domingo, 18 de maio de 2014

Se você não é torcedor de futebol, você não sabe o que é amor: Vasco X Oeste


Se você não é torcedor de futebol, você não sabe o que é amor

Que pérola!

Adorei essa frase assim que a ouvi.

Ela foi dita pelo meu amigo alemão Martin enquanto comíamos e bebíamos muito e nos sentíamos privilegiados por estarmos ali juntos e prontos para irmos ver um jogo de futebol

Certamente trata-se de uma frase contestável, como grande parte dos fenômenos que nos cercam. Mas isso não importa tanto.

De fato, ser torcedor de futebol é um modo de experimentar o amor. Um amor difícil de explicar às pessoas que nos rodeiam.

Um amor difícil de explicar para nós mesmos.

Mas particularmente não busco explicações, apenas experimento esse amor que às vezes é bandido, mas que também é um dos mais gratuitos que conheço.

Os pesquisadores costumam tomar cuidado com o amor porque ele pode atrapalhar nossa busca pela imparcialidade e pela fertilidade de ideias na análise dos fatos.

Sim, concordo em grande medida com essa preocupação, por isso tomo sempre cuidado quando o Vasco atravessa minhas pesquisas em algumas ocasiões como a de ontem, sábado, por exemplo.

Sábado dia 10 de maio, dia de Caravana de Boleiros cujo destino de viagem era justamente São Januário, extensão da minha casa, parte integrante da minha vida.

É sempre um grande desafio fazer Caravana com o Vasco e como vocês verão há momentos que me deixo levar.....

E foi nesse trânsito entre torcedora e pesquisadora que a minha Caravana se construiu.
 

Sábado: caí da cama e fui trabalhar

Eu estava um tanto irreconhecível como professora. Apareci em sala de aula como se eu tivesse acabado de cair da cama.

Meus trajes eram bastante diferentes do que eu costumo usar quando dou aula. Estava eu de tênis, camiseta e calça leg. E isso em grande medida se justifica porque não iria dar aula, mas apresentar um trabalho acadêmico em um evento de pesquisa e se justifica sobretudo porque mais tarde teria a Caravana.
Mas até que tentei fazer pose de intelectual

 



Após a apresentação segui viagem com minha amiga Bernardete, em seu possante carro, rumo à estação de trem de Belford Roxo:
 

 

De Bel segui direto par a Central do Brasil para daí seguir para o Angu do Gomes, na Praça Mauá e encontrar com meu amigo alemão Martin autor da frase que dá título a essa Caravana.

Para quem não sabe o Angu do Gomes é antigo e seu idealizador foi João Gomes que vendia esse prato em carrocinhas – cerca de 40 espalhadas pela cidade - que ficaram famosas no Rio de Janeiro nos anos de 1950 e 1960.

Fonte: http://oglobo.globo.com/blogs/juarez/posts/2010/09/21/arqueologia-de-botequim-receita-original-do-angu-do-gomes-326327.asp


Em sociedade com o Português Basílio Pinto, João abriu um restaurante no Largo de São Francisco da Prainha, atrás da Praça Mauá. Porém na década de 1980 o restaurante começou a entrar em crise que culminou com seu fechamento e com o recolhimento das carrocinhas, em 1995.


Em 2009 o restaurante foi reaberto por um dos netos de Basílio Pinto, no mesmo ano da morte de João Gomes. Para quem quiser mais informações, recentemente o e-book  Angu do Gomes: breve relato sobre o prato oficial da noite carioca foi lançado pelas autoras Carolina Amorim e Juliana Dias.
 
A boa fama do Angu do Gomes é altamente justificável porque de fato é um lugar de comida saborosíssima, com ótimo atendimento e localização:















Para começarmos a tarde escolhemos o petisco que concorre ao Comida di Buteco: Churros do Gomes, um churros feito de uma mistura de agrião, costela, farofa e queijo.

A foto é indecente, mas o sabor é maravilhoso

 

 

Seguidos churros provamos o prato mais famoso da casa, o Angu do Gomes que nada mais é do que um angu de milho coberto por  sarapatel,  feito  com  miúdos de porco. Embora pareça pesado o Angu do Gomes é incrivelmente leve e muito saboroso:

 


 Acompanhados de uma saborosa cachaça terminamos nossa orgia gastronômica comendo sobremesas e tomando café.

 

 

 

Assistindo ao jogo do lado de fora do Estádio

 
 



INDO PARA SÃO JANU

A ideia de ir a São Januário foi minha. Ideia nascida quando vendo o jogo Vasco x Atlético Goianiense ouvi um coro de pessoas cantarolando as músicas típicas da torcida do Vasco. Pensei: mas de onde vêm essas vozes? O estádio está fechado para entrada de público. Será que são os dirigentes? Será que houve alguma invasão?

De repente a câmera mostra uma aglomeração de torcedores na porta das sociais do Vasco.

 Era dali que vinham as vozes que eu ouvia.

Pensei que seria absolutamente interessante uma Caravana que registrasse essa experiência um tanto diferente: a de assistir a um jogo do Vasco do lado de fora de São Januário.

Em decorrência da punição recebida por conta dos atos de violência de alguns torcedores no jogo Vasco X Atlético Paranaense, em 2013, os jogos do time Cruzmaltinos quando realizados no Rio de Janeiro, precisam ser com portões fechados.

Inicialmente foram oito jogos de punição, o que posteriormente foi diminuído para seis. Seja como for os vascaínos somente voltarão a entrar em São Januário para assistir a um jogo do time cruzmaltino no dia 19 julho.

Enquanto esse dia não chega o jeito é assistir pela TV em casa, na casa de amigos, parentes ou em um bar nos arredores de São Januário.

Os bares que rodeiam são Januário, são muitos, mas há alguns “points” a serem destacados, como por exemplo, o Bar Guerreiros parada certa em dias de jogo e agora mais do que nunca. Lá se pode torcer bebendo, comendo churrasco e conversando.


Trata-se de um típico momento de socialização entre torcedores, afinal assistir a um jogo em frente ao estádio não tem nada de novidade sendo comum às pessoas que por algum motivo assim preferem ou precisam assistir aos jogos do Vasco.

O que dá sentido especial é o fato de que São Januário está de portões fechados, por enquanto

 De fato foi estranho ver os arredores de São Januário com poucos carros e torcedores:



E sobretudo foi estranho não ouvir o barulho da torcida no estádio.

Mesmo para quem fica do lado de fora, um estádio vazio é algo difícil de aceitar, fato evidente pra mim quando vejo na TV qualquer estádio vazio e que nessa experiência da Caravana se evidenciou mais ainda.

Não discuto se a punição via portões fechados é justa ou não, o que afirmo é que estádio de futebol só ganha significado com a presença dos jogadores e da torcida.

 Futebol não é calmaria.....

 Futebol é tempestade

 

A pequena tempestade de João


Ao nos aproximarmos do Estádio, impressionava ver as ruas vazias.

Não parecia dia de jogo.

Esse aspecto foi melhorando quando chegamos na Rua General Américo de Moura, especificamente no Bar dos Guerreiros, onde se concentrava uma aglomeração de torcedores em torno de duas TVS.

 

 


 

 



Nesses bares havia torcedores assim como gente que não estava nem aí pro jogo por estarem se divertindo com outras atividades ou por estarem mesmo trabalhando, como foi o caso da despachante de uma das linhas de ônibus que fazem ponto naquela rua:
 
 
 
 
 


Entre os que torciam, estavam pessoas que se dividiam entre comer, beber, conversar e comentar o jogo.


 












Jogo aliás difícil de ser assistido graças aos inúmeros passes errados e chutes totalmente tortos. Esse detalhe às vezes pode ser pouco relevante ao torcedor e de fato parece que era, afinal o Vasco precisava vencer nem que fosse por 0,5 x 0.

O início da disputa da segunda divisão não foi nada boa para o Vasco, com atuações medíocres e resultados nada animadores que chegaram a deixar o time nas últimas colocações da tabela.

Por isso, queríamos ver gol do Vasco e não importava tanto em que condições.

O primeiro tempo só não foi mais desastroso porque o time do Oeste – que caiu para a segunda divisão do Paulista – é bastante fraco. Entretanto essa fraqueza do Oeste deixava a torcida apreensiva e preocupada.

No intervalo fui caminhar por perto e dei de cara com uma pelada que certamente estava melhor que o jogo que eu via na TV.

E sob uma luz...

 
 
 
 
 
 





 

Voltei para minha mesa (era só uma mesa mesmo) para assistir ao segundo tempo. Logo nos primeiros minutos fomos abordados por um rapaz que nos perguntou se podíamos dividir nossa cerveja com ele, pois depois ele compraria outra garrafa:


 

Dissemos que sim e como se ele nos conhecesse há anos, começou a falar e falar, a cantar e a puxar o coro da torcida

 




João é morador da Vila do João, comunidade que faz parte do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.

É razoavelmente próximo a São Januário, mesmo assim num dia chuvoso como o de sábado é de se chamar a tenção a disposição de João em ir até o Bar do Guerreiros para ver o jogo.

Não deu para perceber se João é um tipo de cliente assíduo do local, até mesmo porque ele é um tipo de pessoa que trava facilmente trava contato com desconhecidos como se estivesse falando com amigos de longa data.

Trata-se em grande medida de uma postura típica da sociabilidade promovida pelo futebol. O fato de torcermos pelo mesmo time cria uma sensação de familiaridade que nos permite esse tipo de atitude assim como abraçar alguém que nunca vimos antes.

Já fiz isso várias vezes.

E fiz novamente ao sair o primeiro gol do Vasco: abracei João. Mas não tenho foto desse momento.






 

Mas João parecia ter uma facilidade a mais para falar com estranhos, motivada pelo seu estilo de ser, altamente despojado, simples e sem cerimônias.

João falava rápido e contava suas histórias com o Vasco, como por exemplo, as brigas com sua esposa provocadas por seus “sumiços” de casa para assistir aos jogos do Vasco junto com amigos.

Esposa vingativa que um dia o recepcionou com duas camisas do Vasco por ela queimadas.

Acho essa atitude praticamente imperdoável. Mas João continua casado, o que é indicativo de que essa mulher é amada.

Eu e Martin conversamos longamente com João. Na verdade, basicamente relembrávamos fatos do futebol. Martin com seu Bayern e eu e João com o Vasco.

Quando acabou o jogo fui pra frente das Sociais juntamente com vários outros torcedores e de lá cantamos, gritamos e acenamos para alguns fotógrafos.
 



 

 



 



Até que chegou o momento de irmos embora.

Deixamos João, falando com quem dele se aproximava.

Segui caminho pensando na frase de Martin cada vez mais achando-a perfeita:

 
“Se você não é torcedor de futebol, você não sabe o que é amor.”

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