terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Os donos do Estádio: Parque Alfredo Víctor Viera, Montevideo Wanderers


No meu penúltimo dia visita a Montevidéu fui em busca de estádios. Era uma quinta-feira e, portanto, sabia dos sérios riscos que corria de apenas observar os estádios por fora, sem sequer entrar em suas dependências.


Mesmo assim valia à pena tentar. 


Jamais imaginaria que as portas dos estádios e dos clubes se abririam cordialmente para mim e até com certa facilidade, bastando um toque de campainha ou um simples "buenas tardes".


Se eu tivesse melhor senso de localização e me perdesse menos, teria visitado mais estádios. Porém, fico feliz com o que consegui porque não foi pouco. Aliás, foi um baita upgrade no meu currículo futebolístico, afinal estive em dois estádios incríveis, sendo que em um deles consegui a total consagração que é pisar o gramado.

Começo pelo estádio onde apenas circulei pelas arquibancadas e arredores de um clube charmosíssimo, oficialmente fundado em 1902 e que foi o primeiro a levantar uma taça de campeão no Estádio Centenário, em 1931.

E por sinal essa foi sua última conquista. 

Estou falando do Montevideo  Wanderers Fútbol Club ou Los Bohemios, como também são conhecidos.


Montevideo  Wanderers Fútbol Club

113 anos de história futebolística é uma marca incrível. Mas a história do Wanderers se relaciona a tempos mais remotos ainda, já que seu nascimento tem conexão direta com o Albion, o clube mais antigo do Uruguai, fundado em 1 de junho de 1891. 

Alguns jogadores do Albion, liderados pelos irmãos Juan e Enrique Sardeson, insatisfeitos como o clube, resolveram fundar outro. 

Os Saderson integraram o time que representou o Uruguai contra a Argentina, naquele que é considerado, por alguns, como o primeiro enfrentamento entre seleções na América Latina. O Uruguai foi composto quase que completamente por jogadores do Albion, o que mostra sua importância na história do futebol uruguaio

Em pé Enrique Sardeson e sentado Juan Sardeson. Dia 16 de maio de 1902. 

Meses depois desse jogo, dia 15 de agosto de 1902, os Sarderson fundaram o Montevideo Wanderers Fútbol Club cujo nome é inspirado no Wolverhampton Wanderers time que os irmãos conheceram quando visitaram a Inglaterra. 

Fonte:http://www.historicalkits.co.uk/Wolverhampton_Wanderers/Wolverhampton_Wanderers.htm

As cores dos uniformes do Wolverhampton Wanderers não serviram de inspiração para o clube de Montevidéu que desde 1903 adotou as listras pretas verticais sob fundo branco, em homenagem ao Club Atlético Estudiantes, da vizinha Argentina, também conhecido como Estudiantes de Caseros


                                           Estudiantes de Caseros. Fonte: http://mividaporestudiantes.blogspot.com.br/2009/10/resena-historica.html


              
Fonte: http://umgrandeescudeiro.blogspot.com.br/2012/10/argentina-primera-b-metropolitana-201213.html

Com as cores preto e branco, o Wanderers traçou sua história no futebol uruguaio que teve como um de seus principais momentos a conquista do Campeonato de 1931.


Wanderers 1931, campeonato uruguaio, ainda no regime amador. Fonte: http://www.ovaciondigital.com.uy/futbol/bohemio-sensacional.html


Importantes nomes passaram pelo Wanderers entre os quais destaca-se Obdulio Varela, o capitão da seleção Uruguaia, em 1950, e Enzo Francescolli jogador que eu, particularmente, adorava ver jogar pela Celeste. Francescolli foi revelado pelo Wanderers e esse foi o único clube uruguaio no qual atuou:


Fonte: http://imortaisdofutebol.com/2012/05/12/craque-imortal-francescoli/

Em 2014, o Wanderers esteve perto de conquistar o campeonato uruguaio, ao vencer o Apertura e disputar a final com o Danúbio. Mas... os boêmios perderam. 

Uma pena.



Parque Alfredo Víctor Viera

Minha viagem não teve um planejamento necessário para que eu pudesse ter um melhor aproveitamento da vida futebolística do Uruguai. 

Poderia ter feito um estudo mais profundo sobre os estádios no Uruguai, mapeá-los de modo a poder visitá-los em um maior número possível. 

Mas não fiz isso por uma série de motivos que nem vale a pena mencionar aqui.

Porém, independentemente de qualquer planejamento, desde cedo sabia que um desses estádios seria o do Wanderers, localizado no bairro do Prado.

Munida de um mapa e de um péssimo portunhol peguei um ônibus que me deixasse no bairro Prado e após algum tempo consegui chegar lá. O Prado é um pouco afastado do centro da cidade, mas de fácil acesso, não faltando ônibus que passe por lá. 

A prioridade era encontrar o estádio do Wanderers, o que consegui após uma caminhada de 10 minutos, depois de saltar do segundo ônibus que havia pego, já que no primeiro eu perdi o ponto.

O bairro é basicamente residencial e muito arborizado, onde se localiza o Jardim Botânico assim como o Rosedal onde há cerca de 12 mil roseiras. 

Não vi nenhum desses lugares.

Caminhei pelas ruas um tanto vazias perguntando a quem encontrasse, onde ficava o estádio do Wanderers. Não é fácil andar por onde não se conhece, mas sempre encontramos um conforto:







Até que cheguei onde queria 





Então, fui percorrendo o estádio, do lado de fora, e me deparei com as arquibancadas que à primeira vista pareciam ser de madeira. O estádio tem um aspecto frágil, antigo e me pareceu difícil imaginar que ali jogos ainda fossem realizados. 

E são. Muitos jogos do Wanderers pelo Campeonato Uruguaio ocorrem em seu estádio que tem capacidade para 7000 torcedores. Capacidade pequena, mas a torcida do time não é grande e, provavelmente, não conseguiria ocupar o estádio inteiro.







À primeira vista, as arquibancadas pareciam de madeira, como estruturas montadas para serem provisórias. Puro engano. O estádio do Wanderers foi aberto ao público, em 1933, e embora não possa afirmar se na época ele já possuía essa mesma estrutura de hoje, suas arquibancadas são de cimento, o que me parece ser um tipo de material cujo uso indica pretensão de durabilidade.

E o estádio está lá, resistindo ao tempo e as dificuldades do futebol uruguaio que há alguns anos não poupa nem mesmo os poderosos Nacional e Peñarol da crise. 

Imagina times como o Wanderers, tradicionais no que se refere ao fato de ter 113 anos, mas que há mais de sete décadas não conquista um título de campeão uruguaio da primeira divisão. Não deve ser fácil.

Mesmo assim o clube se mantém, na medida do possível 

E tive a impressão de que os torcedores ajudam a preservar o Wanderers de pé. 






















Essa homenagem é para Maxi Olivera, capitão do Wanderers, camisa 13.







Vagabundos é como a torcida do Wanderers costuma ser conhecida, em alusão à tradução do nome do clube. Não tive a oportunidade de conhecê-los em um jogo, mas espero que um dia consiga essa proeza.

Mesmo estando ausentes e mesmo do lado de fora do estádio,  a presença dos vagabundos é bastante marcante. Isso me deu a certeza de que aquele estádio de aparência frágil e antiga, tinha vida futebolística forte. 

O Parque Alfredo Viera me pareceu um lugar do qual a torcida se havia apoderado, deixando claras suas marcas do lado de fora, o que achei particularmente fascinante. 

É certo que muitos podem achar que é descuido, deixar à vista de todos, diversas marcas que vão desde belos grafites, saudações a jogadores, xingamentos aos adversários e o escudo do clube.

Eu interpretei tudo isso como sinal de que o estádio Alfredo Viera pertencia aos torcedores do Wanderers que como gatos demarcaram seu território. 





O ESTÁDIO POR DENTRO

Toda vez que avistava uma brecha eu olhava e tentava ver como era o estádio por dentro. Tentava tirar foto e ver se havia algum modo de entrar, meio que sorrateiramente.

Pensei então na possibilidade de bater a porta do estádio e pedir a gentileza de me deixarem entrar, rapidamente, somente para conhecer as dependências. Imaginei que o fato de ser estrangeira me ajudaria nessa missão.


Andei, andei, andei e não encontrava viva alma por perto. Fiquei preocupada de o clube estar vazio. Foi então que vi um interfone meio escondido ao lado de um grande portão de madeira.

Respirei fundo e apertei o botão.

Ouvi uma voz e não pude entender exatamente o que me dizia, mas imediatamente respondi, em Português mesmo, que eu queria muito visitar o estádio.

Só ouvi o barulho do portão se abrindo.....




Entrei e fui recebida por simpático moço chamado Alejandro que parecia desempenhar funções diversas no clube, entre as quais abrir o portão.

Me apresentei como brasileira apaixonada por futebol e que queria muito conhecer o Wanderers. Cordialmente Alejandro me deixou à vontade para percorrer as arquibancadas do estádio. 

Os jogadores haviam acabado de treinar e alguns pegavam suas roupas penduradas em um varal que se esticava próximo a uma das arquibancadas. Outros já estavam prontos para ir embora.

Dois cachorros latiam sem parar, provavelmente estranhando minha presença. Lati um pouco pra eles também e fui desbravar o Parque Alfredo Victor Viera.



Do estádio pouco soube de sua história. Não encontrei fotos da inauguração, nem mesmo no site oficial do clube Wanderers. Mas encontrei algo inusitado: um código de conduta disponibilizado pelo clube que contém uma série de regras a serem cumpridas pelos frequentadores do estádio.

Achei curioso porque o estádio me pareceu tão pouco formal, a começar pelo fato de me deixar entrar sem sequer pedir identificação. Além disso, não encontrei documento parecido para o Centenário e nem o Gran Parque Central, do Nacional.

O código é para dias de jogo e pelo que pude perceber trata-se, sobretudo, de uma preocupação com possíveis punições vinda da AUF em caso de incidentes. 

O documento pode ser acessado no site do Wanderers (http://mwfc.com.uy/wp-content/uploads/codigo_conducta.pdf) mas adianto algumas de suas recomendações,  que me chamaram atenção, especificamente, as que se referem aos objetos proibidos:


e) Lienzos, pancartas, banderas, símbolos o leyendas que inciten a la violencia, a la xenofobia o con expresiones injuriosas, políticas, religiosas, o que por su tamaño obstaculicen la visibilidad del espectáculo del público asistente, o dificulten el control de la seguridad del espectáculo de fútbol profesional.

f) Astas o mástiles de banderas de madera, metal, o plástico, paraguas con puntas metálicas y punzantes. 

g) Bebidas alcohólicas, drogas o cualquier otra sustancia psicotrópica, estupefaciente, estimulantes, o similares.

 h) Punteros láser o similares.

 i) Rollos de papel, papel picado, o similares

(http://mwfc.com.uy/wp-content/uploads/codigo_conducta.pdf)

O item e) me parece interessante já que mostra preocupação com manifestações preconceituosas, um problema com o qual todos devemos nos preocupar, afinal estou cansada de ouvir por aí que nos estádios tudo é permitido. Pensar assim é pressupor que o futebol está à parte da sociedade, o que seria um imenso equívoco. 

Por outro lado me preocupa itens como o i) em que se proíbe o uso de objetos que considero parte importante da festividade torcedora e que não consigo imaginá-los como passíveis de por em risco a segurança alheia. Para mim trata-se de um excesso de controle do torcer.


Mas voltando ao estádio ...



















Essa placa mostra a importância dos sócios para o clube que, como já disse, tem torcida pequena, Em 2015, houve um reforço na campanha para aumentar o número de associados do clube, nela o torcedor que conseguisse atrair novos sócios ganharia prêmios variados de acordo com o seu desempenho


Fonte: http://www.elgraficochile.cl/la-novedosa-campana-de-club-uruguayo-para-captar-socios/prontus_elgrafico/2015-09-03/174737.html


Achei ótima a ideia de ceder o nome do estádio a quem conseguisse levar mais sócios para o Wanderers. Se eu fosse torcedora faria o possível para conseguir essa marca e alguns já conseguiram

Fonte: https://mwfc.com.uy/











Um símbolo do clube




E eu debaixo das arquibancadas...



Fim de visita. 

Agora é esperar a oportunidade de voltar em dia de jogo.


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