 

Por esse e outros fatores Loco costuma causar expectativas em muitos clubes onde chega.  Foi assim no Botafogo, no Figueirense e, recentemente, no Bangu. 

Loco Abreu é também uma "marca"  capaz de capitalizar a atenção de torcedores e dirigentes  que dele fazem elemento fundamental de estratégias de marketing. 

No caso do Bangu, o plano de marketing foi bem pensado. Loco vestirá a camisa 113 em referência a idade que o clube completará em 2017 e em referência ao número que supersticiosamente o jogador adotou como um dos seus amuletos. 


A camisa 113 foi ostentada por vários torcedores no dia da apresentação do jogador


Foto Leda Costa


Outro interessante fenômeno diz respeito a adoção do Uruguai como uma espécie de segunda pátria. Se muitos botafoguenses vestiram a celeste, creio que não será diferente com os banguenses.


Foto Leda Costa

Enquanto Loco Abreu não chegava, cada um se distraía da melhor maneira possível



Foto Leda Costa

Foto Leda Costa

Foto Leda Costa




Foto Leda Costa

Por volta das 12h20, quando a vida parecia impossível em Moça Bonita, Loco Abreu apareceu, sendo festivamente recebido pela torcida


Foto Leda Costa



No alambrado. Foto Leda Costa

Foto Leda Costa



Foto Leda Costa
  

Foto Leda Costa
Loco passou por mais de 20 clubes, espalhados pelo mundo, o que me permite pensar que trata-se de um exemplo de jogador plenamente inserido na dinâmica da mobilidade, categoria fundamental para a história do Ocidente. Mover-se mostrou-se tema caro às vanguardas do século XIX, e está diretamente relacionado à invenção de objetos como automóvel, assim como à invenção dos esportes modernos.

Se o constante fluxo de objetos é marca de uma cultura internacional  popular, para fazer uso de um termo de Renato Ortiz, chegamos ao incessante fluxo de pessoas que por prazer ou obrigação têm suas vidas marcadas por partidas e retornos.

E nas idas e vindas de Loco, chegou a vez do Bangu. 



domingo, 1 de janeiro de 2017

Minhas publicações


Livros

Sinopse: Os artigos reunidos e organizados desenvolvem uma análise reflexiva acerca do futebol e suas singularidades como fenômeno e símbolo da modernidade, catalizador de interconectividade mundial.  Segundo os autores, a Copa do Mundo, considerada um dos episódios mais significativos na história do esporte, e em especial no Brasil, historicamente vem se consolidando como instrumento potencializador de rearticulações políticas, de sentimentos nacionalistas e de valores cívicos

Coleção Biblioteca Eduff
Autores: Carlos Henrique Biscardi, Leda Costa e Martin Curi
Páginas: 192
Peso: 0,310 kg
ISBN: 978-85-228-0841-0
Eduff
2013


Capítulo de Livro 

1.

COSTA, Leda. 1982: lágrimas de uma geração de ouro. In: HELAL, Ronaldo; CABO, Álvaro do. Copas do mundo: comunicação e identidade cultural no país do futebol. RJ: Eduerj, 2014.



2. 

COSTA, Leda. Os heróis e os vilões do futebol. In: HOLLANDA, Bernardo Buarque do Holanda.  Desvendando o jogo. Nova luz sobre o futebol. Rio de Janeiro: FGV, 2013.


3.  


COSTA, Leda. Beauty, effort and talent: a brief history of Brazilian women’s soccer in press discourse. In: CURI, Martin. Soccer in Brasil. NY: Taylor & Francis, 2015




4. 



COSTA, Leda. Transumanismo esportivo? O corpo olímpico em questão. In: MONTEIRO, Maria Conceição; GIUCCI, Guillermo. Desdobramento do Corpo no Século XXI. Rio de Janeiro: Caetés. 2016.


4. 


COSTA, Leda. Futebol e gênero no Brasil: comentários a partir do filme Onda nova, In: MELO,  Victor Andrade de; ALVITO, Marcos. Futebol Por todo mundo. Rio de Janeiro: FGV. 2006






Artigos



1. COSTA, Leda. Maracanazo, adeus? Da tragédia de 1950 a vergonha de 2014 nas narrativas da derrota da seleção brasileira na imprensa. Tríade. Comunicação e Cultura. Junho de 2016 (http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/triade/article/view/2472)





2. COSTA, Leda. Beauty, effort and talent: a brief history of Brazilian women’s soccer in press discourse. Soccer & Society, 15:1, 81-92, 2015.  DOI: 10.1080/14660970.2013.854569 (http://dx.doi.org/10.1080/14660970.2013.854569)




3. COSTA, Leda. O que é uma torcedora? Notas sobre a representação e auto-representação do público
feminino de futebol. Esporte e Sociedade, Ano 2, número 4, Nov2006/Fev2007 (disponível em:
http://www.uff.br/esportesociedade/pdf/es405.pdf)





4. COSTA, Leda. Marias-chuteiras x torcedoras “autênticas”. Identidade Feminina e futebol. Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006.




5. COSTA, Leda. Quem matou o futebol brasileiro? A novela da copa do mundo de 2014 na cobertura do jornalismo esportivo. Eptic. Vol. 18, nº 1, janeiro-abril 2016. ISSN 1518-2487





6. COSTA, Leda. Futebol folhetinizado. A imprensa esportiva e os recursos narrativos usados na construção da notícia (Football in feuilleton. The sporting press and the narrative resources used in the construction of news). Logos 33. Comunicação e Esporte. Vol.17, Nº02, 2º semestre 2010. 






7. COSTA, Leda. Notícias esportivas. Entre o jornalismo e a literatura. Anais do SILEL. Volume 2, Número 2. Uberlândia: EDUFU, 2011.






sexta-feira, 29 de abril de 2016

Estádio Bastos Padilha: do Fla-Flu da Lagoa ao Flamengo e Corinthians do Futebol Feminino


O futebol feminino me proporcionou uma agradabilíssima experiência futebolística. Não somente assisti a um ótimo Flamengo e Corinthians como também tive a oportunidade de pela primeira vez visitar o estádio Bastos Padilha. Popularmente conhecido como estádio da Gávea, sua inauguração data de 4 de setembro de 1938, ano em que o Flamengo consolida sua popularidade ampliada com a contratação dos ídolos nacionais Leônidas da Silva, Fausto e Domingos na Guia.

Enquanto permanecia sentada nas arquibancadas do estádio Bastos Padilha eu lembrava do “Fla-Flu da Lagoa” e pensava também que o futebol – assim como a vida -  é algo absolutamente dinâmico. Afinal, lá estava eu zanzando no clube que tem sua imagem fortemente vinculada a ideia de povo, mas cuja sede e estádio se localizam em uma das áreas mais caras do Rio de Janeiro.

O Rio de Janeiro é uma cidade com características curiosas. Sua geografia, por exemplo, permite que diferentes classes possam trafegar no mesmo espaço físico, sobretudo devido a presença de comunidades localizadas em bairros considerados “nobres”. Esse tráfego, entretanto, longe de gerar proximidade, evidencia a distância que separa os ricos dos pobres. Distancia explicitada, por exemplo, na divisão social do trabalho de locais como Gávea que é colada com a Lagoa e muito próxima do Leblon. Andar nesses locais pode nos fazer sentir como se estivéssemos em uma novela de Manoel Carlos, atuando como coadjuvantes.

Nessa “cidade partida” talvez o futebol – em especial, o Flamengo - seja um dos únicos elementos que perpasse mundos tão díspares. E no dia 12 de abril, nos gramados do estádio Bastos Padilha, localizado em um dos metros quadrados mais caros do mundo, o Flamengo jogou contra o Corinthians na versão feminina do mais popular clássico do país.

Bastos Padilha, o estádio do Fla Flu da Lagoa

José Bastos Padilha foi um dos mais importantes presidentes da história do Clube de Regatas do Flamengo e não sem motivos, o estádio da Gávea oficialmente tem seu nome. Bastos Padilha era empresário do ramo da litografia e começou a carreira elaborando pequenas propagandas de estabelecimentos comerciais, impressos em pequenos cartazes e distribuídos aos clientes. O negócio prosperou e, em 1933, quando assume o Flamengo, Padilha já era um bem estabelecido empresário que mantinha ótimas relações com nomes influentes da alta sociedade, incluindo importantes políticos. Um de seus principais amigos era Mário Filho, também seu cunhado, jornalista que estabelece carreira no jornal O Globo na década de 1930 e que com ajuda financeira de Arnaldo Guinle, Roberto Marinho e Bastos Padilha, compra parte do Jornal do Sports, em 1936.

Padilha esteve à frente do clube em momento fundamental do futebol brasileiro quando da transição do amadorismo para o profissionalismo. É durante sua gestão que a identidade do clube passa por transformações na direção de um projeto que exaltava seu caráter popular assim como intensificava a imagem do clube com representante popular de uma nação. Em 1936, Padilha contrata o habilidoso trio de jogadores negros Fausto, Domingos da Guia e o polêmico Leônidas da Silva que, em 1938, ficaria mundialmente conhecido, graças as suas ótimas atuações na Copa do Mundo daquele ano.

Como parte do projeto de elevação do clube estava a construção de um estádio próprio, já que desde 1932 o Flamengo havia ficado sem campo para mandar as partidas do campeonato carioca. De 1915 a 1932, o Flamengo costumava mandar seus jogos no campo do Paysandu, sediado no bairro das Laranjeiras. O clube Paysandu foi campeão carioca em 1912 e encerrou suas atividades no futebol dois anos depois dessa conquista. A família Guinle que era proprietária do terreno resolve então alugá-lo ao Flamengo que constrói um pequeno estádio no local.  Porém, com o fim do contrato de locação e sem dinheiro para comprar o terreno, o clube se vê forçado a procurar outro lugar para jogar.







Porém, um ano antes, o Flamengo por decisão do decreto municipal de número 3.686, havia ganhado o direito de cessão e aforamento de um terreno que margeava a Lagoa Rodrigo de Freitas. Na época, é válido que se diga que essa área era pouco valorizada, carecendo de maiores investimentos em urbanização. Da sede localizada no bairro do Flamengo, o clube gradativamente vai construindo sua nova casa no bairro da Gávea. Em 1936, as arquibancadas começam a ser erguidas e no dia 04 de setembro de 1938, o estádio foi inaugurado com um Flamengo x Vasco que venceu a partida por 2 a 0.

A inauguração do estádio da Gávea foi recebida com burburinho pelo Jornal dos Sports que com certo estardalhaço comemorou o surgimento de um a nova praça esportiva envolvendo-a com uma atmosfera de promessas de um futuro grandioso. Bastos Padilha não era mais presidente do clube, mas seu nome estava plenamente vinculado ao estádio da Gávea que para ele representava uma ótima conquista não somente para o clube como para o próprio esporte nacional:

Digo ainda e com maior convicção– acentua Bastos – que uma vez completa a obra idealizada, o Brasil terá recebido insuperável campo para Olimpíadas, na qual poderiam ser praticados todos os esportes (JS, 04/07/1938)



Dia da inauguração do estádio da Gávea, Jornal dos Sports, 04/07/1938



Jornal dos Sports, 04/07/1938

Jornal dos Sports, 06/07/1938

Revista Careta 10/09/1938



O tempo mostrou que as projeções de Bastos Padilha não se concretizaram. O estádio permaneceu acanhado em termos de tamanho e tornou-se palco quase que exclusivo das atuações do Flamengo em campeonatos regionais. A partir de 1950, o Maracanã passa a ser o local privilegiado do futebol carioca, em especial do Flamengo que continuou atuando na Gávea em jogos de menor apelo público. Em 1997, o estádio da Gávea deixa de receber jogos profissionais.
O Bastos Padilha protagonizou um histórico clássico imortalizado por Mário Filho como o “Fla-Flu da Lagoa”. A partida que decidiria o campeonato carioca de 1941 estava empatada em 2 a 2, a seis minutos do fim. Após estar perdendo por 2 a 0, o time do Flamengo conseguira igualar o placar, mas ainda precisava de mais um gol, pois caso contrário o título ficaria com o clube das Laranjeiras. Os jogadores do Fluminense então resolveram chutar as bolas na direção da Lagoa Rodrigo de Freitas, em uma desesperada forma de fazer cera.
Entretanto, procurando nos jornais da época, inclusive o Jornal dos Sports e a análise do jogo feita pelo próprio Mário Filho, não é possível encontrar menção alguma às bolas chutadas na direção da Lagoa


Crônica de Mário Filho, Jornal dos Sports, 25/11/1941


Grande parte das polêmicas acadêmicas em torno das obras de Mário Filho se referem à desconfiança quanto a fidedignidade de seus relatos. Por outro lado, tenho a impressão de que sua obra se mantém viva justamente devido a tendência de Mário Filho privilegiar o como contar uma história.  Quando leio Mario Filho, sobretudo aquele Mário que escreve livros como Histórias do Flamengo e O negro no futebol, lembro do que Eric Auerbach falou sobre Homero: "Enquanto ouvimos ou lemos a sua estória, é nos absolutamente indiferente saber que tudo não passa de uma lenda, que é tudo "mentira". A exprobação frequentemente levantada contra Homero de que ele seria um mentiroso nada tira de sua eficiência; ele não tem necessidade de fazer alarde da verdade histórica de seu relato, a sua realidade é bastante forte; emaranha-nos, apanha-nos em sua rede, e isto lhe basta" (A cicatriz de Ulisses. In: Mimesis, p.10).
Em outras palavras, na condição de leitores costumamos ser cativados por histórias bem contadas. E Mário Filho era um ótimo narrador. Os historiadores que me perdoem, mas crônicas como a "Fla-Flu da Lagoa", publicada na revista Manchete Esportiva em 1956, explicam porque Mário Filho foi tão influente em seu tempo:
Noutro campo a história desse Fla-Flu seria diferente. Bola fora volta logo, na Lagoa demorava. E o Flamengo jogou na água guarnições inteiras de remo para apanhar a bola na Lagoa. Parecia que essas guarnições disputavam um campeonato de remo. Apanhavam a bola, mandavam-na de novo para o campo e ficavam n’água, os remos suspensos, os músculos retesados, prontos para quarenta remadas por minuto. Que outra bola havia de vir, e rápida. Enquanto o Fluminense pudesse jogar bolas na Lagoa, não faria outra coisa (...) O Fluminense acabou percebendo que, quanto mais bola jogasse na Lagoa, mais o jogo se demorava a acabar. Aqueles seis minutos poderia durar horas e então ninguém do Fluminense, nem do Flamengo aguentaria. (1994, p.88-89).
O Fla-Flu da Lagoa, ao que parece, é uma imaginativa invenção do jornalista.  Uma invenção com certo de nível de verossimilhança, afinal há de se considerar que o campo do Flamengo naquela época era muito próximo das águas da Lagoa Rodrigo de Freitas.

Fonte: O campo do Flamengo sendo margeado pelas águas da Lagoa. https://flamengoalternativo.wordpress.com/2016/03/02/dossie-gavea-passado-presente-e-futuro-do-estadio-rubro-negro/


Hoje em dia, a versão de Mário Filho seria inviável. Além de o estádio não receber mais Fla-Flus em nível profissional, a Lagoa Rodrigo de Freitas deixou de margear o campo do clube, após passar por novas etapas de aterramento para dar passagem a construção de ruas, intensificadas pelo processo de higienização urbana e de expansão mobiliária que marcou a região na década de 1960. Além do aterramento, houve diversas remoções de favelas na zona sul do Rio. A Favela do Pinto, que ficava ao lado do clube do Flamengo, foi substituída por um conjunto de prédios denominados de Selva de Pedra em alusão a novela homônima que fazia sucesso na TV na época.



Fonte: http://salacristinageo.blogspot.com.br/2013/11/cidade-de-deus-cdd-historia-do-bairro.html?view=snapshot




                                                    Foto Leda Costa. A Selva de Pedra vizinha estádio Bastos Padilha


Hoje não há mais possibilidades de bolas na lagoa, sejam elas inventadas ou não. Entre o campo e as águas há a Avenida Borges de Medeiros e a sede do clube que pode ser vista ao fundo.



Os tempos são outros. Do Fla-Flu de 1941 até os dia de hoje muita coisa mudou, algumas para o bem e outras nem tanto. Mas uma mudança há de se destacar e comemorar, pois se no ano do Fla-Flu da Lagoa, o futebol feminino foi proibido no Brasil, em 2016 lá estava o estádio Bastos Padilha abrigando o clássico Flamengo e Corinthians pela 4a rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino.


Flamengo x Corinthians, campeonato feminino de futebol 2016

Em muitos jogos do campeonato feminino de futebol não existe a obrigatoriedade de venda de ingresso, o que permite que eles ocorram em estádios que não costumam abrir para o grande público, como é o caso do Bastos Padilha. 

Sendo assim, se você gosta de futebol e tem algum tempinho sobrando,  assistir a um jogo das meninas não somente é importante para dar força para essa modalidade, como pode ser uma oportunidade de assistir a um bom futebol em um estádio com história para contar. Em uma tarde de outono, esse é um programa esportivo muito bem vindo. 



O problema é que o outono no Rio de Janeiro pode ter temperaturas bem altas, como foi o caso da tarde de Flamengo X Corinthians. E essa é a parte ruim do Campeonato Feminino: o horário de alguns jogos. O Estádio da Gávea não tem iluminação artificial, por isso, as partidas precisam ser realizadas em horários que considero pouquíssimo adequados tanto para quem pratica quanto para os que assistem. Corinthians e Flamengo, por exemplo, começou às 15h de baixo de um sol escaldante. O Flamengo também costuma mandar seus jogos no estádio Antunes, que pertence ao CFZ (Centro de Futebol Zico), onde há as partidas podem ser iniciadas mais tarde. Porém, sua localização não é nada animadora. Caso não se tenha carro - como é meu caso - o acesso é um tanto difícil.


Mas vamos deixar as reclamações um pouco de lado porque o campeonato feminino este ano tem motivos para comemorar. Clubes importantes do país montaram equipes femininas como Vasco, Flamengo, Corinthians e outros já tradicionais como o Iranduba do Amazonas que tem obtido ótimas médias de público em seus jogos realizados na Arena da Amazônia. Médias maiores que muitos jogos do Campeonato Carioca e infinitamente maiores que as do campeonato masculino de futebol Amazonense. Indatuba x Corinthians realizado em março levou quase 9 mil pessoas às arquibancadas. Indatuba X Flamengo, realizado dia 20 de abril, teve um público de 7 mil pessoas. 


O Flamengo x Corinthians foi assistido por poucas pessoas na Gávea, entre as quais parentes de jogadoras, ex- e futuras jogadoras, assim como pessoas que estavam no clube e resolveram dar uma passada no campo. E quem esteve nas arquibancadas pode assistir a um bom espetáculo futebolístico de dois times com algumas jogadoras que pretendem atuar pela seleção Brasileira nas Olimpíadas de 2016. 















































Da seleção, o Flamengo tinha Maurine e Bia e o Corinthians Letícia e Rafaela Travalão, todas já convocadas pelo técnico Vadão. Elas integram os times graças ao processo de draft adotado pela CBF, desde 2015, com a finalidade de distribuir as jogadoras da seleção brasileira permanente entre os clubes classificados para a segunda fase do campeonato brasileiro.  Além dessas jogadoras o Flamengo também tem atletas experientes como Maycon e Tania Maranhão medalhistas olímpicas em 2004 e 2008. 


O jogo entre as equipes teve uma característica fundamental: não foi morrinhento. As duas equipes estavam de fato interessadas em ganhar o jogo, mesmo debaixo de um intenso calor. O time paulista, entretanto, aos 21 minutos, ficou sem a jogadora Mayara, expulsa depois de tentar dar um soco em uma adversária. Uma jogadora a menos pode significar uma grande desvantagem e foi o que aconteceu com o Corinthians que chegou a estar perdendo o jogo por 3 a 0 até os 37 minutos do 2o tempo. Foi então que o time de São Paulo fez dois gols em 4 minutos e quase conseguiu empatar
.

Final de partida: Flamengo 3 x Corinthians 2. 


O Corinthians em parceria com o Grêmio Audax Osasco, voltou a disputar um torneio feminino após sete anos de ausência, tendo Aline Peregrino como supervisora técnica. Em 2008, o clube paulista chegou a contratar a jogadora Cristiane que havia sido destaque pela seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de Seul. O clube quis montar um clube que fosse campeão do Paulista, o que não aconteceu. Em 2009, o time feminino, já sem Cristiane, chegou a disputar o campeonato Paulista, mas foi desfeito no mesmo ano.  Espero que o Corinthians não desista do projeto de manter uma equipe feminina por causa do insucesso no campeonato brasileiro. 

Essa instabilidade é um dos problemas do futebol feminino no Brasil, mas creio que há esperanças de melhoras futuras, sobretudo, se  clube tradicionais não desistirem de projetos que envolvam o futebol feminino. Creio que essa modalidade não tem mais o que provar quanto a sua importância e a potencialidade de gerar recursos. Certamente que obstáculos existem, em se tratando de um país como o Brasil em que existe uma espécie de monocultura esportiva. Muitos obstáculos enfrentados pelas meninas do futebol são derivados do fato de que em nosso país as atenções se concentram no futebol masculino e um tipo específico de futebol: o espetacularizado, formado pelos clubes mais populares e ricos. 


Mas, ouvir o "vai Corintia!" e o "Vai pra cima deles mengo!" na direção das meninas, sobretudo em um estádio como o Bastos Padilha, é algo que alimenta a esperança de dias melhores para o futebol feminino. 







                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            
Por fim, um repouso antes de voltar para casa




Quase um mês depois desse jogo, o Flamengo se classificou para as semifinais do Campeonato Brasileiro Feminino e creio que o Bastos Padilha seria um estádio ótimo para receber as partidas decisivas do clube da Gávea.