Seu José Reis, segundo da direita para a esquerda. Ao meu lado e com chapéu está Henrique que, gentilmente, me presenteou com a bandeira do Volta Redonda |
A frase que dá título a esta postagem foi dita pelo Sr. José dos Reis, um dos torcedores do Volta Redonda que enfrentou uma longa viagem até a Ilha do Governador, para assistir a semifinal da Copa Rio.
Trata-se de uma frase que é potencial promotora de polêmica porque pressupõe algo que muitos torcedores considerariam como uma atitude grave e digna das mais ríspidas reprovações: trocar de time ou, virar a casaca, como se diz no linguajar popular.
Os chamados vira-casaca costumam ser uma figura sobre a qual recai uma série de recriminações e todo um imaginário negativo, já que representaria algo próximo a um traidor.
Houve época em que eu também pensava assim, mas certas radicalidades estão cada vez mais perdendo forças diante da complexidade da vida e do próprio futebol.
Obviamente que não me tornei tão liberal de modo a ser favorável a trocas constantes de times, mas consigo reconhecer a possibilidade desse fenômeno acontecer em algum momento da vida de alguém. E diversos podem ser os motivos para isso ocorrer.
Por ser fortemente anexado à paixão, sentimento compreendido como nascido das profundezas do indivíduo, torcer por um time foi alçado a uma condição existencial e, portanto, pensada como imutável. Mas essa percepção é, em grande medida, fundada no senso comum, o que muitas vezes pode ser perigoso já que parcial, pois deixa de lado os vários elementos que atuam no processo de adesão a um clube de futebol. Elementos que não se limitam a escolhas movidas à pura espontaneidade.
Na tese Do dom à profissão o pesquisador Arlei Sander Damo já demonstrou as diversas tramas de sentidos que sustentam o emaranhado das relações que mantemos com os times pelos quais torcemos.
Isso sem mencionar que, recentemente, muitos estudos têm lançado luz sobre a questão da paixão, tentando desnaturalizar a ideia de que trata-se de um sentimento universal, acabado e, independente, das demandas culturais de diferentes épocas e lugares. Autores como Davi Le Breton, assim como toda vertente da Antropologia das emoções têm chamado a atenção para o fato de que o sentimento, paixão, é também "uma atividade de conhecimento, uma construção social e cultural, a qual se torna um fato pessoal mediante o estilo particular do indivíduo" (LE BRETON, David. As paixões ordinárias. Antropologia das emoções. RJ: Vozes, p.12)
Parafraseando Simone de Beauvoir, talvez seja correto dizer que não se nasce torcedor, mas torna-se torcedor de um clube, e essa frase pode ser dita até mesmo para quem diz torcer para determinado clube, desde quando estava na barriga da mãe.
Seu José Reis tornou-se torcedor do Volta Redonda, em 1977, deixando de lado seu passado de rubro-negro para vestir o amarelo e o preto que são as cores do Voltaço.
Ele também podia vestir a camisa da Caravana - no dia em que ela tiver uma - porque sua história representa o espírito Caravana de ser. Espírito um tanto underground, poderíamos assim dizer, afinal seu José mostra que existem diversos modos de se relacionar com o futebol, diversos sentidos do torcer, alguns dos quais incompreendidos já que à margem do mainstream.
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Torcer por um time é uma questão que sempre me despertou fascínio e, nos últimos tempos, seja por conta da Caravana, seja por causa dos meus interesses de pesquisadora, esse fascínio só faz aumentar.
No discurso da grande imprensa, na fala cotidiana, nos habituamos a ouvir certas considerações acerca da natureza do torcer que costumam ressaltar seu caráter puramente espontâneo e irracional.
É certo que essas características conferem à torcida uma dimensão romântica sendo até capazes de nos revestir com uma dimensão que poderíamos chamá-la de aurática, no sentido usado por Walter Benjamin para fazer referência às obras de arte e seu caráter único.
Gosto dessas representações e interpretações que se costumam fazer dos torcedores e torcedoras, apenas sou temerosa quanto aos riscos de cairmos em extremismos e simplificações. Porque a beleza do torcer - assim como diversos fenômenos sociais - está na sua complexidade.
Aparentemente não faz sentido algum trocar de clube e menos sentido faz, caso esse clube seja nacionalmente conhecido, dono de vários títulos nacionais e internacionais, como é o caso do Flamengo.
Esse estranhamento se justifica porque, no Brasil, a cultura torcedora hegemônica costuma valorizar currículos vitoriosos, o que provavelmente explique o profundo horror aos vice-campeonatos, como demonstrado na Copa de 1950. Essa valorização também se manifesta na aversão às derrotas da seleção brasileira masculina que costumam provocar uma espécie de caça aos possíveis culpados do insucesso da Canarinho em campo.
Mas há vida - e muita vida - para além dos holofotes midiáticos e para além dos brilhos das taças, embora obviamente o desejo da vitória seja parte importante dos torcedores e do próprio futebol.
Faz parte, mas não significa que seja elemento preponderante porque se o fosse dificilmente poderíamos conceber casos como o do seu José dos Reis que deixou de torcer para o Flamengo do Rio de Janeiro para aderir ao Volta Redonda.
A partir de uma conversa, meio que incidental, encontrei fonte de dialogo para uma série de questões que têm girado na minha cabeça.
FUI FLAMENGO ATÉ 1977
Essa frase me chamou atenção não somente por causa da troca de clube, mas, também, porque essa mudança tem data: 1977.
Na momento da conversa, não me veio à cabeça perguntar o porquê desse marco temporal. Por isso, não sei dizer, com toda certeza, os motivos que justificam seu José ter passado a torcer pelo Volta Redonda, em 1977.
Mas posso afirmar que essa adesão clubística seria impossível antes de 1976, simplesmente porque antes desa época, não existia o Volta Redonda Futebol Clube que foi fundado exatamente naquele ano, mais especificamente no dia 9 de fevereiro.
Sua fundação se relaciona a necessidade de a cidade de Volta Redonda possuir um representante no Campeonato Carioca, após a fusão do Rio de Janeiro com o Estado da Guanabara e o surgimento da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro.
Mas, então, antes dessa época, não havia clubes de futebol em Volta Redonda?
Este blog já falou um pouco sobre o Raulino de Oliveira, estádio de Volta Redonda, inaugurado em 1951, mas não comentou que durante um bom tempo essa praça esportiva foi administrada pelo Guarani Esporte Clube cuja sede era localizada no mesmo endereço. O clube foi fundado em 1946, participou de diversas competições municipais e, em 1975, encerrou suas atividades.
Não foi fácil encontrar informações sobre o Guarani, mas novamente um dos sites que mais recorro em busca de informações e relíquias memorialísticas sobre futebol, me salvou novamente:
Também podemos mencionar o Clube de Regatas Flamengo de Volta Redonda cuja fundação data de 1971. Embora ainda exista, não se encontra com as devidas condições de manter um time, sofrendo com muitos problemas estruturais em sua sede:
Fonte: http://cacellain.com.br/blog/?p=38713 |
Mas na década de 1970, o Flamengo era o único clube profissional em atividade e num primeiro momento era o principal candidato para competir o Carioca. As reuniões entre dirigentes encaminhavam a participação para essa solução, mas mudanças de rumo, ainda não muito claras, levaram à criação de um novo clube, o Volta Redonda cujo uniforme ostentaria as cores da cidade.
No ano seguinte, o Volta Redonda já tinha um novo torcedor: seu José dos Reis.
Acabei de demonstrar - aproveitando para falar um pouco de história - o motivo mais elementar que explica o marco temporal da mudança de time de José. Certamente, pode haver outros motivos e, somente, uma outra conversa poderia esclarecê-los.
Mas voltando ao breve bate-papo no estádio, seu José continuou a falar sobre sua mudança clubística. Ele disse que que não fazia sentido continuar torcendo por um clube tão distante, como o Flamengo, enquanto tinha um clube bem perto dele, que lhe era familiar, acessível e que representava a sua cidade. E esse era o caso do Volta Redonda.
A representatividade local é aspecto relevante no futebol e, nos últimos tempos, têm sido servido de argumento que contestam os rumos que o futebol tem tomado, sobretudo, por conta da influência dos fluxos mercadológicos atuais.
José, portanto, tocou numa das questões mais polêmicas despertadas pelo futebol nos últimos 20 anos. Clubes como Manchester City, Real Madri entre outros foram gradativamente atendendo as demandas da globalização e do dinheiro. Além de clubes podemos pensá-los também como marcas, ícones mundialmente compartilhados.
Pode-se torcer a milhares de quilômetros de distância, o que em parte é uma possibilidade já aberta pelo rádio, mas extremamente intensificada com o advento da televisão e das transmissões via satélite. Porém, movimentos como a Associação de torcedores Independentes, surgida na Inglaterra, demonstram sérias preocupações quanto à crescente desvalorização das relações entre os clubes e os torcedores locais, já que, atualmente, se priorizaria a conquista de mais público - e, por sua vez, mercado consumidor - ao redor do mundo.
Para muitos torcedores, o vínculo local é considerado como elemento fundamental para o futebol. E no Brasil temos exemplo desse tipo de preocupação, visível, por exemplo, ao longo da disputa da Copa do Nordeste, quando as arquibancadas encontram-se manifestações que reivindicam a valorização dos clubes locais (há um bom artigo sobre esse aspecto na Revista Esporte Sociedade)
Esse preocupação tão atual e discutida em diversos níveis, aparece de modo claro na fala de seu José.
E também aparece na fala de alguns de seus colegas ali presentes no estádio, com quem também conversei rapidamente. Todos já torceram por algum time carioca, sobretudo, Vasco e Fluminense, mas passaram a torcer para o Volta Redonda, time da cidade onde moram, acompanhando o time em no seu dia a dia e nos diversos recantos do Rio e do país.
José Reis é o primeiro da direita para a esquerda |
Como disse José, "o Flamengo está muito longe", distância que certamente inviabilizaria um tipo de experiência com o futebol que é fundamental para muitas pessoas.
A história de seu José Reis é absolutamente fascinante. Nela temos um indivíduo que torcia para o Flamengo, o clube mais popular do país, já na década de 1970, mas que resolve torcer para um clube recém-fundado, como era o caso do Volta Redonda.
A pouca conquista de títulos, a participação em competições de pouca visibilidade midiática, poderiam ser motivo para José voltar a torcer para o Flamengo. Mas passado tanto tempo, sua relação com o time do sul fluminense continua firme e forte.
Na minha opinião, a importância dada à representatividade local também se relaciona a uma forma específica de fruir o futebol, forma essa que pressupõe proximidade territorial, frequência aos estádio e maior possibilidade de contato com jogadores e dirigentes, ou seja, maior participação no cotidiano do clube. Algumas dessas possibilidades, geralmente, costumam ampliadas por clubes não somente locais, mas de pequeno investimento.
Há outras questões absolutamente relevantes de serem pensadas e que são despertadas pela cultura torcedora presente nos estádios frequentados pela Caravana.
Trata-se de uma cultura torcedora que poderíamos chamá-la de underground composta por indivíduos que seguem clubes fora do circuito midiático do futebol brasileiro
DE PORTUGAL PARA A ILHA DO GOVERNADOR
O importância conferida à dimensão local
não deve excluir a possibilidade de diálogo com e intercâmbio com elementos que
poderíamos chamar de globais. Atitude assim seria uma espécie de contrassenso à
própria história do futebol, no Brasil, já que se trata de atividade que chegou
a nós vinda da Inglaterra.
Aliás diversas torcidas são vinculadas a
colônia de imigrantes como é o caso do Palmeiras, Vasco da Gama e da Portuguesa
da Ilha. Por isso, a torcida canta
De Portugal
Pra Ilha do
Governador!
Sou
Portuguesa Carioca, sou da Lusa sim senhor!
Mas os cânticos da torcida Brava Raça Lusitana exaltam, também, o pertencimento local, referente ao bairro, Ilha do Governador:
Com muito orgulho, sou morador da ilha, torço pra Portuguesa
Clube de tradição!
E essas músicas foram cantadas novamente, no sábado passado, dia em que a Portuguesa enfrentou o Volta Redonda pela Semi-final da Copa Rio.
Do lado direito da Brava Raça, estava o torcida Jovem Lusa
No canto esquerdo da arquibancada, os torcedores do Volta Redonda:
Nas arquibancadas estava o ex-técnico, Jair Pereira, recentemente contratado como Coordenador técnico da Portuguesa.
Final de jogo:
VAI TER ARENA?
A Caravana já havia falado nos planos da Portuguesa de reforma do estádio e construção de uma arena. Ao que parece esses planos continuam vivos, fortes e com possibilidade de concretização, afinal, em 2016, são grandes as chances do estádio ser usado por Flamengo e Fluminense, porque os estádios Maracanã e Engenhão podem fechar para reformas visando as Olimpíadas.
Na entrada do clube os planos para a Arena estão expostos em um grande painel
Fotos minhas |
Tenho grande curiosidade em saber como alguns torcedores recebem essas propostas que seguem o caminho da modernização e do futebol contra o qual muitos deles se colocam.
Acho que não faltará oportunidade para saber as respostas para essa dúvida, afinal, ano que vem, continuarei a frequentar o Luso esperando que nele a Portuguesa possa jogar partidas em competição nacional, já que o clube garantiu esse direito ao ir para a final da Copa Rio.
Depois desse primeiro jogo, a Portuguesa foi a Volta Redonda e conseguiu classificar-se para a decisão da Copa Rio e, enquanto, termino esta postagem, o time se prepara para enfrentar o Resende.
Boa sorte a todos,
e até breve
Olá Leda,
ResponderExcluirmeu nome é Fabiano Gouvea e, procurando fotos na internet, achei o seu blog.
Sou torcedor da Portuguesa e estava nesse jogo. Posso te responder a pergunta: a principio sou contra a modernização. No nosso caso, o Flamengo trocou o gramado e melhorou a estrutura, o que é bom, mas parece que vão pintar nosso estádio todo de rubro-verde, vão descaracteriza-lo como sendo nosso, o que não me agrada nem um pouco. Dizem que terá um novo nome, os chamados Naming Rights, o que também não me agrada. Gosto do meu Luso-Brasileiro colorido de rubro-verde. Claro que isso tudo vai nos gerar dinheiro, mas nessas condições, nao vale a pena. Em casos mais graves, essa modernização exclui o torcedor, pois o preço das arenas(denominação péssima para ESTÁDIO) acaba passando para o torcedor, e com isso, vários tem que abandonar o campo, o que não vai acontecer no nosso caso. Pelo menos assim espero. Um abraço.