Não sou pesquisadora de samba ou
carnaval. Minha relação com o samba é de puro gosto e admiração sendo, portanto, uma relação que poderíamos chamar de intuitiva e que não passa por análises mais
profundas.
Meu compromisso com o samba e o
carnaval é mediado por uma forte memória afetiva, especialmente em se tratando
de Portela cujos sambas do início da década de 1980 eram cantarolados por mim e
minha vó.
Portela é de Oswaldo
Cruz/Madureira, bairros vizinhos de Rocha Miranda onde morei durante 38 dos
meus 39 anos.
Mas essa proximidade sentimental
com a Portela nunca me impediu de ter um carinho e até torcer por outras
escolas como a Império Serrano (escola do meu pai), União da Ilha (dos sambas inesquecíveis
e de Aroldo Melodia) e do Salgueiro (escola da minha mãe)
Pode parecer estranho mas os modos de
torcer por uma escola de samba difere bastante dos de torcer por um time de
futebol. O futebol requer um tipo de relação monogâmica, meio possessiva, em
que não cabe – ou acredita-se que não - nenhum
de tipo de amor dividido ou compartilhado com outros times.
Eu particularmente não divido meu
amor pelo vasco com outros times. Jamais.
Porém o território do samba
parece ser movido por uma dinâmica diferente dessa. Podemos ter uma escola “do
coração”, mas comemorarmos a vitória de alguma outra agremiação.
Isso significa que não existe
rivalidade?
Claro que há, algumas até um
pouco acirradas. Existem escolas que não são nada bem vistas e mesmo pouco
toleradas entre alguns torcedores adversários.
Mas a impressão que tenho –
e é uma simples impressão – é que tão ou mais importante que as escolas é
o uma entidade chamada samba.
Pelo menos
é isso que sinto e me faz adorar o samba e a cultura que o cerca.
Cultura esta fascinante por
comportar coisas que às vezes parecem pertencer a mundos que aparentemente
não se misturam, como é o caso da alegria e da tristeza.
Esse convívio é fascinante e pude
percebê-lo de perto na quadra do Salgueiro onde fui acompanhar a apuração do
desfile das escolas de samba.
A derrota do Salgueiro partiu meu
coração, porque enquanto estava na quadra compartilhei a torcida pela escola da
Tijuca e porque achei injusto o resultado
Entretanto mesmo com o coração
partido enxuguei as lágrimas e após sambar um pouco ao som da Furiosa fui
direto para a quadra da Unidos da Tijuca.
A apuração e o Salgueiro
Diferentemente dos campeonatos de
futebol, o desfile das escolas de samba é uma competição que acontece em um
único dia, ou melhor, noite, na qual pouquíssimas coisas podem dar errado.
São cerca de 80 minutos que selam um ano inteiro de trabalho intenso nos
barracões das escolas. Hoje em dia trata-se de um trabalho cada vez mais
profissionalizado e que envolve uma estrutura altamente mercadorizada.
Nesse quesito o mundo das escolas
de samba é um pouco menos democrático e surpreendente que o futebol, porque
dificilmente uma escola que dispõe de poucos recursos ganhará um desfile.
É certo que é possível que
escolas muito bem estruturadas financeiramente desapontem na avenida, por
motivos diversos, como foi o caso da Beija Flor este ano. Mas são exceções. Nos
últimos anos os títulos têm se revesado entre escolas financeiramente
poderosas.
A Unidos da Tijuca rompeu essa
lógica em 2002 quando a criatividade na composição de carros como o DNA humano
foram tão espetaculares que quase fez de um escola pouco comentada, campeã
daquele ano.
Mas com o tempo e vários vices
campeonatos a Unidos teve que anexar criatividade com alegorias bem acabadas,
coreografias impecáveis, efeitos especiais sofisticados, tudo isso somado a um
trabalho muito profissional e caro capaz de fazer com tudo isso funcione antes
e na hora do desfile.
Por esses motivos, certamente há
muitos que condenam ou veem com maus olhos os desfiles de escola, achando-os
produtos extremamente mercadorizados e voltados quase que exclusivamente para o
olhar turista.
Ainda não me bateu essa desilusão
em relação aos desfiles, embora saiba que o público da Marquês de Sapucaí seja
composto massivamente por turistas que pagam caro para ali estarem.
Se compararmos com recentes jogos
do Maracanã os preços dos ingressos da Sapucaí não são tão absurdos. No último
Flamengo e Vasco, o ingresso mais barato custava R$80. Na Sapucaí os ingressos
populares custam R$10.
É certo que não se trata do melhor lugar de se ver o desfile, assim
como não o era a geral dos estádios, mas pelos menos a possibilidade de estar presente ao
espetáculo é financeiramente mais viável e em se tratando de um evento que ocorre uma vez por ano, pode valer a pena
E por ocorrer uma única vez no
ano, o desfile é tudo ou nada e qualquer erro pode ser fatal, porque no fundo
ganha não exatamente a escola que acertar mais, porém sim aquela que erra menos.
Por isso a apuração é um momento
nervoso e cheio de expectativa sejam elas boas ou más.
Tinha más expectativas em relação
a Vila Isabel, afinal foram grandes as falhas ocorridas no desfile.
Tinha ótimas expectativas em
relação ao Salgueiro, porque tinha um samba fabuloso e fez um desfile quase
impecável.
Quase ... pelo menos aos olhos dos julgadores.
Seja como for, movida por essas ótimas
expectativas e por uma imensa curiosidade fui assistir a apuração na quadra da
escola vermelha e branca da Tijuca.
O SALGUEIRO
Na chegada à quadra já era
perceptível uma atmosfera confiante nos moradores ao redor, nos componentes da
escola e em pessoas como eu. Por isso, assim que entrávamos na quadra
recebíamos um papel para segurarmos durante a apuração, nesse papel estava escrito
em vermelho: é campeão!
E esse entusiasmo só aumentou após o primeiro quesito no qual o Salgueiro
levou 10 de todos os julgadores, porém logo depois o Salgueiro começou a perder
alguns pontos preciosos e foi caindo até ficar em 3º lugar.
Algumas perdas de ponto podem ser
irreversíveis, mas as principais concorrentes do Salgueiro também começaram a
perder pontos e com isso o Salgueiro saltou para primeiro passando a disputar décimo
a décimo com a Unidos da Tijuca.
As baianas do Salgueiro |
Mas essa disputa ponto a ponto deixou a baiana do Salgueiro assim:
Somente no final, no quesito bateria – a
grande esperança salgueirense – é que a Unidos já no terceiro jurado, confirmou
sua vitória.
Restou ao Salgueirenses o choro, mas um choro que se misturou a manifestações de alegria ao som do samba enredo e da bateria furiosa:
Particularmente fiquei fascinada –
uso essa palavra novamente - porque como diz Nelson Sargento “Samba, agoniza
mas não morre, alguém sempre te socorre, antes do minuto derradeiro” (...)
Tanto não morre que fui para a
quadra da Unidos da Tijuca após algum tempo ali curtindo esse momento quase que
epifânico.
UNIDOS DA TIJUCA: CARNAVAL E UM POUCO DE FUTEBOL
A conquista da Unidos foi algo razoavelmente inesperado para mim. Achei particularmente que foi o mais fraco desfile da escola, nos últimos 3 anos. Mas, não sou especialista no assunto e o que me importava no momento era experimentar a festa da Unidos:
Particularmente tenho simpatia pela Unidos por causa do Paulo Barros e porque ela já fez do Vasco da Gama enredo cujo samba até hoje é cantado pela torcida cruzmaltina. Na verdade a Unidos conta com a simpatia de muitos vascaínos, até mesmo porque seu presidente é torcedor declarado e já teve a intenção de se candidatar a presidente do clube.
Essa simpatia se fez notar na grande presença de bandeira do Vasco e da torcida organizada Força Jovem com a qual me deparei logo na entrada da quadra:
Em São Paulo é muito comum essa
relação entre escola de samba e torcida organizada, como é o caso da Gaviões da
Fiel e da Mancha Verde, mas aqui no Rio isso não se faz presente,
pelo menos de modo claro e incisivo.
Confesso que gostaria que essa
distância fosse mantida, porque o torcer no futebol está impregnado de
rivalidades que não se entrecruzam. A identidade torcedora muitas vezes é
afirmada pela quase que total negação da alteridade.
Como comentei no início, não
percebo esse tipo de construção indentitária no samba, por isso mesmo de
vermelho entrei na festa da Unidos cujas cores são amarelo e azul. Por isso, gente que tava na
quadra do Salgueiro - mesmo vestido com a camisa dessa agremiação - também foi
para a mesma festa. E todos fomos muito bem recebidos.
Claro que adoro ver a bandeira do
Vasco onde quer que seja, mas prefiro ver o mundo do samba do modo como ele tem
sido, com convivências possíveis, com amores não exclusivos, mas voltados para
a alegria mesmo que ela ande misturada com a tristeza.
A festa da Tijuca estava ótima e
o samba - que foi muito criticado - funcionou muito bem naquele espaço de
festividade pura.
E eu de vermelho festejei com
meus sapatos pisando na lama.
Um brinde ao samba
É melhor ser alegre que ser
triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra
fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não
(...)
Fazer
samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque
o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não
(Samba da Benção, Vinícius de Moraes)
Nenhum comentário:
Postar um comentário