Sábado dia 24 de maio foi a final da Champions League entre Real Madri e Atlético de Madri.
Nesse mesmo dia Tigres do Brasil X Goytacaz se enfrentariam em Los larios em disputa válida pela semifinal da Taça Corcovado, série B, do Campeonato Carioca.
Minha pretensão inicial era ver Tigres X Goytacaz, mas olhando no mapa e lendo alguns comentários de torcedores a respeito da acessibilidade de Los Lários, me pareceu ser muito complicado chegar a esse estádio. Não tanto pela distância, afinal já fui a Campos ver jogo.
Mas pelo que li - e posso estar equivocada - o acesso a Los Lários é bastante dificultosa, sobretudo pelo fato de poucas conduções passarem pelo local. A única saída seria ir de carro, mas isso não me seria possível.
Por isso decidi ficar na minha.
Então pensei em assistir a Final da Champions em algum bar, que também não me interessou muito.
Sabia que Martin, iria assistir a esse jogo em um cinema. Então pensei que podia fazer o mesmo, sendo que o único problema era o tempo, pois pelo que havia lido sobre o assunto, muitas salas de cinema já estavam com sua lotação esgotada.
Com sorte consegui um dos últimos lugares em uma das salas de cinema.
Eu não vou a cinema há algum tempo porque o acho caro demais, porém como se tratava de uma experiência que não poderia repetir pelo menos durante um longo período, resolvi comprar as entradas.
As entradas aliás tinham preço próximo aos de um estádio e certamente eram mais caras que as pagas para se assistir a um filme.
Mais uma vez repito: fui movida pela curiosidade de pesquisadora, sobretudo, de experimentar assistir a um jogo no cinema.
FUTEBOL NO CINEMA
A relação entre cinema e futebol se dá sobretudo no que diz respeito à produção fílmica sobre esse esporte. O cinema não é um espaço pensado para se assistir a uma partida de futebol, pelo menos nos dias de hoje.Quando ele televisão ainda não havia sido inaugurada, o cinema chegou oferecer à população um modo de ter acesso às imagens das Copas do Mundo.No caso do Rio de Janeiro, na Copa de 1950, o Cineac Trianon exibiu trechos de jogos filmados
Cineac era uma sala de projeção, mas que se diferenciava dos cinemas no que diz respeito ao conteúdo exibido. Cineac era uma mistura de cinema e atualidade (“cinéma” e “actualités)
No Cineac Trianon, no Rio de Janeiro, costumava-se valorizar as chamadas “sessões passatempo”, nas quais se exibiam documentários curtos, desenhos animados, seriados etc.
Fonte: http://www.historiasdecinema.com/wp-content/uploads/2014/05/Captura-de-tela-2014-05-15-às-16.00.291.png |
Fonte: http://www.historiasdecinema.com/2014/05/sessoes-passatempo-no-rio-de-janeiro-nos-anos-40-50/ |
Com alguns dias de atraso, em 1950, por exemplo, o Cineac Trianon passou filmes de alguns jogos da Copa realizada no Brasil. No dia 07/07/1950 o Jornal dos Sports anunciou que as filmagens da Copa realizadas por Milton Rodrigues - irmão de Mário Filho - seriam exibidas no Cineac Trianon, localizado na Cinelândia, Rio de Janeiro.
Mas com a popularização da televisão que possibilitava a transmissão ao vivo,e sua evolução tecnológica ela se transformou no mais importante veículo de comunicação para o futebol.
Para que possa transmitir uma partida de futebol também foram necessárias algumas transformações tecnológicas, sobretudo no que diz respeito à possibilidade de se exibir nas tela uma transmissão ao vivo.
No Brasil a Champions League foi exibida no cinema fazendo-se uso da tecnologia denominada de Cinelive, em parceria com o canal esportivo ESPN.
A final entre Real Madri x Atlético de Madri foi a quarta consecutiva usando-se as salas de cinema como local de projeção. No ano passado, segundo o Site da ESPN a transmissão para as salas de cinema foi um sucesso de público que lotaram - segundo os dados fornecidos pela emissora - as 52 salas de cinema espalhadas por 28 cidades do país, totalizando 10 mil espectadores.
Em 2014, posso responder pelo cinema no qual assisti a final e posso dizer que de fato ele estava lotado.
FUTEBOL NO CINEMA: UMA EXPERIÊNCIA
Fui ao cinema ver a final da Champions League acompanhada do meu amigo Marcos, que vive me perguntando o que eu vou fazer em jogos tipo Olaria x Bangu, ou porque assisto jogos que segundo ele "não têm importância".
A exceção dos jogos do Vasco, dos jogos clássicos do futebol Inglês e da final da Champions League, Marcos considera irrelevante o restante dos jogos, sobretudo os que envolvem times que estão fora do circuito consagrado do futebol brasileiro.
Ele adora cinema e aceitou o convite para irmos ver à final da Champions.
Assisti à final em um cinema de Botafogo, onde também era exibida parte da programação do Cinefoot que é um festival de cinema sobre futebol (http://www.cinefoot.org/)
Já na entrada a taça do festival era exibida:
Foi bastante interessante e aconchegante esse clima de futebol que permeava o cinema, com essa mistura do público do festival e do público que ia assistir ao jogo
Especificamente no que diz respeito ao público que ia assistir ao jogo reinava um clima bastante diferente do que se costuma ver e sentir nos grandes clássicos.
Certamente essa calmaria se dava pelo fato de que o clássico em questão era Real Madri X Atlético de Madri, ambos times que atuam fora do Brasil.
Essa distância espacial dificulta alguns aspectos importantes ao engajamento emocional que caracteriza o que Arlei Damo chama de pertencimento clubístico que diferentemente do torcer simples pode ser compreendido como "uma modalidade de envolvimento intensa" (Do Dom à profissão. A formação de futebolistas no Brasil e na França, 2007, p.52)
Confesso que a experiência de assistir a uma final da Champions League em um cinema me pareceu estranha, especialmente por me ver cercada de pessoas com a camisa do Atlético de Madri (a grande minoria) e outras com a do Real Madri (a grande maioria) que pagaram cerca de R$ 50, 00 para assistirem a um jogo que envolvem times que muitos conhecem porque nos últimos anos se transformaram em objetos altamente midiáticos.
Times esses que têm em seu elenco jogadores que viraram celebridades mundiais muito próximas das estrelas de cinema.
Nesse aspecto a exibição da final da Champions em um cinema faz pleno sentido, pois há em muitos times a presença de celebridades mundiais que se assemelham em termos de fama e de investimento midiático, aos grandes astros de Cinema.
Mas pensando o futebol e especialmente na configuração de seus torcedores causa muito estranhamento assistir a uma partida de futebol - especificamente a uma final de campeonato que não envolve times brasileiros - em um cinema.
Causa estranhamento e curiosidade para se entender o fenômeno.
Lembrei dos escritos de Richard Giullianotti no que diz respeito a mudanças no perfil do público torcedor nos últimos anos. Giullianotti usa a expressão "pós-torcedores" para denominar um tipo de público mais interessado em ver o futebol do que para torcer para algum clube. Nesse sentido, o pós-torcedor se assemelharia a um consumidor interessado em comodidade, segurança para que possam assistir aos jogos.
O público presente no cinema contaram conforto, segurança e com ótimas condições técnicas para se assistir a partida. Afinal a tela de cinema e o sistema de sonorização são ótimos e de fato superam imensamente a televisão.
Tudo isso é compreensível, mesmo assim resta a pergunta: por que torcer - e torcer em um cinema - para um clube que está a milhares de quilômetros de distância e que não integra o cotidiano dos indivíduos pelo menos de modo parecido com o que ocorre com os times locais.
Nesse sentido é interessante pensar que o seja possível entender os espetadores presentes nos cinemas como torcedores sim, afinal torcer em seu sentido lato é algo que poder perpassar nosso dia a dia.
As novelas por exemplo, como já comentou Esther Hambúrguer - convoca ao ato de torcer por algum personagem.
Lembro que o beijo entre Félix e Nico, personagens da novela Amor à vida foi recebido com gritos que lembravam ao de uma torcida após um gol.
Mas é difícil imaginarmos a possibilidade daquele forte engajamento emocional característico de um determinado segmento no "espectro do torcer" como afirma Arlei Damo em seu Do dom a Profissão (também importante é sua dissertação de mestrado "Para o que der e vier: o pertencimento clubístico no futebol brasileiro a partir do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e seus torcedores" (disponível em: http://www.laboep.uff.br/acervo/monografias-dissertacoes-teses/memoria-sociabilidade-e-identidade/102-para-o-que-der-e-vier)
Esse engajamento é dependente de uma espécie de "constrangimento" afinal a escolha de um clube pressupões uma adesão tomada como eterna e que pressupõe um sistema de pertenças que sugere, e até mesmo constrange, determinadas atitudes" (Do dom a Profissão, p.55)
Esse tipo de adesão engajada a um clube pressupõe um sistema de sociabilidade em que a proximidade geográfica é importante, especialmente se pensarmos, por exemplo, a sociabilidade e a sociabilidade movida a relações jocosas, tão importantes para a fomentação de sentimentos de pertença a determinado clube.
Essas relações jocosas imperam quando times como Vasco X Flamengo, Grêmio X Internacional, Atlético Mineiro X Cruzeiro, entre outros, se enfrentam.
Acho pouco provável que os torcedores brasileiros de Real, Atlético, Barcelona sejam alvo ou autores de provocações jocosas aos torcedores adversários. Aliás quais seriam esses torcedores adversários aqui no Brasil?
Sendo assim creio que o ato de torcer esteve presente na sala de cinema, porque o caráter agonístico do futebol e dos esportes de um modo geral convocam sentimentos desse tipo.
Porém, mais difícil é pensarmos em pertencimento clubístico.
Não ouvi manifestações efusivas do torcer, muito menos provocações ao adversário.
O máximo que ouvi foi um xingamento ao jogador Diego Costa, chamado de mercenário por algumas pessoas, após o gol do Real Madri.
Ouvi também muitos xingamentos homofóbicos em relação a Cristiano Ronaldo.
Ou seja muitas das atenções se voltavam para determinados jogadores e não exatamente aos times:
Enquanto espetáculo - o que é o caso da final de uma Champions League - o cinema caiu bem
O que pude perceber é o futebol espetacularizado - já presente na Televisão, diga-se de passagem - consumido em uma sala de cinema.
Como torcedora, não achei o cinema um espaço interessante para se assistir futebol e dificilmente se não fosse a Caravana, pagaria para ver um jogo sentada no escuro, com diversos empecilhos para ficar em pé, para gritar, para me mexer.
Aquela perspectiva do torcer participativo que envolve a performance corporal como lembra Roberto DaMatta: “Eu admiro com os olhos e vejo com a mente, mas, para torcer, sou obrigado a usar meu corpo: minhas mãos, minhas pernas, minha
boca e todo meu corpo” (2006: 113).
boca e todo meu corpo” (2006: 113).
É importante destacar um aspecto positivo, a possibilidade de comprar cerveja, algo vetado nos estádios brasileiros.
Alguns espectadores capricharam e levaram cerveja de casa
É possível também levar comida de casa. Martin, por exemplo, levou jiló. Se fosse num estádio....
Na saída os jogos do Cinefoot estavam lá nos esperando...
Enquanto experiência de pesquisadora, ficou a impressão de que há muito que ser estudado no que diz respeito à esfera torcedora, sobretudo essas novas configurações que vem sendo criadas e que permitem fenômenos como esse: sábado, 16h, e uma sala de cinema lotada para ver uma final entre times da Espanha.
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