segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O que você vai fazer nesse jogo? Ou começando 2015 de um modo diferente


 
É muito comum que antes de ir a jogos como Madureira X CRB ou Boa Vista X Nova Iguaçu, as pessoas me perguntem com certo tom de indignação: o que você vai fazer nesse jogo?

Acho essa pergunta bastante representativa de um tipo de cultura torcedora, predominante no Brasil, que privilegia o futebol espetáculo que é aquele que reúne jogadores famosos, dos chamados clubes grandes, altamente destacados pelas transmissões televisivas.

Mas nos dias 30 de novembro e 21 de dezembro de 2014, até eu mesma me fiz aquela pergunta. Me olhei no espelho e pensei: Leda, o que você vai fazer nesse jogo?

Não. Não estou enjoando de futebol e muito menos desistindo da Caravana.

Me fiz essa pergunta antes de ir assistir à final do Torneio Endzone de Futebol Americano Feminino. E repeti esse questionamento, antes de ir ao amistoso entre a Seleção Brasileira de Futebol Americano e a Seleção Carioca.

Eu entendo pouquíssimo desse esporte e, até então, meu interesse se limitava ao Superbowl, interesse alimentado, sobretudo, por conta da expectativa do show do intervalo que em 2015, por exemplo, será feito por Katy Parry.

Entendo qualquer irritação que esse tipo de declaração possa causar aos fãs do futebol americano. Eu também me irritaria bastante se alguém fizesse esse tipo de comentário no caso do futebol da bola redonda.

Mas não sejamos precipitados, porque minhas pesquisas para fazer o texto deste blog, minha ida a final do torneio Endzone e, posteriormente, ao amistoso da seleção, somado a recente vitória do Vasco Patriotas no torneio Touchdown estão me fazendo olhar com de outro modo esse esporte.

Nas últimas semanas me pego, às vezes, assistindo aos jogos da NFL e até mesmo do campeonato universitário....

E a comparação é inevitável. Enquanto os jogos da NFL - e até mesmo os do campeonato universitário - são realizados em estádios cheios e com campos apropriados para a prática desse esporte, aqui no Brasil o futebol americano – mesmo quando envolve a seleção nacional – é marcado pelo improviso.



As partidas que assisti se encaixam perfeitamente naquilo que denomino de circuito alternativo de futebol.


Estádio da Portuguesa da Ilha: a casa do futebol americano

Os poucos trabalhos acadêmicos que encontrei são unânimes em considerar que o futebol americano, no Brasil, tem origem nas areias da praia de Copacabana, quando por volta de 1986 grupos de amigos se reuniam para praticar esse esporte.

Em 1992, fundou-se o Rio Guardians, considerada a primeira equipe de futebol americano de praia. Anos depois, idealizou-se o Carioca Bowl torneio que existe até os dias de hoje:

Time do Rio Guardian em 1994. Fonte: http://rioguardians.blogspot.com.br/

Essa proximidade com as areias, em certa medida, se explica devido ao fato de que se trata de um lugar adequado para jogar o futebol americano sem o uso dos equipamentos protetores. 

Em seu início, uma das principais dificuldades da prática do futebol americano, no Brasil, refere-se à falta de materiais como capacetes e protetores bucais, que eram caros e cuja aquisição era difícil já que não havia lojas que os vendessem (FRONTELMO, 2006, disponível em: http://www.efdeportes.com/efd102/futebol.htm). Sendo assim: “Para remediar essa falta de equipamento protetor, a praia se tornou uma solução mais plausível, visto que o impacto de quedas poderia ser diminuído na areia” (FRONTELMO, 2006, disponível em: http://www.efdeportes.com/efd102/futebol.htm))

Na grama, o Joinville Blackhawks foi a primeira equipe de futebol americano, no Brasil. Fundada em 1991, o time inicialmente jogava sem o uso dos equipamentos de proteção (PONS, 2013, 81, disponível em:http://www.coppead.ufrj.br/upload/publicacoes/Rodrigo_Pons.pdf)

Devido a essas dificuldades, somente em 2008 realizou-se o primeiro jogo “full pad”, ou seja com o uso de equipamentos completos (PONS, 2013, 83)

Sendo assim, de 1985 até o início da década de 1990, eram nas areia que se podia ver e praticar o futebol americano, adaptado às condições locais.

E mesmo que muitas delas estejam poluídas, a Ilha do Governador tem diversas praias, e algumas delas costumam receber treinos e jogos de times de futebol americano. O bairro tem alguns times dessa modalidade, destacando-se, o Ilha Avalanche (fundado em 2005) e o Rio de Janeiro Islanders (fundado em 2009) que participam do Carioca Bowl, a principal competição de futebol americano de praia do Rio de Janeiro. 






A Ilha do Governador, portanto, possui laços com o futebol americano. Não é de estranhar que o estádio Luso Brasileiro pelo menos desde 2012, venha recebendo jogos de competições importantes de futebol americano no Brasil, como por exemplo, o torneio Touchdown e os dois jogos que mencionarei daqui a pouco.

A Portuguesa da Ilha do Governador é um clube bastante representativo para o bairro. Basta ir em qualquer tarde de sábado e domingo que podemos ver suas instalações cheias de sócios que fazem festas de aniversário, churrascos comemorativos ou vão nadar na piscina em dias de calor, jogar uma pelada em um gramado ao lado do campo principal ou jogar futebol na quadra interna do clube.


Inspirada na Portuguesa Santista, a Associação Atlética Portuguesa foi criada em 1924 e, portanto, completou 90 anos, em 2014. O time da Portuguesa nunca foi campeão da primeira divisão do Carioca, mas no seu histórico consta uma vitória sobre o Real Madrid, em amistoso realizado em 1969. Essa vitória é celebrada como um dos mais importantes momentos da trajetória do clube.

Em uma época na qual era comum clubes brasileiros excursionarem pela Europa, a Portuguesa da Ilha fez diversos amistosos na década de 1960, incluindo um jogo contra o Real Madri que havia acabado de ser bicampeão espanhol:

Fonte: http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/esportes/2014/12/13/O-DIA-EM-QUE-A-ILHA-DO-GOVERNADOR-SUPEROU-MADRID.htm

Um dos maiores bens do clube é o Estádio Luso Brasileiro inaugurado em 1965. Parte do que hoje é o estádio, já foi o Jockey Club da Guanabara, inaugurado em 1961 e fechado um ano depois, sendo comprado pela Portuguesa:

Fonte:http://fotoclone.in/ilhadogovernador/ilhadogovernador_1399.html

Fonte: http://suburbiosdorio.blogspot.com.br/2011/11/jockey-clube-da-ilha-do-governador.html

Fonte: http://www.fotolog.com/luiz_o/79586941/



Com o Maracanã em obras para o Pan-2007, em 2005 o estádio da Portuguesa virou “arena” para receber os jogos de Flamengo e Botafogo que em parceria com a Petrobras e com o Governo do Estado, ampliaram o estádio, construindo arquibancadas tubulares aumentando sua capacidade para cerca de 30 mil pessoas:







Fonte: http://www.arenapetrobras.jhareias.com/oprojeto_descricao.php

Nos últimos tempos o estádio da Portuguesa realiza jogos, muitas vezes, sem a presença de público devido à falta de algum laudo técnico exigido pela FERJ.

Para 2015, o estádio da Portuguesa ainda precisa regularizar seus laudos para poder receber torcedores. Pelo que consta no site da FERJ, até o momento o Estádio Luso Brasileiro não apresentou o laudo da Polícia Militar. Já o Laudo da Vigilância Sanitária expira dia 11 de março e no 3 de Abril, expira o Laudo de Prevenção e Combate de Incêndio (LPCI). Na tabela da FERJ consta como liberado somente o Laudo de Vistoria e Engenharia.

Mas como o futebol americano não é modalidade filiada a FERJ e, além disso, as partidas que vi foram realizadas em novembro e dezembro de 2014, o estádio da Lusa pode contar com a presença de público. 



FAGOCITADAS PELA EQUIPE AZUL


Certo dia, diante de um dos inúmeros programas esportivos que vejo, assisti a uma reportagem sobre a final de um campeonato feminino de futebol americano. A matéria - como diversas outras que envolvem modalidades esportivas pouco populares no Brasil – não fornecia informações completas acerca do jogo, assim como dava um tom pitoresco ao evento. 

Esse tom pitoresco se ampliava devido ao fato de tratar-se de mulheres jogando futebol americano. Por isso, falou-se de como elas faziam para manter a “feminilidade”, mesmo praticando um esporte tão bruto; mostrou-se as meninas passando batom; ajeitando o cabelo...

Ao final, sabia apenas que o jogo seria realizado no Rio de Janeiro, já que uma das equipes era carioca. Despertada pela curiosidade busquei as informações que faltavam. E não foi fácil encontrá-las.

Fui salva pelas redes sociais, onde pude saber dia (30/11/2014), horário (10h) e local da partida (Estádio Luso Brasileiro) entre o Cariocas F.A. e o Cuiabá Angels.

A decisão final de ir ao jogo ficou por conta da curiosidade de ver uma partida de futebol americano feminino em um estádio de futebol.
Em plena manhã de um domingo escaldante do mês de novembro, lá fui eu, rumo ao bairro da Ilha do Governador.

E como eu disse, até eu mesma me perguntei: o que você vai fazer nesse jogo?

Ao invés de tentar responder, chamei um táxi.

Chegando ao estádio, me espantou ver que não havia nenhuma faixa, nenhum cartaz indicativo de que ali haveria a final do “1º Campeonato Nacional de Futebol Americano Feminino”.

Na entrada do Estádio podia-se comprar o ingresso que custava R$ 10,00 ou adquirir algum dos produtos que estavam sendo vendidos como, por exemplo, a camisa do time das Cariocas ou um copo. 







Um jogo de futebol americano pode ser longo. São 4 períodos de 15 minutos cada, totalizando 60 minutos. Entretanto, as paralisações são constantes, o que faz com que os jogos cheguem a 3 horas de duração.

Passei essas três horas observando o jogo e tentando entendê-lo, assim como tirando fotos e me divertindo com a narração do jogo que podia ser ouvida das arquibancadas, através de duas caixas de som que durante os intervalos também tocavam músicas.

Parte dessa narração servia para esclarecer alguns lances do jogo, o que foi importante para pessoas que como eu desconhecem grande parte das regras do futebol americano.

A narração foi bastante descontraída e marcada por comentários engraçados que, muitas vezes, ironizava algumas dificuldades técnicas encontradas para se narrar a partida. Dificuldades como, por exemplo, enxergar o número da camisa das atletas e consequentemente seus nomes. Muitos comentários também demonstravam que o narrador possuía um convívio próximo com jogadores ou membros da comissão técnica. 

O narrador em questão chama-se Merlin Calazans que também é jogador de futebol americano e que costuma ser convidado para narrar jogos de times de futebol americano do Rio de Janeiro. Trata-se, portanto, de uma figura bastante conhecida no universo do futebol americano no Brasil.

Esse universo, ao que parece tem dimensões reduzidas e que ainda carece de investimento, afinal é válido lembrar que se trata de uma modalidade amadora, no Brasil.

As dificuldades são grandes. Mesmo se tratando de uma final de torneio nacional, o time do Cuiabá Angels teve que realizar algumas rifas para poder arcar com os custos da viagem até o Rio de Janeiro.
O time veio incompleto, o que provavelmente indica que o dinheiro arrecadado não deu conta da vinda de todas as jogadoras da equipe. E não seria a primeira vez que isso ocorre com o Cuiabá Angels.

Uma pena....

É provável que a incompletude do time tenha contribuído para o placar final da partida Cariocas FA 72 x 0

As meninas do Cuiabá foram “fagocitadas pela equipe azul”, como disse o narrador da partida.

A minha primeira experiência em um jogo de futebol americano poderia ter sido perfeita. Se não fosse um detalhe: quase todas as fotos que tirei ficaram com seus arquivos corrompidos e não pude abri-las. 

Sobraram poucas fotos:







Foi um duro golpe.


As experiências da Caravana são razoavelmente dependentes das imagens delas derivadas, caso contrário fico limitada às minhas palavras para tentar passar a atmosfera dos jogos, estádios e torcida.

E convenhamos... Estou longe de ser uma poeta...


A Caravana precisava de uma segunda chance.



E ela veio...


Brasil Onças X Seleção Carioca

A seleção brasileira de futebol americano é bastante recente, tendo sido criada, em 2007, após a convocação de jogadores para disputar um amistoso contra o Uruguai. A convocação foi realizada pela CBFA (Confederação Brasileira de Futebol Americano) mediante a seleção feita a partir de “diversos torneios interestaduais, testes físicos e da disponibilidade dos atletas de participar.” (Disponível em: http://afabonline.com.br/new/selecoes-brasileiras/selecao-masculina-adulta/)

O futebol americano tem se popularizado, no Brasil, sobretudo, nos últimos 10 anos. Segundo Rodrigo Pons, em seu trabalho “Futebol americano no Brasil: Um estudo com inspiração etnográfica sobre as práticas de consumo“, seriam três os fatores que possibilitaram o crescimento do futebol americano no Brasil: “Transmissão televisa do esporte, interesse pessoal e internet” (2013, 78)

No caso do papel da Televisão, destacam-se as transmissões em TV aberta da Rede Bandeirantes e da Manchete, na década de 1980, de partidas de jogos da NFL e, posteriormente, nos anos de 1990, as transmissões da ESPN. O interesse pessoal foi um importante motivador da criação de times por inciativa de indivíduos apaixonados por essa modalidade esportiva. Já a internet “facilitou e massificou a troca de informações entre os praticantes e interessados no futebol americano no país. A internet também disponibilizou acesso a notícias, táticas e treinamentos de maneira rápida e sem custos” (2013, 86).

Creio que há outro fator que pode ser relevante nesse processo de popularização do futebol americano, no Brasil, e que diz respeito as parcerias que times tradicionais de futebol têm feito com equipes de futebol americano.

É o caso do Vasco da Gama Patriotas que nasceu de uma parceria do Vasco com o Patriotas RJ. Flamengo, Botafogo e Fluminense também possuem seus times e o mesmo se vê em clubes de outros estados como Corinthians e Coritiba.

O maior público de uma competição de futebol americano no Brasil, por exemplo, foi registrado no estádio Couto Pereira na final do Brasil Bowl II, no jogo entre o Coritiba Crododiles x Fluminense Imperadores. Foram mais de sete mil espectadores.

Creio que essa vinculação a times de futebol com adesão clubística já consolidada pode possibilitar mecanismos de identificação com o público e abrir caminhos para o futebol americano no Brasil.

Parte do meu interesse e vontade de ir ao amistoso do Brasil Onças X Seleção Carioca nasceu no dia 13/12 quando assisti a final do Torneio Touchdown entre Vasco Patriotas e T-REx. 

Eu somente assisti a esse jogo porque um dos times representava o Vasco.

Ter visto à final do campeonato feminino de futebol americano não despertou em mim interesses maiores por essa modalidade esportiva.

Já a vitória do Vasco ...

Provocou em mim um inusitado interesse por futebol americano, como nunca havia sentido, e que me fez pesquisar um pouco sobre o tema e descobrir que no final de dezembro se realizaria um amistoso entre a Seleção Brasileira de Futebol Americano contra a Seleção Carioca.

Ambos os times seriam compostos por jogadores que atuam no Vasco.

Esse fato somado a possibilidade de a Caravana ter sua segunda chance em um jogo de futebol americano, me motivaram a voltar ao Estádio Luso, numa tarde quente de domingo.


Chegando ao estádio me espantou mais uma vez percebi que não havia nenhuma faixa ou cartaz indicativo de que ali haveria um amistoso entre a Seleção brasileira de futebol americano e a seleção Carioca.

Mas a presença de pessoas vestidas com camisas de futebol americano de clubes cariocas me fez ter certeza de que estava no lugar certo.

O ingresso para a partida custava R$ 10,00 e durante os intervalos seriam realizados sorteios de brindes para o público presente:




Público composto basicamente por familiares e amigos dos jogadores que estavam em campo:



A condição amadora é característica forte do futebol americano no Brasil e se reflete em grande medida nas condições de prática desse esporte, marcadas por um alto nível de improviso:























Enquanto o jogo rolava, no campo ao lado as crianças se refrescavam:







Partidas como essa são marcadas por certa informalidade que pode nos permitir entrar em campo, e assistir de perto o jogo e o que está em seu entorno: 


































E antes de ir embora consegui uma curiosidade que foi deixada no gramado: o playbook da seleção carioca. Playbook é um livro que contém
  todas as jogadas usadas pelo ataque e  defesa  durante as partidas de futebol americano. A primeira página do playbook da equipe carioca foi dedica a apresentação de algumas regras básicas de conduta dos jogadores






Nesse Playbook há um item especialmente destinado aos cuidados com a Seleção Brasileira:







O futebol americano é um jogo que se mostra muito tático e estratégico. Não sem motivos, o restante das páginas do playbook guardavam o planejamento de jogadas:





E minha saideira foi gloriosa, com uma foto ao lado do técnico da Seleção Carioca e do Vasco Patriotas:







Depois de todas essas experiências envolvendo o futebol americano, repito: tenho me flagrado vendo jogos da NFL e, até mesmo, do campeonato universitário dos EUA. 



Mas as férias do futebol da bola redonda estão acabando.... graças a Deus!



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