sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Esperando El Loco


Loco Abreu está no meio do tumulto de jornalistas. Foto Leda Costa


Há muito tempo não via Moça Bonita tão movimentada e atraindo tamanha atenção da imprensa. Havia jornalistas dos mais importantes veículos de comunicação que por horas - e debaixo de um calor incrível - aguardaram Loco Abreu entrar no gramado do estádio do Bangu, um clube que é um patrimônio do futebol brasileiro. 

Existem jogadores que conseguem, em determinados contextos, provocar esse tipo de furor. Loco Abreu é um deles. Em grande medida sua conflituosa relação com a imprensa, no Brasil, é fator fundamental para a configuração de uma imagem rebelde que costuma cativar torcedores por mostrar pouca subserviência em relação a algumas expectativas midiáticas. 

Porém, remar contra a maré da imprensa parece que gera mais interesse. Loco ainda é notícia. Sem me deter em classificações tais como herói, ídolo, celebridade, Loco é antes de tudo um personagem sofisticadamente construído por um conjunto de elementos que incluem seus feitos em campo e uma série de outros agentes da maquinaria do espetáculo que se transformou o futebol. 

Meu amigo Juan Silvera, em breve, defenderá uma dissertação sobre a passagem do Loco pelo Botafogo, enfocando seu processo de construção enquanto ídolo da torcida alvinegra.  O uruguaio marcou sua trajetória no clube carioca com a decisiva participação no título Estadual de 2010 com direito a uma cobrança de pênalti ousada, para fazer jus ao apelido Loco que lhe deu fama por onde passou.

Bernardo Buarque de Holanda já demonstrou o percurso por intermédio do qual o torcedor foi uma figura concebida como um ser irracional, o que fez com que o torcer se tornasse um gesto visto com certa inferioridade se comparado a outras modalidades de espectador.  

Embora ainda persistam certos estereótipos negativos derivados do "mito do torcedor irracional", os excessos da paixão, a loucura e tudo aquilo que transcende o limite do comedimento tem sido cada vez mais apropriado como marca identitária importante usada para singularizar o perfil de alguns agrupamentos torcedores.

A figura de El Loco Abreu cai como uma luva para os dias de hoje.  Muitas músicas que embalam, sobretudo, as chamadas torcidas de alento, têm como mote principal a celebração da loucura e das manifestações de emoções extremas. 

A torcida de alento Castores da Guilherme, do Bangu, diz:

"Somos a banda louca do Proletário/que segue o alvirubro sem, pedir nada/ mesmo sem o resultado/vamos cantando/Bangu apesar de tudo sigo te amando e te apoiando."

O que não falta nas arquibancadas do Brasil e de fora é uma "banda louca". Há nesses grupamentos ares que vem lá do Romantismo, da Contracultura, de parte do Modernismo no Brasil e outros tantos movimentos artísticos, ou não, que exaltaram a semântica da irracionalidade e, por extensão, da autenticidade. 

Loco Abreu é o tipo de jogador que se adéqua muito bem a esse imaginário.

 Se a qualidade técnica nem sempre é o seu forte, Loco mostra postura passional nos times que joga, deixando claro seu apego às vitórias com atuações em que demonstra entrega ao jogo. E além disso, Loco costuma fazer gols importantes, o que sem dúvida é fator decisivo para a boa relação que costuma manter com os torcedores. Gols importantes como aquele que ajudou a classificar o Uruguai para a Copa de 2010. As chuteiras desse jogo estão no Museu Centenário, no Uruguai, o que dá mostras da importância de Loco na história recente do futebol celeste.



Museu do Futebol. Estádio Centenário, Uruguai. Foto: Leda Costa. 

Por esse e outros fatores Loco costuma causar expectativas em muitos clubes onde chega.  Foi assim no Botafogo, no Figueirense e, recentemente, no Bangu. 

Loco Abreu é também uma "marca"  capaz de capitalizar a atenção de torcedores e dirigentes  que dele fazem elemento fundamental de estratégias de marketing. 

No caso do Bangu, o plano de marketing foi bem pensado. Loco vestirá a camisa 113 em referência a idade que o clube completará em 2017 e em referência ao número que supersticiosamente o jogador adotou como um dos seus amuletos. 


A camisa 113 foi ostentada por vários torcedores no dia da apresentação do jogador


Foto Leda Costa


Outro interessante fenômeno diz respeito a adoção do Uruguai como uma espécie de segunda pátria. Se muitos botafoguenses vestiram a celeste, creio que não será diferente com os banguenses.


Foto Leda Costa

Enquanto Loco Abreu não chegava, cada um se distraía da melhor maneira possível



Foto Leda Costa

Foto Leda Costa

Foto Leda Costa




Foto Leda Costa

Por volta das 12h20, quando a vida parecia impossível em Moça Bonita, Loco Abreu apareceu, sendo festivamente recebido pela torcida


Foto Leda Costa



No alambrado. Foto Leda Costa

Foto Leda Costa



Foto Leda Costa
  

Foto Leda Costa
Loco passou por mais de 20 clubes, espalhados pelo mundo, o que me permite pensar que trata-se de um exemplo de jogador plenamente inserido na dinâmica da mobilidade, categoria fundamental para a história do Ocidente. Mover-se mostrou-se tema caro às vanguardas do século XIX, e está diretamente relacionado à invenção de objetos como automóvel, assim como à invenção dos esportes modernos.

Se o constante fluxo de objetos é marca de uma cultura internacional  popular, para fazer uso de um termo de Renato Ortiz, chegamos ao incessante fluxo de pessoas que por prazer ou obrigação têm suas vidas marcadas por partidas e retornos.

E nas idas e vindas de Loco, chegou a vez do Bangu. 



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