terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

MADUREIRA E AUDAX: FUTEBOL, SAMBA E FEIJOADA

  Subúrbio, subúrbios

 O subúrbio foi cenário de importantes romances da Literatura Brasielria. Bentinho, o principal personagem de Dom Casmurro, morava em no subúrbio do Engenho Novo.


 O subúrbio no século XIX era um lugar sobre o qual ainda não havia se formado certo imaginário negativo que o acompanhará – e ainda o acompanha um pouco – por um longo tempo.


 Essa imagem pouco positiva do subúrbio começa a ganhar forma com as reformas urbanas do Rio e devido ao fato de essas reformas pouco beneficiarem as áreas distantes do centro da cidade. Sendo assim as áreas suburbanas passaram a representar a contramão do que ser queria para o rio de Janeiro: modernização. Os subúrbios representavam os resquícios de um passado rural que se queria apagar e ver afastado da imagem de uma cidade idealizada.


A esse aspecto se soma o crescimento imobiliário da cidade e o encarecimento das moradias localizadas em áreas próximas ao centro. Com isso as populações mais pobres e o operariado são de algum modo “empurrados” para as áreas suburbanas que passam a ocupar massivamente.


 Esse processo é muito bem descrito e denunciado por Lima Barreto, escritor do século XX que nasceu no bairro das Laranjeiras, mas chegou a morar em áreas do subúrbio carioca. Em Clara do Anjos Lima Barreto chama o subúrbios de “refúgio dos infelizes”:


Mais ou menos é assim o subúrbio, na sua pobreza e no abandono em que os poderes públicos o deixam.  Pelas primeiras horas da manhã, de todas aquelas bibocas, alforjas, trilhos, morros, travessas, grotas, ruas, sai gente, que se encaminha para a estação mais próxima; alguns, morando mais longe, em Inhaúma, em Caxambi, em Jacarepaguá, perdem amor a alguns níqueis e tomam bondes que chegam cheios às estações. Esse movimento dura até às [sic] dez horas da manhã e há toda uma população da cidade, de certo ponto, no número dos que nele tomam parte. São operários, pequenos empregados, militares de todas as patentes,


inferiores de milícias prestantes, funcionários públicos e gente que, apesar de honesta, vive de pequenas transações, de dia a dia, em que ganham penosamente alguns mil-réis. O subúrbio é o refúgio dos infelizes. Os que perderam o emprego, as fortunas; os que faliram nos negócios, enfim, todos os que perderam a sua situação normal vão se aninhar lá; e todos os dias, bem cedo, lá descem à procura de amigos fiéis que os amparem, que lhes dêem alguma cousa, para o sustento seu e dos filhos. (Clara dos Anjos, 1956, p. 118)


 Lima Barreto detestava futebol e essa raiva em grande medida demonstrava pelas avessas às da força que esse esporte ganhava no início do século XX.


 As críticas que Lima Barreto lançava sobre o futebol, especialmente no que diz respeito ao seu caráter elitista e às dificuldades da participação de negros, poderiam ser minimizadas se talvez Lima Barreto tivesse como horizonte outros clubes que não apenas os da zona sul.


Afinal na época em que Barreto fundou a sua liga contra o futebol, esse esporte já havia sido apropriado por diversas partes da cidade, incluindo o subúrbio. No subúrbio os clubes e os times já contavam com negros e operários e embora com restrições e diferenciações eram espaços mais democráticos que os clubes da zona sul
.
O futebol tem sua importância para a história do subúrbio e o subúrbio tem sua importância para a história do futebol carioca.


Madureira


Em termos de importância, Madureira está para o subúrbio assim como Copacabana está para a zona sul. Guardadas algumas diferenças, é nesses bairros que tudo acontece e de tudo se vê.


Em ambos os bairros há uma mistura de gente, um burburinho nas ruas e o caos do vai e vem de pessoas de tipos variados.


Há de se destacar uma das grandes marcas de Madureira: o comércio. A começar pelo Mercadão, Madureira é um corredor de lojas em quase toda sua extensão. Lojas e muuuitos camelôs, isso desde a década de 1950:




 O comércio aumentou com o tempo e passou por algumas modificações. Uma delas refere-se aos interessantes manequins:


O desenhista Jano disse, no documentário Rio de Jano, que no Brasil existe uma espécie de culto a bunda feminina. Esse culto fica evidente em Madureira como podemos ver na versão artística que Jano fez desse bairro e pode ser encontrada não apenas no já citado documentário como no seu Cadernos de Viagem:

Madureira também foi tema de muitos sambas e este ano será homenageada pela Portela, uma de suas escolas de samba. 

Madureira foi a grande inspiração para a criação do bairro Divino, estrela de uma das novelas mais assistidas na história da teledramaturgia brasileira: Avenida Brasil.  Essa centralidade demonstra que as áreas periféricas de algum modo estão ganhando um pouco mais de legitimidade.

Por isso acho interessante fazer uma reavaliação daquilo que Chico Buarque diz, ao se referir ao Suburbio na letra de sua música homônima "Lá não figura no mapa/ No avesso da montanha, é labirinto"


O futebol foi um dos modos de inserir os subúrbios no mapa

  ANTES DO FUTEBOL, FEIJOADA IMPERIANA

Embora more a 10 minutos do bairro, nunca havia estado na quadra do Império Serrano (nem na quadra da Portela, minha escola do coração).


um balde de cerveja... uma balde mesmo

sem palavras.....



Achei divertidíssimo.... e poderia ser mais ainda, caso chegasse mais tarde. Creio que à noite as coisas fervem por lá. Mas eu tinha um compromisso importante e tive que partir.

Meu compromisso era o futebol, mais especificamente com o Madu....




O Madureira: um pouquinho de história
 
O Madureira revelou grandes nomes do futebol Brasileiro. Na década de 1940 revelou Jair Rosa Pinto, Lelé e Isaías que foram comprados pelos Vasco da Gama:




Lelé, Isaías e Jair no Madureira

 Jair Rosa Pinto, Lelé, Isaías, no Vasco

              Do Madureira também veio Evaristo de Macedo que jogou no clube nos anos de 1950:

 Madureira (RJ), em 1951.. Em pé Bitum, Amauri, Weber, Claudionor, Herminio e Valter; agachados estão Betinho, Evaristo de Macedo, Alfredinho, Ocimar e Tampinha.
Fonte: http://tardesdepacaembu.wordpress.com/2013/01/25/evaristo-de-macedo-o-senhor-dos-tri-campeonatos/
O Madureira é dono de uma marca muito interessante: é o clube que mais tempo permaneceu em excursão pelo exterior do Brasil. Foram 36 jogos realizados ao longo de 144 dias, em  1961.

O Madureira visitou a Europa, Ásia e os EUA, além de Japão e Hong Kong:

O marechal Chen Yi cumprimenta Farah na viagem proibida do Madureira à China em 1964
 Uma das mais famosas fotos do Madureira é esta que segue abaixo. O time posa ao lado de Che Guevara:

                                                   Fonte:http://madureiraec.com.br/wp/historia/

                                           Fonte:http://revistatrip.uol.com.br/revista/189/reportagens/che-e-madureira.html 


Até pelo menos a década de 1950 eram constantes as excursões de clubes brasileiros pelo exterior. um dos mais famosos poemas sobre futebol foi composto após o retorno do Clube Paulistano de uma excursão realizada pela Europa, em 1925. O poema se chama "A Europa Curvou-se ante o Brasil" e seu autor é Oswal de Andrade
 
"7 a 2/ 3 a 1/ A injustiça de Cette/ 4 a 0/ 2 a 1/ 2 a 0/ 3 a 1/ E meia dúzia nos portugueses"

Não houve poema para o Madureira, mas pelo menos restaram essas fotos antológicas. 
  

 Será que é verdade? A arena Aniceto Moscoso
Não sei se é verdade, mas encontrei algumas referencias a um projeto futuro – muito futuro mesmo – de construção de uma arena multiuso com capacidade para 15 mil pessoas. Essa arena seria viabilizada por uma possível revitalização da área, proporcionada pela Transcarioca



Particularmente torço muito pela melhoria do estádio que precisa, por exemplo, de refletores. Mas confesso que não gosto dessa história de arena. Não gosto principalmente porque, no Brasil, a concepção de arena está inserida em uma busca por modernização e modernização no Brasil costuma ser uma palavra que a tudo justifica. 
O ESTÁDIO, HOJE

O estádio Aniceto Moscoso fica situado à Rua Conselheiro Galvão. Essa rua beira a via férrea, portanto para ir ao Madureira, o trem é uma ótima opção. Mas atenção, NÃO salte na estação Madureira e sim na estação Mercadão de Madureira



A Rua Edgar Romero faz esquina com a Conselheiro Galvão, portanto o Clube Madureira está localizado em uma área de trânsito muito intenso e com difícil capacidade de escoamento, já que as ruas são estreitas. Ir de carro não é a melhor das opções, pois são poucos e pequenos os estacionamentos e, além disso, existe o problema do engarrafamento constante nessa área.





Em termos de acesso o Madureira sofre os reflexos do bairro que lhe empresta o nome.  
Mas se pensarmos bem essa reclamação cabe a quem mora longe do bairro. Para quem mora nas adjacências não é tão sofrido assim.
Existem muitas pessoas que como eu, moram muito perto do clube. E é fascinante poder ter um estádio e um clube de futebol perto de nossa casa.
Certamente que o estádio do Madureira precisa de algumas adequações e quando falo em adequações minha preocupação é com a segurança. Portas de entrada mais amplas, por exemplo, que facilitem a entrada e uma possível necessidade de escoamento de pessoas, seriam bem-vindas.
O clube conta com uma boutique e ao lado dela, algo fascinante: um salão de beleza:
Por favor, não digam: “esse comentário só podia vir de uma mulher”
Quem diz isso, também é capaz de afirmar que “futebol é coisa de homem”....
Bobagem .....
Antes  do jogo, banheiro:

                           Tive a impressão de que as pessoas não obedecem muito a esse pedido.....
O gramado do estádio está em boas condições de jogo.

E as arquibancadas forradinhas com as cadeiras que cobriam o Maracanã:

      Caderia perpétua?????


Viva a contradição humana!

Ao subirmos as escadas das sociais do Madureira nos deparamos com a seguinte frase:
                                                              Aqui só se torce para o Madureira.

Mas a foto abaixo contradiz esse pedido:
Na verdade, pessoas com camisas diversas desfilam pelas sociais do Madureira em dia de jogo. Mas uma coisa posso garantir. Mesmo com camisas de outros clubes, todos de fato torcem para o Madureira durante o jogo.
Não sei dizer se essa lógica vale para jogos contra Vasco, Flamengo, Botafogo etc....



 







 
É a segunda vez que assisto a um jogo do Madureira e me impressiona ver o quanto as pessoas que assistem aos jogos se envolvem, gritam, se irritam e xingam o tempo todo.

Temos também a Organizada do Madureira:
Atrás do gol me me senti como se estivesse em campo. 

Se eu esticasse o braço poderia tocar no juíz de tão perto que fiquei.


Poderia tocar nas redes.....


E com um pouquinho de esforço podia arrancar a bandeirinha e sair correndo....





Para além das arquibandas..........
Todos aqui estavam assistindo ao jogo



 
Ainda bem que havia clima de harmonia, caso contrário não faltariam paus e pedras para uma batalha.... pelo menos deixaram uma escada para emergência
 
 

 

 

 

 

 

 

  Não perguntei, mas tenho a impressão de que o clube fecha em dias de jogo,afinal num quente como foi sábado, nada mais pode explicar essas piscinas vazias.....



O jogo

 

Atenção

feijoada + estádio de futebol é uma mistura que pode não dar certo

 

Pelo menos durante o primeiro tempo foi assim que vi o jogo:




Quando consegui juntar energias, o Madureira perdeu as que tinha. Seus principais jogadores Jean e Derlei não tiveram boas atuações. O Audax por sua vez tirou proveito da desordem tática do Madureira. 

 

Torcemos até o final, mas quando veio o gol do Madu, já era tarde demais.....

Final: Audax: 2x1


A cesta básica

Sempre que o juiz assinalava alguma falta contra o Madureira, a torcida gritava:
Vai ganhar cesta básica né ?
Inicialmente aquela frase parecia meio que enigmática. Pensava: que cesta básica é essa?
Carol, mais espeta que eu, disse: é por causa do Audax, time ligado à antiga Sendas e atual Extra.
Ahhhhhhh, agora faz sentido....
A torcida realmente é de uma criatividade ímpar.

Por isso, o Audax-Rio merece um capítulo à parte.


Audax Rio porque existe o Audax SP. Esse clube é o antigo Sendas que depois virou Pão de Açúcar  e que para tornar-se mais simpático virou Audax que significa audácia em Latim. Que chique ....
O dono do Audax  é Abílio Diniz um dos empresários mais ricos do pais.
O time nasceu como um projeto social e com o tempo entrou no mundo profissional. Seu centro de treinamento localiza-se em São João de Meriti, um dos mais populosos municípios do Rio de Janeiro.
Paulinho, hoje famoso jogador do Corinthians, se destacou atuando pelo então Pão de Açúcar:
O Audax detem cerca de 50% dos direitos econômicos de Paulinho.




Um hino em ritmo de rock

Não sei se esse é o único caso, mas certamente é um dos únicos.
O Audax tem um hino em ritmo de rock n'roll




No vídeo o mascote, na foto as torcidas.... ambos saindo do forno de novinhos que são



Em campo estavam de um lado um clube tradicional e um clube novíssimo. De um lado um clube da década de 1930, formado por simples comerciantes de Madureira e que hoje em dia enfrenta as dificuldades financeiras de divresos outros clubes, mas que em seu caso podem ser agravadas por ser um clube com pouca atenção de Marketing, mídia, poucos títulos etc. 

Do outro lado um clube de um comerciante modernernamente chamado de empresário. Nele dinheiro não parece ser um problema e sua gestão segue de perto a polítca de formação de atletas.

Madureira x Audax encarnam diveros dilemas do futebol nacional, a serem pensados de modo crítico por nós que amamos futebol.



Um comentário:

  1. Gostei muito do blog. Estou tentando entender a dinâmica dos subúrbios do RJ e vc consegue "clarear" as ideias. Parabéns!

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