Se você não é torcedor de futebol, você não sabe o que é
amor
Que pérola!
Adorei essa frase assim que a ouvi.
Ela foi dita pelo meu amigo alemão Martin enquanto comíamos
e bebíamos muito e nos sentíamos privilegiados por estarmos ali juntos e
prontos para irmos ver um jogo de futebol
Certamente trata-se de uma frase contestável, como grande
parte dos fenômenos que nos cercam. Mas isso não importa tanto.
De fato, ser torcedor de futebol é um modo de experimentar o
amor. Um amor difícil de explicar às pessoas que nos rodeiam.
Um amor difícil de explicar para nós mesmos.
Mas particularmente não busco explicações, apenas experimento
esse amor que às vezes é bandido, mas que também é um dos mais gratuitos que
conheço.
Os pesquisadores costumam tomar cuidado com o amor porque
ele pode atrapalhar nossa busca pela imparcialidade e pela fertilidade de
ideias na análise dos fatos.
Sim, concordo em grande medida com essa preocupação, por
isso tomo sempre cuidado quando o Vasco atravessa minhas pesquisas em algumas
ocasiões como a de ontem, sábado, por exemplo.
Sábado dia 10 de maio, dia de Caravana de Boleiros cujo
destino de viagem era justamente São Januário, extensão da minha casa, parte
integrante da minha vida.
É sempre um grande desafio fazer Caravana com o Vasco e como
vocês verão há momentos que me deixo levar.....
E foi nesse trânsito entre torcedora e pesquisadora que a
minha Caravana se construiu.
Sábado: caí da cama e
fui trabalhar
Eu estava um tanto irreconhecível como professora. Apareci
em sala de aula como se eu tivesse acabado de cair da cama.
Meus trajes eram bastante diferentes do que eu costumo usar quando dou aula. Estava eu de tênis,
camiseta e calça leg. E isso em grande medida se justifica porque não iria dar
aula, mas apresentar um trabalho acadêmico em um evento de pesquisa e se
justifica sobretudo porque mais tarde teria a Caravana.
Mas até que tentei fazer pose de intelectual
Após a apresentação segui viagem com minha amiga Bernardete,
em seu possante carro, rumo à estação de trem de Belford Roxo:
De Bel segui direto par a Central do Brasil para daí seguir
para o Angu do Gomes, na Praça Mauá e encontrar com meu amigo alemão Martin
autor da frase que dá título a essa Caravana.
Para quem não sabe o Angu do Gomes é antigo e seu
idealizador foi João Gomes que vendia esse prato em carrocinhas – cerca de 40
espalhadas pela cidade - que ficaram famosas no Rio de Janeiro nos anos de 1950
e 1960.
Fonte: http://oglobo.globo.com/blogs/juarez/posts/2010/09/21/arqueologia-de-botequim-receita-original-do-angu-do-gomes-326327.asp |
Em sociedade com o Português Basílio Pinto, João abriu um
restaurante no Largo de São Francisco da Prainha, atrás da Praça Mauá. Porém na
década de 1980 o restaurante começou a entrar em crise que culminou com seu
fechamento e com o recolhimento das carrocinhas, em 1995.
Em 2009 o restaurante foi reaberto por um dos netos de Basílio Pinto, no mesmo ano da morte de João Gomes. Para quem quiser mais informações, recentemente o e-book Angu do Gomes: breve relato sobre o prato oficial da noite carioca foi lançado pelas autoras Carolina Amorim e Juliana Dias.
A boa fama do Angu do Gomes é altamente justificável porque de fato é um lugar de comida saborosíssima, com ótimo atendimento e localização:
Para começarmos a tarde escolhemos o petisco que concorre ao Comida di Buteco: Churros do Gomes, um churros feito de uma mistura de agrião, costela, farofa e queijo.
A foto é indecente, mas o sabor é maravilhoso
Seguidos churros provamos o prato mais famoso da casa, o
Angu do Gomes que nada mais é do que um angu de milho coberto por sarapatel,
feito com miúdos de porco. Embora pareça pesado o Angu
do Gomes é incrivelmente leve e muito saboroso:
Assistindo ao jogo do lado de fora do Estádio
INDO PARA SÃO JANU
A ideia de ir a São Januário foi minha. Ideia nascida quando vendo o jogo Vasco x Atlético Goianiense ouvi um coro de pessoas cantarolando as músicas típicas da torcida do Vasco. Pensei: mas de onde vêm essas vozes? O estádio está fechado para entrada de público. Será que são os dirigentes? Será que houve alguma invasão?
De repente a câmera mostra uma aglomeração de torcedores na
porta das sociais do Vasco.
Pensei que seria absolutamente interessante uma Caravana que
registrasse essa experiência um tanto diferente: a de assistir a um jogo do
Vasco do lado de fora de São Januário.
Em decorrência da punição recebida por conta dos atos de violência
de alguns torcedores no jogo Vasco X Atlético Paranaense, em 2013, os jogos do
time Cruzmaltinos quando realizados no Rio de Janeiro, precisam ser com portões
fechados.
Inicialmente foram oito jogos de punição, o que
posteriormente foi diminuído para seis. Seja como for os vascaínos somente
voltarão a entrar em São Januário para assistir a um jogo do time cruzmaltino
no dia 19 julho.
Enquanto esse dia não chega o jeito é assistir pela TV em
casa, na casa de amigos, parentes ou em um bar nos arredores de São Januário.
Os bares que rodeiam são Januário, são muitos, mas há alguns
“points” a serem destacados, como por exemplo, o Bar Guerreiros parada certa em
dias de jogo e agora mais do que nunca. Lá se pode torcer bebendo, comendo
churrasco e conversando.
Trata-se de um típico momento de socialização entre
torcedores, afinal assistir a um jogo em frente ao estádio não tem nada de
novidade sendo comum às pessoas que por algum motivo assim preferem ou precisam
assistir aos jogos do Vasco.
O que dá sentido especial é o fato de que São Januário está de
portões fechados, por enquanto
E sobretudo foi estranho não ouvir o barulho da torcida no
estádio.
Mesmo para quem fica do lado de fora, um estádio vazio é
algo difícil de aceitar, fato evidente pra mim quando vejo na TV qualquer
estádio vazio e que nessa experiência da Caravana se evidenciou mais ainda.
Não discuto se a punição via portões fechados é justa ou
não, o que afirmo é que estádio de futebol só ganha significado com a presença
dos jogadores e da torcida.
A pequena tempestade de
João
Ao nos aproximarmos do Estádio, impressionava ver as ruas
vazias.
Não parecia dia de jogo.
Esse aspecto foi melhorando quando chegamos na Rua General
Américo de Moura, especificamente no Bar dos Guerreiros, onde se concentrava
uma aglomeração de torcedores em torno de duas TVS.
Nesses bares havia torcedores assim como gente que não estava
nem aí pro jogo por estarem se divertindo com outras atividades ou por estarem
mesmo trabalhando, como foi o caso da despachante de uma das linhas de ônibus
que fazem ponto naquela rua:
Entre os que torciam, estavam pessoas que se dividiam entre
comer, beber, conversar e comentar o jogo.
Jogo aliás difícil de ser assistido graças aos inúmeros passes errados e chutes totalmente tortos. Esse detalhe às vezes pode ser pouco relevante ao torcedor e de fato parece que era, afinal o Vasco precisava vencer nem que fosse por 0,5 x 0.
O início da disputa da segunda divisão não foi nada boa para
o Vasco, com atuações medíocres e resultados nada animadores que chegaram a
deixar o time nas últimas colocações da tabela.
Por isso, queríamos ver gol do Vasco e não importava tanto
em que condições.
O primeiro tempo só não foi mais desastroso porque o time do
Oeste – que caiu para a segunda divisão do Paulista – é bastante fraco.
Entretanto essa fraqueza do Oeste deixava a torcida apreensiva e preocupada.
No intervalo fui caminhar por perto e dei de cara com uma
pelada que certamente estava melhor que o jogo que eu via na TV.
E sob uma luz...
E sob uma luz...
Voltei para minha mesa (era só uma mesa mesmo) para assistir
ao segundo tempo. Logo nos primeiros minutos fomos abordados por um rapaz que
nos perguntou se podíamos dividir nossa cerveja com ele, pois depois ele
compraria outra garrafa:
Dissemos que sim e como se ele nos conhecesse há anos, começou
a falar e falar, a cantar e a puxar o coro da torcida
João é morador da Vila do João,
comunidade que faz parte do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.
É razoavelmente próximo a São
Januário, mesmo assim num dia chuvoso como o de sábado é de se chamar a tenção
a disposição de João em ir até o Bar do Guerreiros para ver o jogo.
Não deu para perceber se João é
um tipo de cliente assíduo do local, até mesmo porque ele é um tipo de pessoa
que trava facilmente trava contato com desconhecidos como se estivesse falando
com amigos de longa data.
Trata-se em grande medida de uma
postura típica da sociabilidade promovida pelo futebol. O fato de torcermos
pelo mesmo time cria uma sensação de familiaridade que nos permite esse tipo de
atitude assim como abraçar alguém que nunca vimos antes.
Já fiz isso várias vezes.
Mas João parecia ter uma facilidade
a mais para falar com estranhos, motivada pelo seu estilo de ser, altamente
despojado, simples e sem cerimônias.
João falava rápido e contava suas histórias com o Vasco,
como por exemplo, as brigas com sua esposa provocadas por seus “sumiços” de
casa para assistir aos jogos do Vasco junto com amigos.
Esposa vingativa que um dia o recepcionou com duas camisas
do Vasco por ela queimadas.
Acho essa atitude praticamente imperdoável. Mas João continua
casado, o que é indicativo de que essa mulher é amada.
Eu e Martin conversamos longamente com João. Na verdade,
basicamente relembrávamos fatos do futebol. Martin com seu Bayern e eu e João
com o Vasco.
Quando acabou o jogo fui pra frente das Sociais juntamente
com vários outros torcedores e de lá cantamos, gritamos e acenamos para alguns
fotógrafos.
Até que chegou o momento de irmos embora.
Deixamos João, falando com quem dele se aproximava.
Segui caminho pensando na frase de Martin cada vez mais
achando-a perfeita:
“Se você não é torcedor de futebol, você não sabe o que é
amor.”
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