É
muito comum que antes de ir a jogos como Madureira X CRB ou Boa Vista X Nova
Iguaçu, as pessoas me perguntem com certo tom de indignação: o que você vai fazer nesse jogo?
Acho
essa pergunta bastante representativa de um tipo de cultura torcedora,
predominante no Brasil, que privilegia o futebol espetáculo que é aquele que
reúne jogadores famosos, dos chamados clubes grandes, altamente destacados pelas transmissões televisivas.
Mas
nos dias 30 de novembro e 21 de dezembro de 2014, até eu mesma me fiz aquela
pergunta. Me olhei no espelho e pensei: Leda, o que você vai fazer nesse jogo?
Não.
Não estou enjoando de futebol e muito menos desistindo da Caravana.
Me
fiz essa pergunta antes de ir assistir à final do Torneio Endzone de Futebol Americano Feminino. E repeti esse questionamento, antes de ir ao amistoso
entre a Seleção Brasileira de Futebol Americano e a Seleção Carioca.
Eu
entendo pouquíssimo desse esporte e, até então, meu interesse se limitava ao
Superbowl, interesse alimentado, sobretudo, por conta da expectativa do show do
intervalo que em 2015, por exemplo, será feito por Katy Parry.
Entendo
qualquer irritação que esse tipo de declaração possa causar aos fãs do futebol
americano. Eu também me irritaria bastante se alguém fizesse esse tipo de comentário
no caso do futebol da bola redonda.
Mas não sejamos precipitados,
porque minhas pesquisas para fazer o texto deste blog, minha ida a final do
torneio Endzone e, posteriormente, ao amistoso da seleção, somado a recente
vitória do Vasco Patriotas no torneio Touchdown estão me fazendo olhar com
de outro modo esse esporte.
Nas últimas semanas me pego, às
vezes, assistindo aos jogos da NFL e até mesmo do campeonato universitário....
E a comparação é inevitável.
Enquanto os jogos da NFL - e até mesmo os do campeonato universitário - são
realizados em estádios cheios e com campos apropriados para a prática desse
esporte, aqui no Brasil o futebol americano – mesmo quando envolve a seleção nacional
– é marcado pelo improviso.
As partidas que
assisti se encaixam perfeitamente naquilo que denomino de circuito alternativo
de futebol.
Estádio da Portuguesa da Ilha: a casa do
futebol americano
Os poucos trabalhos acadêmicos que
encontrei são unânimes em considerar que o futebol americano, no Brasil, tem
origem nas areias da praia de Copacabana, quando por volta de 1986 grupos de
amigos se reuniam para praticar esse esporte.
Em 1992, fundou-se o Rio Guardians,
considerada a primeira equipe de futebol americano de praia. Anos depois, idealizou-se o Carioca Bowl torneio que existe até os dias de hoje:
Time do Rio Guardian em 1994. Fonte: http://rioguardians.blogspot.com.br/ |
Essa proximidade com as areias, em
certa medida, se explica devido ao fato de que se trata de um lugar adequado
para jogar o futebol americano sem o uso dos equipamentos protetores.
Em seu início, uma das principais dificuldades da prática do futebol americano, no Brasil, refere-se à falta de materiais como capacetes e protetores bucais, que eram caros e cuja aquisição era difícil já que não havia lojas que os vendessem (FRONTELMO, 2006, disponível em: http://www.efdeportes.com/efd102/futebol.htm). Sendo assim: “Para remediar essa falta de equipamento protetor, a praia se tornou uma solução mais plausível, visto que o impacto de quedas poderia ser diminuído na areia” (FRONTELMO, 2006, disponível em: http://www.efdeportes.com/efd102/futebol.htm))
Em seu início, uma das principais dificuldades da prática do futebol americano, no Brasil, refere-se à falta de materiais como capacetes e protetores bucais, que eram caros e cuja aquisição era difícil já que não havia lojas que os vendessem (FRONTELMO, 2006, disponível em: http://www.efdeportes.com/efd102/futebol.htm). Sendo assim: “Para remediar essa falta de equipamento protetor, a praia se tornou uma solução mais plausível, visto que o impacto de quedas poderia ser diminuído na areia” (FRONTELMO, 2006, disponível em: http://www.efdeportes.com/efd102/futebol.htm))
Na grama, o Joinville Blackhawks foi a
primeira equipe de futebol americano, no Brasil. Fundada em 1991, o time inicialmente jogava sem o uso dos equipamentos de proteção (PONS, 2013, 81, disponível em:http://www.coppead.ufrj.br/upload/publicacoes/Rodrigo_Pons.pdf)
Devido a essas dificuldades, somente
em 2008 realizou-se o primeiro jogo “full pad”, ou seja com o uso de
equipamentos completos (PONS, 2013, 83)
Sendo assim, de 1985 até o início da
década de 1990, eram nas areia que se podia ver e praticar o futebol americano,
adaptado às condições locais.
E mesmo que muitas delas estejam
poluídas, a Ilha do Governador tem diversas praias, e algumas delas costumam
receber treinos e jogos de times de futebol americano. O bairro tem alguns times dessa modalidade,
destacando-se, o Ilha Avalanche (fundado em 2005) e o Rio de Janeiro Islanders (fundado em 2009) que
participam do Carioca Bowl, a principal competição de futebol americano de
praia do Rio de Janeiro.
A Ilha do Governador, portanto, possui laços com o futebol americano. Não
é de estranhar que o estádio Luso Brasileiro pelo menos
desde 2012, venha recebendo jogos de competições importantes de futebol
americano no Brasil, como por exemplo, o torneio Touchdown e os dois jogos que
mencionarei daqui a pouco.
A
Portuguesa da Ilha do Governador é um clube bastante representativo para o
bairro. Basta ir em qualquer tarde de sábado e domingo que podemos ver suas
instalações cheias de sócios que fazem festas de aniversário, churrascos
comemorativos ou vão nadar na piscina em dias de calor, jogar uma pelada em um gramado
ao lado do campo principal ou jogar futebol na quadra interna do clube.
Inspirada
na Portuguesa Santista, a Associação Atlética Portuguesa foi criada em 1924 e,
portanto, completou 90 anos, em 2014. O time da Portuguesa nunca foi campeão da
primeira divisão do Carioca, mas no seu histórico consta uma vitória sobre o
Real Madrid, em amistoso realizado em 1969. Essa vitória é celebrada como um
dos mais importantes momentos da trajetória do clube.
Em
uma época na qual era comum clubes brasileiros excursionarem pela Europa, a
Portuguesa da Ilha fez diversos amistosos na década de 1960, incluindo um jogo
contra o Real Madri que havia acabado de ser bicampeão espanhol:
Fonte: http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/esportes/2014/12/13/O-DIA-EM-QUE-A-ILHA-DO-GOVERNADOR-SUPEROU-MADRID.htm |
Um
dos maiores bens do clube é o Estádio Luso Brasileiro inaugurado em 1965. Parte
do que hoje é o estádio, já foi o Jockey Club da Guanabara, inaugurado em 1961
e fechado um ano depois, sendo comprado pela Portuguesa:
Fonte:http://fotoclone.in/ilhadogovernador/ilhadogovernador_1399.html |
Fonte: http://suburbiosdorio.blogspot.com.br/2011/11/jockey-clube-da-ilha-do-governador.html |
Fonte: http://www.fotolog.com/luiz_o/79586941/
Com
o Maracanã em obras para o Pan-2007, em 2005 o estádio da Portuguesa virou
“arena” para receber os jogos de Flamengo e Botafogo que em parceria com a
Petrobras e com o Governo do Estado, ampliaram o estádio, construindo
arquibancadas tubulares aumentando sua capacidade para cerca de 30 mil pessoas:
Nos
últimos tempos o estádio da Portuguesa realiza jogos, muitas vezes, sem a
presença de público devido à falta de algum laudo técnico exigido pela FERJ.
Para
2015, o estádio da Portuguesa ainda precisa regularizar seus laudos para poder
receber torcedores. Pelo que consta no site da FERJ, até o momento o Estádio
Luso Brasileiro não apresentou o laudo da Polícia Militar. Já o Laudo da
Vigilância Sanitária expira dia 11 de março e no 3 de Abril, expira o Laudo de Prevenção e Combate de Incêndio (LPCI). Na tabela
da FERJ consta como liberado somente o Laudo de Vistoria e Engenharia.
Mas como o futebol americano não é modalidade filiada a FERJ e, além
disso, as partidas que vi foram realizadas em novembro e dezembro de 2014, o
estádio da Lusa pode contar com a presença de público.
FAGOCITADAS PELA EQUIPE AZUL
Certo dia, diante de um dos inúmeros programas esportivos que vejo,
assisti a uma reportagem sobre a final de um campeonato feminino de futebol
americano. A matéria - como diversas outras que envolvem modalidades esportivas
pouco populares no Brasil – não fornecia informações completas acerca do jogo,
assim como dava um tom pitoresco ao evento.
Esse
tom pitoresco se ampliava devido ao fato de tratar-se de mulheres jogando
futebol americano. Por isso, falou-se de como elas faziam para manter a
“feminilidade”, mesmo praticando um esporte tão bruto; mostrou-se as meninas
passando batom; ajeitando o cabelo...
Ao
final, sabia apenas que o jogo seria realizado no Rio de Janeiro, já que uma
das equipes era carioca. Despertada pela curiosidade busquei as informações que
faltavam. E não foi fácil encontrá-las.
Fui
salva pelas redes sociais, onde pude saber dia (30/11/2014), horário (10h) e
local da partida (Estádio Luso Brasileiro) entre o Cariocas F.A. e o Cuiabá Angels.
A decisão
final de ir ao jogo ficou por conta da curiosidade de ver uma partida de
futebol americano feminino em um estádio de futebol.
Em
plena manhã de um domingo escaldante do mês de novembro, lá fui eu, rumo ao
bairro da Ilha do Governador.
E
como eu disse, até eu mesma me perguntei: o que você vai fazer nesse jogo?
Ao invés de tentar
responder, chamei um táxi.
Chegando ao estádio,
me espantou ver que não havia nenhuma faixa, nenhum cartaz indicativo de que
ali haveria a final do “1º Campeonato Nacional de Futebol Americano Feminino”.
Na entrada do
Estádio podia-se comprar o ingresso que custava R$ 10,00 ou adquirir algum dos
produtos que estavam sendo vendidos como, por exemplo, a camisa do time das Cariocas
ou um copo.
Um
jogo de futebol americano pode ser longo. São 4 períodos de 15 minutos cada,
totalizando 60 minutos. Entretanto, as paralisações são constantes, o que faz
com que os jogos cheguem a 3 horas de duração.
Passei
essas três horas observando o jogo e tentando entendê-lo, assim como tirando
fotos e me divertindo com a narração do jogo que podia ser ouvida das
arquibancadas, através de duas caixas de som que durante os intervalos também
tocavam músicas.
Parte
dessa narração servia para esclarecer alguns lances do jogo, o que foi
importante para pessoas que como eu desconhecem grande parte das regras do
futebol americano.
A
narração foi bastante descontraída e marcada por comentários engraçados que,
muitas vezes, ironizava algumas dificuldades técnicas encontradas para se
narrar a partida. Dificuldades como, por exemplo, enxergar o número da camisa
das atletas e consequentemente seus nomes. Muitos comentários também
demonstravam que o narrador possuía um convívio próximo com jogadores ou
membros da comissão técnica.
O
narrador em questão chama-se Merlin Calazans que também é jogador de futebol
americano e que costuma ser convidado para narrar jogos de times de futebol
americano do Rio de Janeiro. Trata-se, portanto, de uma figura bastante
conhecida no universo do futebol americano no Brasil.
Esse
universo, ao que parece tem dimensões reduzidas e que ainda carece de
investimento, afinal é válido lembrar que se trata de uma modalidade amadora,
no Brasil.
As dificuldades são
grandes. Mesmo se tratando de uma final de torneio nacional, o time do Cuiabá
Angels teve que realizar algumas rifas para poder arcar com os custos da viagem
até o Rio de Janeiro.
O time veio
incompleto, o que provavelmente indica que o dinheiro arrecadado não deu conta
da vinda de todas as jogadoras da equipe. E não seria a primeira vez que isso
ocorre com o Cuiabá Angels.
Uma pena....
É provável que a
incompletude do time tenha contribuído para o placar final da partida Cariocas
FA 72 x 0
As meninas do Cuiabá
foram “fagocitadas pela equipe azul”, como disse o narrador da partida.
A
minha primeira experiência em um jogo de futebol americano poderia ter sido
perfeita. Se não fosse um detalhe: quase todas as fotos que tirei ficaram com seus arquivos
corrompidos e não pude abri-las.
Sobraram poucas fotos:
Foi um duro golpe.
As experiências da
Caravana são razoavelmente dependentes das imagens delas derivadas, caso
contrário fico limitada às minhas palavras para tentar passar a atmosfera dos
jogos, estádios e torcida.
E convenhamos... Estou
longe de ser uma poeta...
A Caravana precisava de uma
segunda chance.
E ela veio...
Brasil Onças X Seleção Carioca
A seleção brasileira de futebol americano é bastante recente, tendo sido criada, em 2007, após a convocação de jogadores para disputar um amistoso contra o Uruguai. A convocação foi realizada pela CBFA (Confederação Brasileira de Futebol Americano) mediante a seleção feita a partir de “diversos torneios interestaduais, testes físicos e da disponibilidade dos atletas de participar.” (Disponível em: http://afabonline.com.br/new/selecoes-brasileiras/selecao-masculina-adulta/)
O
futebol americano tem se popularizado, no Brasil, sobretudo, nos últimos 10
anos. Segundo Rodrigo Pons, em seu trabalho “Futebol americano no Brasil: Um
estudo com inspiração etnográfica sobre as práticas de consumo“, seriam três os
fatores que possibilitaram o crescimento do futebol americano no Brasil:
“Transmissão televisa do esporte, interesse pessoal e internet” (2013, 78)
No
caso do papel da Televisão, destacam-se as transmissões em TV aberta da Rede
Bandeirantes e da Manchete, na década de 1980, de partidas de jogos da NFL e,
posteriormente, nos anos de 1990, as transmissões da ESPN. O interesse pessoal
foi um importante motivador da criação de times por inciativa de indivíduos
apaixonados por essa modalidade esportiva. Já a internet “facilitou e
massificou a troca de informações entre os praticantes e interessados no
futebol americano no país. A internet também disponibilizou acesso a notícias,
táticas e treinamentos de maneira rápida e sem custos” (2013, 86).
Creio
que há outro fator que pode ser relevante nesse processo de popularização do
futebol americano, no Brasil, e que diz respeito as parcerias que times
tradicionais de futebol têm feito com equipes de futebol americano.
É
o caso do Vasco da Gama Patriotas que nasceu de uma parceria do Vasco com o
Patriotas RJ. Flamengo, Botafogo e Fluminense também possuem seus times e o
mesmo se vê em clubes de outros estados como Corinthians e Coritiba.
O maior público de uma competição
de futebol americano no Brasil, por exemplo, foi registrado no estádio Couto
Pereira na final do Brasil Bowl II, no jogo entre o Coritiba Crododiles x Fluminense Imperadores. Foram mais
de sete mil espectadores.
Creio
que essa vinculação a times de futebol com adesão clubística já consolidada
pode possibilitar mecanismos de identificação com o público e abrir caminhos
para o futebol americano no Brasil.
Parte
do meu interesse e vontade de ir ao amistoso do Brasil Onças X Seleção Carioca
nasceu no dia 13/12 quando assisti a final do Torneio Touchdown entre Vasco
Patriotas e T-REx.
Eu somente assisti a esse jogo porque um dos times representava o Vasco.
Ter visto à final do campeonato feminino de futebol americano não despertou em mim
interesses maiores por essa modalidade esportiva.
Já a vitória do Vasco ...
Provocou
em mim um inusitado interesse por futebol americano, como nunca havia sentido,
e que me fez pesquisar um pouco sobre o tema e descobrir que no final de dezembro
se realizaria um amistoso entre a Seleção Brasileira de Futebol Americano
contra a Seleção Carioca.
Ambos
os times seriam compostos por jogadores que atuam no Vasco.
Esse fato somado a possibilidade
de a Caravana ter sua segunda chance em um jogo de futebol americano, me motivaram
a voltar ao Estádio Luso, numa tarde quente de domingo.
Chegando ao estádio
me espantou mais uma vez percebi que não havia nenhuma faixa ou cartaz indicativo
de que ali haveria um amistoso entre a Seleção brasileira de futebol americano
e a seleção Carioca.
Mas
a presença de pessoas vestidas com camisas de futebol americano de clubes
cariocas me fez ter certeza de que estava no lugar certo.
O ingresso para a partida custava R$ 10,00 e
durante os intervalos seriam realizados sorteios de brindes para o público
presente:
Público composto basicamente por familiares e amigos dos jogadores
que estavam em campo:
A
condição amadora é característica forte do futebol americano no Brasil e se
reflete em grande medida nas condições de prática desse esporte, marcadas por um
alto nível de improviso:
Partidas
como essa são marcadas por certa informalidade que pode nos permitir entrar em
campo, e assistir de perto o jogo e o que está em seu entorno:
E antes de ir embora consegui uma curiosidade que foi deixada no gramado: o playbook da seleção carioca. Playbook é um livro que contém todas as jogadas usadas pelo ataque e defesa durante as partidas de futebol americano. A primeira página do playbook da equipe carioca foi dedica a apresentação de algumas regras básicas de conduta dos jogadores Nesse Playbook há um item especialmente destinado aos cuidados com a Seleção Brasileira:
O futebol americano é um jogo que se mostra muito tático e estratégico. Não sem motivos, o restante das páginas do playbook guardavam o planejamento de jogadas:
E minha saideira foi gloriosa, com uma foto ao lado do técnico da Seleção Carioca e do Vasco Patriotas: Depois de todas essas experiências envolvendo o futebol americano, repito: tenho me flagrado vendo jogos da NFL e, até mesmo, do campeonato universitário dos EUA. Mas as férias do futebol da bola redonda estão acabando.... graças a Deus! |
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